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O futuro da humanidade entre dois fóruns: o social e o econômico, de Davos

Não há mais condições de manter o mundo desenhado por Davos. A pandemia da Covid-19 está evidenciando que urge construir novos caminhos
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Estamos acompanhando o Fórum Social Mundial (FSM), que transcorre virtualmente. Nesta quarta-feira (27), estive em uma mesa com tema dos mais instigantes: Revolução e Democracia nas Cidades

Esse fórum social, criado há 20 anos, se realiza quase que simultaneamente ao Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, que também transcorre virtualmente, de 25 a 29 de janeiro. São dois eventos que se contrapõem. Os ricos tentando salvar o seu mundo de exploração e de lucro e o fórum Social, que representa os povos, e que nasceu em anteposição ao de Davos para construir um outro mundo possível.

Não há mais condições de manter o mundo desenhado por Davos. A pandemia da Covid-19 está evidenciando que urge construir novos caminhos. Não é dos banqueiros nem dos países colonialistas, imperialistas promotores de todas as guerras que virão soluções para um mundo melhor. 

E para que outro mundo seja possível, é preciso repensá-lo, repensar o próprio processo civilizatório. Esse é o grande desafio para o FSM, a busca e construção de novos paradigmas que possibilitem um outro mundo possível, de homens e mulheres livres.

Sobre a busca e a construção desses novos paradigmas é que falei nas minhas reflexões na mesa. Para o fórum social, o Sistema Mundo evoluiu para uma grande contradição e confronto entre os países desenvolvidos do Norte, ricos à custa da exploração dos países do Sul.

Cabe esclarecer que, com essa ideia, depois que acabou a revista Cadernos do Terceiro Mundo, o grupo resistente, ampliado com gente jovem, recriou no formato digital a revista Diálogos do Sul, um olhar para o mundo do ponto de vista do Sul.

Não há mais condições de manter o mundo desenhado por Davos. A pandemia da Covid-19 está evidenciando que urge construir novos caminhos

Reprodução Diálogos do Sul
Não há mais condições de manter o mundo desenhado por Davos

Fórum de Davos

Hoje vou falar um pouco do fórum dos ricos, que completa nestes dias 50 anos. A reunião presencial foi adiada para maio e não será em Davos, será num desses resort de milionários, e dependendo da evolução poderá sofrer novo adiamento.

O capitão que ocupa a presidência da República não comparecerá. Seria execrado se o fizesse. Depois do vexame que foi sua participação no fórum do ano passado, já seria uma temeridade sua presença. Ocorre que o mundo civilizado está estarrecido diante do descaso do governo de ocupação diante das mortes provocadas pela Covid. Já estava antes por conta das queimadas. Se comparecesse seria escorraçado. 

No seu lugar, o general Hamilton Mourão, acompanhado de ministros como a miss Veneno, Tereza Cristina, do Ministério da Agricultura, o indefectível Paulo Guedes, superministro da Economia, Ernesto Araújo, que se finge de ministro das Relações Exteriores a quem o mundo despreza. João Dória, governador de São Paulo, também se fará presente.

Vai ser outro show de horrores. São pessoas de baixíssimo nível intelectual, cuja intenção é unicamente colocar o país à venda. Mourão desfilará as mentiras que nossa mídia repete de que ele está salvando a Amazônia. Cristina quer vender soja e outras commodities agrícolas que o mundo ameaça não comprar em represália à utilização excessiva de transgênicos e de defensivos agrícolas condenados no planeta. 

Ficarão falando sozinhos. Mentiras já não colam mais. Tampouco colam as mesmices do Guedes ou as bobagens de Araújo. O que fará Doria? Bom vendedor, ele vai tentar vender algo que não lhe pertence. É o que fazem os privatistas. Vendem o que é público como se fosse coisa deles. E vendem a preço de banana, o que é pior.

Esse fórum se realiza no contexto de um mundo traumatizado que quer se livrar do trauma. Tanto é assim que escolheram como tema “A Grande Redefinição no mundo pós Covid” (Great Reset). Em desespero de causa, eles querem salvar o mundo deles, o mundo dos ricos, que só são ricos porque exploram os outros. 

Participam grandes líderes, como a premiê alemã, Angela Merkel, o presidente francês, Emmanuel Macron, premiê Narendra Modi, da Índia, premiê Yoshihide Suga, do Japão, Úrsula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. 

Como de praxe, representantes do FMI, Banco Mundial, OMC e, pela primeira vez representando a ONU, o próprio secretário-geral, o lusitano António Guterres. Haverá muita cobrança de parte dos países do Sul que participam, como Argentina, Colômbia e Indonésia.

Se houver cabeça pensante entre eles, vida inteligente, verão que não dá mais para repetir os mesmos erros das últimas quatro décadas. Dos 193 países que integram a ONU, a maioria tem a apresentar um saldo negativo no que concerne ao combate à pandemia. E haverá mais cobrança, posto que as vacinas estão sendo produzidas por países ricos que não pretendem ajudar os países pobres.

Além da Covid, o foco é a economia. Quase todos os países tiveram queda no PIB, para bem da verdade, só 28 tiveram crescimento positivo e o campeão foi a China. 

Nos fóruns anteriores, quem dava as cartas era Trump, aplaudido por uma direita fanática querendo reimplantar o nazi fascismo. Foi-se Trump e, com ele, um passado que não volta mais. Agora é Biden quem está tentando arrumar a casa e já disse que essa arrumação passa pela revisão da política externa. 

A intenção de Biden é fazer os EUA assumirem a liderança. Mas há um enorme porém.

Biden estará muito ocupado para consertar os estragos promovidos por Trump, a começar pela pandemia que fugiu do controle e já matou 500 mil pessoas. Ele acaba de anunciar a intenção de vacinar 1,5 milhão de pessoas por dia. Tem que administrar a crise sanitária, a crise política e uma das mais graves crises econômicas.

Entre as tarefas de Biden está administrar os dois trilhões de dólares disponíveis para suavizar o impacto da Covid na economia. Por proposta de Bernie Sanders serão dois mil dólares para cada pessoa e em alguns casos haverá família que receberá quatro mil dólares

Nessa hora, eles não pensam em economia. Foram os quase três trilhões aprovados no ano passado que evitaram que a economia entrasse em colapso. Vale essa digressão para lembrar que o Paulo Guedes diz que só libera a extensão da ajuda emergencial se puder fazer mais corte nas despesas. Ele tem a ideia fixa de acabar com o Estado. Ao contrário do que ocorre em todo o mundo.

É dinheiro no bolso do consumidor que faz a economia girar. Girando, tudo o mais funciona. Foi a ajuda emergencial que garantiu a estabilidade econômica e social no ano passado. Sem ela, agrava-se o social.

Salários da elite governante ele não corta. Nem os dois salários que cada um dos oito mil militares que ocupam o governo está ganhando. O povo sem os 600 reais e tem gente que ganha cinco milhões por mês. Não é uma imoralidade? 

Assim, quem dará as cartas daqui em diante será a China de Xi Jinping. 

A China está em expansão e não quer que a atrapalhem. A Nova Rota da Seda, lançada por Jinping em 2013, One Belt, One Road, (cinturão e rota) que já une a China, Rússia, Ásia e Europa, se estende ao Golfo Pérsico e ao Mar Mediterrâneo, e África oriental e ocidental. Não lhe faltam dólares nem vontade de livrar-se dele.

O mundo parou e a China teve que botar o pé no freio. De início por causa da incidência da Covid que se iniciou lá. Isso reflete na evolução do PIB: caiu 6,8% no primeiro trimestre, mas subiu 3,2% no 2º 4,9%% no terceiro e 6,5% no 4º e fechou o ano com 2,3%. Este ano, retomou o ritmo e projeta crescimento de impressionantes 8,3%.

O ano de 2020 foi na China o ano do rato, de não muito bom agouro, e 2021 é o ano do Boi, bastante significativo, representa força, paciência e tenacidade.

Com o mundo parado, como é que a China conseguiu crescer? Qual o segredo? Não é segredo nenhum, mas tem que ser estudado, avaliado, tomado em conta. No fundamental, respeito estrito à soberania. No básico, poupança interna, mercado interno, investimento massivo em infraestrutura e na construção civil.

Xi Jinping deu seu recado, para que ninguém tenha dúvida: Condenou as políticas de sanções que só provocam conflitos e chamou à construção de uma economia mundial livre de padrões, regras e sistemas discriminatórios e apelou a que se levantem as barreiras que impedem o comércio, os investimentos e as tecnologias. 

“Devemos persistir nos valores comuns (…) da paz, o desenvolvimento, a equidade, a justiça, a democracia e a liberdade, afastar os preconceitos ideológicos (…) para que os mecanismos, ideias e as políticas de cooperação sejam mais abertas e inclusivas. (…) As relações devem ser coordenadas e reguladas através dos sistemas e as regras vigentes em vez de ficar à mercê da vontade daqueles que tenham o braço mais musculoso”. 

Para Xi é importante fortalecer a coordenação de políticas no nível macro para promover juntos o crescimento vigoroso, sustentável e equilibrado do planeta. Pediu para superar a brecha entre os países ricos e os em vias de desenvolvimento, posto que a pandemia da Covid ampliou e há riscos de que se perpetue.

Na mesma linha, António Guterres, instou a comunidade internacional a se esforçar para alcançar uma recuperação verde, global, inclusiva e equitativa no pós-Covid 19, que considere o aquecimento global e a perda da biodiversidade e avance nos Objetivos do Milênio de Desenvolvimento Sustentável. 

Sem vacina para todos será difícil alcançar essa equidade. A China, ao anunciar ao mundo a conquista e fabricação massiva de mais de uma vacina havia afirmado que seria para benefício da humanidade. Oxalá assim seja.

Paulo Cannabrava Filho é jornalista e editor da Diálogos do Sul

   

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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