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Paulo Cannabrava Filho*
Vem de longe a luta do povo brasileiro para que haja pleno respeito aos direitos humanos. Um dia, a bandeira dessa luta foi do Direito ao Voto para as mulheres; outro dia, foi contra a Carestia; depois, pela Anistia, pela Constituinte e pelas Diretas Já.
Agora, é a luta pelos direitos dos sem terra e dos sem teto; a luta pela integração na vida econômica, cultural e política de todos os excluídos; e, a mais porfiosa, a luta pela preservação do planeta terra. Em resumo, todas as lutas de nosso povo tem sido pela democracia pois, somente em uma democracia poderá o ser humano ter os seus direitos respeitados e desenvolver-se na sua plenitude. Nessa trajetória muito sangue, suor e lagrimas foram derramados. E entre aqueles que a perfilaram há os que galgaram postos de responsabilidade seja na sociedade civil ou nos executivos e legislativos de governos em todos os níveis. Há os que desistiram no caminho e os que tombaram e os que ainda hoje sofrem seqüelas dos maus tratos sofridos. Todos protagonistas de um capitulo da história pátria que ainda não terminou de ser escrito. Hoje a sociedade se dá conta de que as décadas dos anos 1950/60 foram talvez as de maior criatividade na cultura brasileira. Recriou-se nossa música, nasceu nosso teatro, desenvolveram-se nossas universidades, construiu-se Brasília, entre outras coisas de igual importância, como Volta Redonda, Vale do Rio Doce, Petrobrás, Eletrobrás , Nucleobrás, os alicerces necessários para a construção da modernidade. No âmbito político-social viveu-se pela primeira vez em nossa história uma plenitude democrática. Nosso povo estava decidido a ocupar o espaço que lhe é de direito. Intelectuais de todas as tendências estavam envolvidos com as Reformas de Base com vistas a dar uma nova cara ao País.
Camponeses, então o estamento mais marginalizado da sociedade, se organizaram em ligas e sindicatos e em 1961, no Primeiro Congresso Brasileiro de Trabalhadores Agrícolas criaram a maior e até hoje mais poderosa organização social do nosso povo – a Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas. Os trabalhadores urbanos se fortaleceram em suas bases sindicais dando um enorme poder político e de barganha à Central Geral dos Trabalhadores, nascida de um Pacto de Unidade Sindical e no respeito ao princípio da unicidade. Nas escolas e nas universidades os estudantes se organizaram, não só para aprender a fazer política, mas, principalmente para aprender a conhecer o povo e a terra do País em que nasceram, seja através da participação na tarefa de alfabetização, seja através do teatro popular e outras manifestações promovidas pelos Centros Populares de Cultura, os CPCs da UNE. Em 1964, as elites, encurraladas pela ascensão das forças populares, com apoio ostensivo do governo dos Estados Unidos e de grandes conglomerados empresariais transnacionais, conseguem mobilizar parte de oficiais das Forçar Armadas e articular o golpe de estado que, a 1º de abril, derrubou um governo democrático e popular legitimamente constituído, para dar início a uma das páginas mais negras de nossa história. O golpe de 1º de abril e os subseqüentes, como o do AI-5 em 1968 “jogou o país inteiro na clandestinidade”. Fecharam o Congresso, extinguiram os 14 partidos políticos, cassaram e caçaram as lideranças políticas, sindicais e estudantis; foi decretar a ilegalidade dos sindicatos e da CGT; queimaram a sede da UNE. As universidades foram manietadas: 600 entre os melhores professores, catedráticos e pesquisadores foram demitidos e perseguidos; dois mil alunos foram expulsos e impedidos de ingressar em qualquer outra escola superior do País. Para assegurar a hegemonia dos golpistas, foi preciso demitir e perseguir mais de 10 mil oficiais, suboficiais, sargentos, cabos e praças das Forças Armadas, sem direito a defesa e sem direito de ingressar no mercado de trabalho. Decreto do general Castelo Branco proibia empresas públicas ou privadas de contratar “punidos” pela repressão. Entre os civis outros tantos foram punidos porque cumpriam com a obrigação de servir a um governo constitucional ou simplesmente por defenderem a democracia. Não havendo cárceres suficientes para tanta gente usaram os porões de navios de nossa Marinha. Pode-se comprovar na época a presença de 12 mil presos políticos e o assassinato de centenas de jovens. Cerca de 15 mil patriotas brasileiros tiveram de asilar-se ou refugiar-se em outros países para preservar a vida. Com o objetivo de impor o recesso na criatividade brasileira foi instituída a censura não só sobre os meios de comunicação mas sobre toda a atividade intelectual. Mais de 100 obras de teatro e cerca de 30 filmes foram interditados e proibidos. Proibiram-se mais de 70 canções Não tardou para que nosso povo, já refeito do susto, voltasse às ruas para lutar pela redemocratização. Vimos então as grandes manifestações populares que, em 1966, 67 e principalmente 1968, transbordaram as ruas de todas as capitais, principalmente no Rio e em São Paulo. A resposta dos golpistas foi de uma violência como nunca se tinha imaginado no nosso continente. Puseram os tanques contra as passeatas. A cavalaria entrou nas Igrejas para espancar os que rezavam pela democracia. Institucionalizou-se o terrorismo. Mesmo assim, nosso povo não se entregou. Continuou lutando como pode. Temos nossa galeria de heróis, daqueles combatentes que como último recurso pegaram em armas contra a ditadura. Temos centenas de jovens que foram barbaramente torturados e que sofrem até hoje as conseqüências físicas e psíquicas da tortura. Esse povo lutou contra a carestia. Lutou pela abertura. Lutou pela anistia. Lutou pelas diretas já. Chorou a morte de um presidente que significou a esperança do retorno à democracia. Lutou pela Constituinte e pelo impeachment. A luta pela anistia se transformou num movimento que empolgou grande parte da nação brasileira a tal ponto de tornar-se irresistível. Esse povo queria de volta seus filhos injustamente perseguidos, queria reparação das injustiças cometidas. A Anistia de 1979 foi uma conquista do movimento popular; como o é também a Constituição de 1988 e a Lei de Anistia de 1998. Passados mais de 30 anos da primeira anistia, algo se avançou pois superam os 20 mil os cidadãos anistiados, mas, outro tanto ainda aguarda o cumprimento do direito de ser anistiado. E há também ainda cidadãos que desconhecem que têm direito à anistia. Ao mesmo tempo que vemos com satisfação a disposição com que a Comissão de Anistia inicia novo período de trabalho, preocupa ver a reação de minorias que não compreenderam o sentido da Anistia. É preciso que as novas gerações conheçam a história e seus protagonistas, aqueles a quem estender a solidariedade. É esse o sentido que vemos nos trabalhos das Comissões da Verdade, instaladas nos âmbitos nacional, estadual, municipal e até de organizações, como a da Federação Nacional dos Jornalistas e seus sindicatos. É esse o sentido que vemos na sentença do STJ que mandou abrir os arquivos da ditadura e saudamos as iniciativas do Arquivo Nacional e da própria Comissão de Anistia, preocupados com preservar a memória daqueles que lutaram para que estejamos construindo a democracia. A pátria continua ameaçada seja pela continuidade de um modelo econômico predatório seja pela voracidade dos países imperiais sedentos de nossas riquezas. Para defender essas riquezas, para defender a Amazônia cobiçada, para construir um novo modelo de desenvolvimento, os militares de hoje terão que estar ao lado da população. Do povo. Não há outra maneira. *Jornalista, editor de Diálogos do Sul