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O governador, os meninos e as escolas públicas ocupadas

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Prof. Dr. Zuza Vieira Camelo*

Resumo da semana do governador. Cartun Vitor Teixeira Resumo da semana do governador. Cartun Vitor Teixeira

A escola indiscutivelmente é o lugar dos meninos e meninas, é para eles que a escola existe. Pode parecer estranha a ocupação das unidades escolares pelos estudantes, mas é coisa que ocorre diariamente no decorrer do ano letivo.

A ocupação de parcela das escolas públicas paulistas continuou como sempre, porém com uma diferença: não contam com a presença diária dos professores, funcionários e da direção.

A revolta da garotada paulista é uma novidade no interior dos movimentos sociais com este caráter, porque, até então, as ocupações de unidades de ensino ocorriam apenas nas universidades. De modo geral, são ocupados os locais em que funciona a administração, sobretudo as reitorias. Agora, os alunos ocuparam as unidades escolares do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Claro que imediatamente o governador mandou as tropas da polícia cercarem as primeiras escolas ocupadas, mas não contava com o revés da justiça, a favor dos ocupantes. Na verdade, trata-se de uma ação inesperada de repúdio à política educacional do governador Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho, do PSDB, partido que está no poder há vinte anos em São Paulo, tempo suficiente para realizar muitas melhorias na educação do estado.

Logo que ocuparam o governo, em 1995, realizaram a primeira reorganização na educação por meio de um conjunto de medidas políticas e administrativas que, de imediato, colocaram em prática nas escolas (algo parecido com esta nova reorganização). Junto àquela medida, houve a implantação da “Progressão Continuada”, que os professores da rede apelidaram de “Promoção Automática”, porque aprovava os alunos independentemente de suas notas; depois foram alterados os currículos da rede pública do Estado de São Paulo.

Nestes vinte anos, o governo acentuou a precarização das condições de trabalho dos professores, inclusive criou as lamentáveis figuras dos professores F e O, acompanhada da famosa duzentena, que ocorre quando o educador termina o seu contrato e só pode retornar a lecionar após duzentos dias. Como esta medida provocou enormes dificuldades para o funcionamento das escolas, a mesma foi momentaneamente substituída pela quarentena; neste caso, o professor é demitido na metade do mês de dezembro de cada ano.

O protesto dos jovens brasileiros tem estreita relação com o modo como vem sendo tratada a educação do estado de São Paulo e do país. Lembrando que este tipo de movimento já ocorreu no Chile em 2006 (conhecida como a Revolução dos Pinguins por causa de seus uniformes), pois os meninos chilenos também reclamavam do descaso governamental com a educação do seu país, nisso inclui estudantes secundaristas da Argentina em 2012. O grito das meninas e meninos de São Paulo coincide com a dita “reorganização” das escolas públicas pelo governador Geraldo Alckmin.

Essa proposta de reorganização das escolas, sem diálogo com as comunidades para construção de uma relação horizontal na tomada de decisões, levou à revolta e ao grito dos estudantes das escolas públicas estaduais de São Paulo. A tal “reorganização”, obviamente, busca reduzir custos; na verdade, trata-se de uma economia que não vai reverter para a Educação, mas para outras frentes. O desassossego que esta medida vai provocar a milhares de alunos e pais e a centenas de milhares de professores não tocou o governante – pois somos apenas ‘números’, e pequenos, na visão dele – apesar dos responsáveis pela sua implantação dizerem que a medida busca a “melhoria da qualidade do ensino”.

A juventude ocupa o lugar que de fato e de direito é dela! Neste formato, os demais membros das escolas, ficaram de fora. Isso deixou alguns diretores indignados, parcela dos professores contrariada, pais apreensivos e o governador furioso. Este protesto dos meninos tem relação direta com a política educacional do governador e de seu partido. Certamente que vinte anos é um bom tempo para superar dificuldades e resolver problemas, porém a educação foi tratada de forma superficial, tanto é que o aniversário de duas décadas do seu grupo no poder foi marcado com vinte e seis mil professores abandonando o quadro do magistério e outros aguardando janeiro para ir embora. O estado mais rico da “pátria educadora” não tem o direito de manter no quadro do magistério o professor da categoria “O”, que se sente desvalorizado, bem como os efetivos. É uma grosseria da mais mal-educada com o conjunto dos professores veteranos e jovens e com meninos e meninas, alunos deste grande país.

A inclusão das questões educacionais na agenda do governador encontra enorme dificuldade, tanto que a reorganização não teve espaço para discussão nas universidades, nas instâncias dos professores representados por seu sindicato, diretores, funcionários e nem para os principais interessados: os alunos e seus pais. Esta falta de cuidado foi colocada em xeque quando, em 9 de novembro, os alunos ocuparam a E. E. Diadema, no ABCD; depois foi a vez da E. E. Fernão Dias Paes, em Pinheiros, na Zona-Oeste da Capital. Esta escola tornou-se o centro irradiador do mecanismo de ocupação de escolas pelos alunos, incluindo a E. E. Prof. Emygdio de Barros, no Butantã, ao lado da USP, além de outras 240 espalhadas pelo estado – e o número aumenta! A reorganização não agradou, e os meninos de todo o Estado apresentaram o seu novo modelo de protesto, pouco convencional, que mostra à sociedade e ao governador que o lugar deles é literalmente na escola! O governador Geraldo Alckmin (e os membros de seu partido) tem se mostrado arredio a dialogar com o pessoal da educação (um contingente de mais de 300 mil pessoas!) há muito tempo. Apesar da falta de hábito, estabelecer o diálogo com toda esta gente envolvida com Educação seria uma forma realmente educativa de lidar com a população e sinal de respeito à cidadania. Com a oportunidade de abrir sua agenda para os educandos, ele se esquiva e segue com os planos do PSDB de privatização paulatina das escolas públicas, como estamos vendo em Goiás e Paraná. A Educação não pode continuar como está; ainda assim, a Constituição deve ser cumprida, com a existência (resistência) da escola pública, laica e de qualidade. Afinal, estudar é preciso.

 

* É pesquisador do Rio São Francisco e professor da E. E. Prof. Emygdio de Barros

 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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