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O Governo do Capitão Jair Bolsonaro e a opção preferencial pela barbárie

Ao chamar ao Brasil o exército brutal de Israel, e condecorar um criminoso de guerra, governo confirma sua submissão aos EUA
Berenice Bento e Sayid Marcos Tenório
Outras Palavras

Tradução:

Não era por nos surpreender. Nada do que este governo tem dito e feito está fora do perfil político do ex-capitão Bolsonaro. Infelizmente, no entanto, a sensação de surpresa ainda nos afeta. Por segundos pensamos: não será uma fakenews? Não é possível que este governo esteja tão desconectado dos debates internacionais. Como é possível conceder a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, no grau de Grã-Cruz, a Benjamin Netanyahu, Primeiro-Ministro de Israel? Não resta dúvida, o Decreto foi publicado no Diário Oficial da União em 17 de janeiro.

Homenagear qualquer representante do Estado de Israel, um país que viola sistematicamente todas as Resoluções da ONU e Convenções Internacionais em ações criminosas contra o povo palestino, é tornar-se cúmplice. No entanto, quando o governo demonstra admiração oficial por Benjamin Netanyahu, um político que não nega a tradição genocida dos primeiros-ministros israelenses anteriores, mas a aprofunda, há neste ato um rompimento simbólico definitivo com a política exterior brasileira.

Quem é o primeiro-ministro israelense? Netanyahu é acusado de receber um milhão de shekels [moeda de Israel, valor equivalente a quase 300 mil dólares] como propina, além de charutos, champanhe e joias de dois empresários, em troca de favores do governo israelense. Acusado de subornar, com dinheiro do Estado, o jornal Yedioth Ahronoth, para obter a publicação de notícias favoráveis ao seu governo. E receber propina para que Israel comprasse três submarinos da empresa alemã ThyssenKrupp, mesmo contra a posição do Ministério da Defesa de Israel, que não via utilidade desses aparelhos alemães de guerra. A marca Krupp é famosa por seus canhões e fornos utilizados nos campos de concentração nazistas, além de financiar os crimes de Hitler contra judeus durante a Segunda Guerra Mundial. 

O mesmo Netanyahu que acumula todas estas acusações também ordena bombardeios contra Gaza, nos quais é praticado o extermínio em massa de civis, entre eles milhares de crianças nos anos de 2012 e 2014; o mesmo Netanyahu que autoriza a construção de assentamentos ilegais nos territórios palestinos, elevando ainda mais as tensões do conflito; o mesmo Netanyahu presidente do partido de extrema direita Likud, que prega a limpeza étnica e a destituição de qualquer direito dos palestinos a suas terras históricas.

Ao chamar ao Brasil o exército brutal de Israel, e condecorar um criminoso de guerra, governo confirma sua submissão aos EUA

Outras palavras / Foto: Leo Correa
Netanyahu e Bolsonaro, em visita a sinagoga Kehilat Yaacov no Rio de Janeiro (Dez/18) | Foto: Leo Correa

Mas seria esta condecoração um raio cortando o ceú azul? Passados os segundos inicias de surpresa, tivemos que admitir: há coerência do decreto com tudo que o já foi dito pelo presidente da República em relação a Israel até o momento.

Vejamos:

Desde sua campanha eleitoral, o ex-capitão do Exército brasileiro, declarou que, se eleito, adotaria uma nova atitude diplomática, onde romperia com o viés “ideológico” das relações brasileiras. Uma das suas atitudes seria o fechamento da Embaixada da Palestina no Brasil, conforme declarou ao jornal O Estado de S. Paulo de 07/08/2018. Segundo ele “a Palestina, não sendo um país, não tem direito a Embaixada aqui. Não pode fazer puxadinho”. Ao contrário da presidenta Dilma que “negociou com a Palestina e não com o povo de lá. Você não negocia com terrorista, então, aquela embaixada do lado do [Palácio do] Planalto, ali não é área para isso”.

Por diversas vezes afirmou que uma de suas primeiras viagens oficiais seria para Israel e que iria autorizar a mudança da Embaixada brasileira para Jerusalém, seguindo o exemplo do presidente Donald Trump, de quem se declara fã. A comunidade judaica brasileira, embora com fissuras internas, apoiou a campanha para a eleição do ex-capitão e todos seus movimentos de aproximação incondicional com Israel.

A visita do primeiro-ministro de Israel e criminoso de guerra, Benjamin Netanyahu, foi a “joia da coroa”, de uma posse presidencial esvaziada de líderes mundiais e marcada por um forte viés ideológico, onde vizinhos de continente foram desconvidados na véspera. Netanyahu chegou ao Rio de Janeiro no dia 27 dezembro de 2018, onde manteve a primeira reunião bilateral com o presidente eleito. A visita do infanticida ao Brasil gerou inúmeras manifestações de repúdio por meio das redes sociais. No dia 29/12, cercado por dezenas de agentes do serviço secreto israelense Mossad, Netanyahu aventurou-se num passeio pela praia do Leme, onde estava hospedado e onde ouviu gritos de “Free Palestine!” [Palestina livre!], vindos de pessoas comuns que o reconheceram. Na companhia de Bolsonaro, visitou uma sinagoga, onde o presidente eleito foi saudado efusivamente pelos presentes com gritos de “mito, mito”, gritado inclusive pelo chefão sionista.

Nos encontros que mantiveram, Bolsonaro mostrou coerência ao seu interlocutor. Jurou seu amor por Israel e anunciou sua adesão ao projeto colonial sionista, cujo principal gesto seria a transferência da Embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém. Prometeu mais acordos com Israel, numa clara demonstração da sua cumplicidade com a limpeza étnica que Israel promove na Palestina desde 1947.

Promessas que já havia feito durante a campanha presidencial e foi o mote que mobilizou aliados de peso, como empresários e lideranças evangélicas, que se denominam “sionistas cristãos”, inteiramente favoráveis à transferência da embaixada para Jerusalém. Os sionistas cristãos acreditam que o retorno dos judeus à Terra Santa e o estabelecimento do Estado de Israel em 1948 está de acordo com a profecia bíblica, já desmontada historicamente: não há ligações entre os judeus bíblicos e os atuais israelenses sionistas. Mas a tese continua a ser utilizada fortemente pelo movimento sionista para justificar a colonização da Palestina e a limpeza étnica de seus habitantes.

“O avesso, do avesso, do avesso…”

A decisão de transferência da Embaixada para Jerusalém continua em disputa nas esferas governistas. Bolsonaro confirmou-a em entrevista ao jornal Israel Hayon, em 1º de novembro. Recuou após o Egito cancelar a visita, em 6 de dezembro, do chanceler Aloysio Nunes ao país. Ele afirmou que a transferência não seria uma “questão de honra”. Outro recuo foi anunciado dias depois, quando foi divulgado que o Brasil estabeleceria não uma embaixada em Jerusalém, mas um escritório de representação.

Após encontro com Bolsonaro, Netanyahu foi porta-voz de um novo recuo do presidente. Dessa vez ele declarou que a mudança não era uma questão de “se” será feita, mas “quando”. O ministro chefe da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto Santos Cruz, em entrevista à BBC News Brasil, no dia 4 de janeiro, disse que “eles [evangélicos] vão ficar na esperança. Porque uma coisa é você dizer que tem intenção, outra coisa é você concretizar. Para sair de uma ideia para a vida real, você tem uma série de outras considerações de ordem prática”.

Diversos setores estão mobilizados em torno desta questão. Conselheiros do presidente sugeriram-lhe deixar as coisas como estão. Entre eles, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, que alertou para o fato de que essa transferência traria “implicações geopolíticas importantes” e que mudar a embaixada seria “um passo arriscado”.

Além das repercussões diplomáticas, vozes sensatas alertaram Bolsonaro para as consequências econômicas, uma vez que as transações comerciais com os países árabes são muito significativas, enquanto que as com Israel, insignificantes. Setores como os de produção de açúcar, carne halal de boi e de frango e milho, são cruciais para o comércio brasileiro com nações islâmicas do oriente Médio e Ásia.

Segundo o ministério da Indústria e Comércio Exterior, somente em 2018 as trocas entre o Brasil e estes países somaram US$ 22,9 bilhões, com uma balança favorável ao Brasil em US$ 8,8 bilhões. Enquanto que com Israel, o fluxo de negócios rendeu apenas US$ 1,49 bilhões, apresentando um déficit de US$ 847,8 milhões! Países de maioria muçulmana compram cerca de 70% de todas as exportações brasileiras de açúcar, 46% do milho em grãos, 37% da carne de frango e 27% da carne de boi. Um potencial nada desprezível e que não seria absorvido pelos novos amigos de Bolsonaro nem no curto e nem no médio prazo.

Independentemente de se o Brasil manterá embaixada ou escritório em Jerusalém, a transferência interfere diretamente na confiança e reputação do Brasil no concerto das nações e pode contribuir de forma decisiva para o isolamento do país, que ao longo nos últimos anos vinha se aliando com países latino-americanos, africanos e árabes nas votações multilaterais. Essa mudança poderá afetar a situação do Brasil em disputas comerciais em organismos como a ONU, OMC e OCDE. Além do mais, trata-se de uma medida que ignora as recomendações e decisões das Nações Unidas e afronta o direito à autodeterminação dos palestinos, que vivem há 70 anos sob ocupação ilegal e limpeza étnica.

O resultado das eleições de 2018, pôs na presidência da República um político direitista com fortes laços com sionistas e fascistas, e com olhares servis para os Estados Unidos, em detrimento dos avanços obtidos nos governos anteriores, através da criação do Mercosul, do BRICS e da aproximação positiva com a África e o Oriente Médio. Não é possível, contudo, fazer política externa sem alianças. E aqui é necessário admitir: o Brasil está alinhado com o aquilo que representa a barbárie.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Berenice Bento e Sayid Marcos Tenório

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