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O eterno retorno de Berlusconi. E quem torna isso possível?

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Silvio Berlusconi
Il Cavalieri ataca de novo

Rossana Rossanda*

O ataque a Bersani para que não se apresentasse às Câmaras, o plano B com Berlusconi, que volta a ser protagonista, seguindo o roteiro do Quirinal. Entre uma esquerda subalterna e a carência histórica na Itália de uma direita ao menos formalmente democrática, nos deslizamos por um desvio mortal para nossa frágil democracia.

Nem Hollande nem Bersani são revolucionários, nenhum, porém não me lembro de ter assistido a uma guerra mais violenta que a que se trava contra eles. Verdadeira guerra de classe, tem razão Gallino: a direita proprietária ao ataque contra tudo aquilo que não seja liberalismo puro. Na França, a derrota de Sarkozy foi seguida por uma ofensiva patronal duríssima, fechamentos, demissões, deslocamentos que aumentaram bruscamente um desemprego já forte devido à crise: mais de três milhões de desempregados, sem contar outros dois milhões de pessoas que se veem forçadas a trabalhinhos sem continuidade nem direitos. Pessoas comuns, cujo poder aquisitivo vai se dizimando mês a mês, repreenderá mais duramente ainda ao governo socialista por não ter mantido suas promessas. Em resumo, fogo medido à direita e à esquerda.

Na Itália, Pier Luigi Bersani tem sido objeto de uma destruição sistemática por parte do Quirinal (residência do presidente da República) e da imprensa, por ter se atrevido a propor que se verificasse nas Câmaras uma proposta de programa, desde logo modesta, porém com a esperança não infundada de obter algum voto do exército de deputados que não passam de uma armada de Brancaleone, sem programa, entre os quais se poderia encontrar uma dezena de votos, como se encontrou para a presidência do Senado. O Quirinal não permitiu, como se fossemos já uma república presidencial. Bersani não aceitou, mas nem sequer se rebelou contra a vontade do chefe de Estado. Assim vai avançando o chamado plano B, que aponta a reintroduzir no governo a um Berlusconi mais descarado que nunca: quero isto, quero aquilo inoxidável, persuadido de poder propor para o governo uma maioria da que seria parte fundamental e para o Quirinal um homem seu (deputado Henrico Letta, fiel servidor ou, por que não, eu mesmo)

Não sei quanto teria durado um governo como o proposto por Bersani, mesmo que lhe tivessem permitido formar tirando das Câmaras, mas o que é seguro é que o sentido a proibição presidencial estriba em reabrir o caminho a uma unidade nacional da qual Berlusconi deve ser uma parte determinante. De alguma maneira, o fato de que Napolitano o tenha recebido no Quirinal depois  do “Cavaliere” ter vomitado suas insolências dois dias antes na Piazza del Popolo, legitimou-o politicamente falando. E toda Itália parece ter dado um suspiro de alívio, basta de desqualificações, quem propõe e decide é o voto popular, tese que no século XX deu o poder às ditaduras fascistas. Por que Itália não quis em absoluto a Berani? Desde logo, repito, não porque tivesse um programa subversivo nem extremista, sequer ante europeu, mas vagamente reformista, por que tinha relações com Vendola e a FIOM (sindicato dos metalúrgicos), porque tinha permitido que em seu partido aninhassem sujeitos perigosos como os deputados Matteo Orfini e Stefano Fassina, dos chamados Jóvens Turcos, uma das correntes de esquerda do Partido Democrático. Isto tinha que ser bloqueado.

Chegou o momento de deixar de se perguntar como é que Berlusconi volta a reaparecer na cena política. Faz falta reconhecer que quando parece totalmente abatido, há sempre uma mão à direita ou à esquerda que o tira do pântano em que se encontra. Faz falta que nos perguntemos por que por quinta vez este cenário se repete e se não há no país um defeito bastante profundo que permite essa inclinação. Parece evidente a responsabilidade de uma esquerda concretamente do PCI, que tinha sido no pós guerra a mais relevante e interessante de todo o Ocidente por não ter examinado as razões da derrubada de 1989, quando os filhos de Berlinguer se converteram de golpe a Fukuyama (o fim da história) com a mesma impermeabilidade com que tinham combatido a quem, até um mês antes tinha suscitado alguma crítica ao sistema soviético.

Contudo, uma vez admitida esta debilidade da esquerda e dos comunistas em particular, é impossível não indagar-se porque Itália parece incapaz, já historicamente, de dotar-se de uma direita pelo menos democrática, não a beira da repressão em nome do código penal. E esta é uma maldição que nos persegue desde a unificação do país e não parece que os dez sábios postados na Colina (do Quirinal) estejam em situação de se enfrentarem suas razões e extirpar as raízes. Direita e esquerda parecem enfermas em seu mesmo fundamento cultural e moral. A razão de fundo pela qual nos encontramos é a feíssima situação em que se está hoje aqui. Até que não se faça seriamente este diagnóstico, não sairemos, nem sequer quando não faltam, como hoje, propostas razoáveis para bloquear um desvio que parece mortal para nossa jovem e frágil democracia.

*jornalista, ex dirigente política da esquerda italiana e membro do Conselho Editorial de SinPermiso. In Bitácora, de Uruguai.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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