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No terceiro mês deste novo ano, a crise econômica e política no mundo, e no Peru, se agrava. Na verdade não é uma mera crise. É, simplesmente, um sistema de dominação mundial -o capitalismo- que se desmantela e gera violentas convulsões. Vejamos o que diz o coletivo do Cedis – Centro de Estudos Democracia, Independência e Soberania, com sede em Lima, Peru.
O Império conduz a guerra contra nosso continente
Passados três meses das eleições ocorridas nos Estados Unidos e diante dos enfrentamentos entre diferentes forças em pugna que assinalavam uma “atipicidade” do processo; os fatos têm permitido avançar na compreensão do conteúdo e do perfil da política interna e internacional do governo de Donald Trump e até aventurar algumas hipóteses. O primeiro discurso do presidente no Congresso dos EUA foi revelador. Nele ratificou as principais e mais importantes propostas feitas durante a campanha eleitoral. A ideia de “recuperar a grandeza dos EUA”, de que os cidadãos estadunidenses “estão em primeiro lugar” está implícita e até preside o discurso. Essa é uma expressão cujas raízes e gênese se podem localizar, neste caso, em um nacionalismo conservador de extrema direita e no já conhecido “destino manifesto”. Parte da crença da seita puritana de constituir “o povo eleito” para governar o mundo e chamado para impor o estilo de vida –“o sonho americano”- aos demais povos apesar da diversidade cultural e diferentes níveis de desenvolvimento. É uma maneira de levar adiante tal missão, sem que exista nenhum entrave de ordem moral.
Isto se confirma, com a informação comprovada de genocídio no Oriente Médio, realizado pela OTSN com seus sócios europeus, Inglaterra, França, Alemanha… violando as leis internacionais aprovadas pela ONU. A destruição do Iraque e da Líbia, o severo dano causado à Síria e a seu povo, nas tentativas de derrubar o presidente eleito legitimamente, Bashar Assad. Tudo o que sabemos, está demonstrado e por trás do surgimento do terrorismo, do sofrimento e da enorme imigração de cidadãos que buscam os países europeus e a EUA, cúmplices na tarefa de “levar a democracia e os direitos humanos” à região. Também a impiedosa guerra contra o povo palestino –em coalisão com o estado sionista de Israel- e todas as agressões e provocações ianques contra os povos da América Latina.
Trump anunciou o propósito de um “novo programa de reconstrução nacional” e criticou a política de seu antecessor no Iraque, onde gastou em torno de seis trilhões de dólares enquanto se desmoronava a infraestrutura do país. Também anunciou a priorização da luta contra o terrorismo , ratificou sua política contra a migração, a construção do muro e outras ações do mesmo corte. Enquanto isso ocorre, se denuncia que 20 milhões de pessoas estão sob risco de morrer de fome em “países da periferia”: Iêmen, Somália, Nigéria e Sudão do Sul.
Acreditamos seja útil considerar algumas afirmações contraditórias de sua intervenção: “queremos paz onde quer que se encontre paz”, o país busca “harmonia e estabilidade, não guerra e conflito”, disse; Não obstante, anunciou um incremento de 54 bilhões adicionais ao orçamento militar. Como interpretar tal contradição? É preciso recordar alguns fatos ocorridos durante e logo depois do processo eleitoral de novembro de 2016 nos EUA, como o ódio e os enfrentamentos de relevantes personagens do Clube de Bilderberg, as cúpulas republicanas e democratas que se uniram e trabalharam contra a candidatura de Trump. Demonstraram claramente as discrepâncias contra o plano de governo.
Discrepâncias importantes, mas não decisivas no campo inimigo
Não obstante, também está registrado que tais discrepâncias, não foram obstáculos para que todos se unissem para desbancar, sem reparos às armadilhas do processo eleitoral, ao candidato democrata Bernie Sanders. A leitura que se pode fazer desse fato nos parece clara. Por primeira vez –depois de Henry Wallace nos EUA-, um candidato surgido do setor democrático com perfil socialista e antissistema e sem recorrer a financiamentos dos setores empresariais monopólicos, aparece com possibilidades eleitorais. Como contrapartida a unidade demonstrada entre as cúpulas dos partidos tradicionais com o discrepante republicano Trump, mostra-se claramente como defensora do sistema imperial dominante. Dentro desse marco as diferenças entre essa {‘santa aliança” mais se enraízam no ambiente envenenado gerado pelo crescimento do tumor neoliberal comandando pelas mega corporações ianques com seus sócios europeus (Inglaterra, Alemanha e França, principalmente). As políticas neoliberais são claramente responsáveis pela depredação dos recursos naturais e dos graves danos ambientais à nível global.
Também das enormes brechas sociais e a deterioração do nível de vida que se alastrou nas últimas décadas e que afetam a diversos setores sociais, inclusive empresariais, dos países europeus e também dos EUA. Sem falar do dano causado aos países da “periferia” em vias de desenvolvimento. Isto –há que insistir- é uma expressão sumamente clara do que, anos atrás, advertiu o comandante Fidel Castro quando afirmou que “o neoliberalismo não é uma teoria de desenvolvimento, é a doutrina do saqueio total de nossos povos”.
As expressões favoráveis à paz mencionadas por Trump em seu discurso no Congresso, contradizem, aparentemente, com o anúncio de incrementar o orçamento militar e suas recentes declarações de que EUA deve manter o status de “primeira potência nuclear”. Que paz é essa? Paz das sepulturas? Qual a razão de fundo para defender por manter e melhorar as relações com a Rússia ao mesmo tempo que ameaça com borrar do mapa a Coreia do Norte e o Irã? Do nosso ponto de vista, os mais lúcidos representantes do Império sabem que o sistema nasceu submetendo, colonizando e neo colonizando o mundo através de intervenções armadas, cometendo genocídios, apoderando-se pela força dos recursos naturais mais estratégicos. O país no norte nunca sofreu em seu território uma resposta militar do tipo que eles realizaram contra “inimigos”. Eles realizam as agressões em outros cenários: Hiroshima e Nagasaki, são nomes simbólicos.
O mundo é tripolar
No século XX se falava muito de um mundo bipolar e, no começo deste novo século houve quem sustentou a ideia de um domínio unipolar da humanidade. Hoje, já se pode falar de um mundo tripolar: EUA, Rússia e China, são três potencias que exercem influência decisiva em nosso tempo. Não obstante, o contexto é outro. O mundo está bem informada sobre a capacidade militar –e nuclear- russa e também chinesa. Conhece o papel relevante da Rússia no combate ao terrorismo no Oriente Médio. Fica evidente que mesmo sendo EUA a primeira potencia militar no mundo, nada lhe garanta que não haverá uma resposta militar e nuclear devastadora contra seu território e de seus aliados incondicionais: Israel, Turquia, Japão e Coreia do Sul.
Neste ponto assomam discrepâncias entre a elite neoliberal belicista que constantemente ameaça com agressões militares “preventivas” e provoca cercando a Rússia com bases e exercício militares nas zonas fronteiriças. Trump parece ter uma visão pragmática ao insistir no caminho de estabelecer boas relações com a Rússia, mas isso pode ficar só em palavras. O que parece claro, contudo, é que todas as correntes do Império coincidem com o confronto militar como estratégia para impor seu domínio, Não outra coisa significa o aumento do orçamento militar, e o propósito de desenvolver a potência nuclear e tecnológica que permita golpes preventivos que anulem toda capacidade de resposta.
O perigo de uma guerra nuclear e de agressão militar contra países que escolherem o caminho da liberdade, democracia e soberania, permanecem latentes, Alguns fatos recentes ocorridos em Nossa América, como a ampliação de bases militares da OTAN, os planos de construir uma base de inteligência militar nas Malvinas com anuência do governo de Macri, o ódio irracional promovido contra os governos que optaram por independência política e políticas em favor de seus povos, como é o caso da Venezuela, Equador, Bolívia; e as “permissões operacionais” dadas pelo Peru ao EUA, são indicadores do caminho seguido pela elite imperial e seus sócios em nossas terras. Para enfrenta-la, é indispensável promover uma política de integração e de paz na América Latina e Caribe. Apoiar com firmeza a Celac, Unasul e Alba e consolidar as lutas dos povos pela democracia, justiça, a independência e a paz.
O terremoto da Odebrecht
Embora realmente se tenha avançado muito pouco na investigação e sanção no caso da Odebrecht, é claro que se trata de um novelo muito longo que compromete a muitas pessoas, empresas e instituições, que pouco a pouco estão desfilando no cenário nacional com grande barulho pela mídia. De imediato se há visto algumas investigações que, desenvolvidas poderiam enlamear os mais qualificados expoentes da classe dominante, desde políticos até empresários, passando por jornalistas, advogados e técnicos comprometidos todos em manobras ilegais.
A gravidade dos fatos tem permitido que aflorem outros elementos da decomposição social e moral. Nos casos da Interoceânica (estrada que liga o Brasil ao Pacífico) somou-se recentemente o caso dos “adendos” a contratos como o do Aeroporto de Chincheros, reivindicado pela população de Cusco. Por trás deste caso surgiram diversas denúncias que culminaram num processo interrogatório a ser respondido pelo ministro do Transporte. Mesmo que o caso possa ser resolvido sem maiores consequências, está claro que sua repercussão incidirá no cenário debilitando ainda mais os atores.
Caso se tratasse só dos caprichos e interesses do fujimorismo, o Congresso da República, depois de conhecer as respostas do ministro Martín Vizcarra a esse interrogatório feito pelo Legislativo, poderia ser censurado. Ao fazê-lo afetaria não só o ministro do Transporte mas além disso, atingiria o vice presidente da República, que estaria então inabilidade para o exercício de qualquer função pública, ou seja, o comando do Estado. Isso permitiria que a máfia esvaziar a presidência da República e colocar na condição de presidente provisório o atual vice presidente do Congresso para que convoque novas eleições, assegurando uma vitória para Keiko Fujimori.
Caso isso ocorra, não se deve atribuir à sensatez do fujimorismo nem ao desprendimento de Keiko, posto que às “altas decisões” na classe dominante são tomadas por Keiko e seu estado maior. Também eles dependem dos banqueiros que são o “poder real” por trás do trono. Em última instância, serão eles os que decidem se antecipam ou não eleições. E como é sabido, os banqueiros não põem todas as cartas na mesa. E há também aqueles que apoiam a Pedro Pablo Kuczynski, o PPK, e os que buscam outras opções. A recente viagem do presidente peruano a EUA e sua entrevista com Trump, é parte desse roteiro. A Casa Branca pretende manter a qualquer preço o controle do processo peruano porque o considera indispensável para o manejo de sua política continental. Tanto é que nos 15 minutos que o “homem forte” de Washington concedeu ao PPK, o caso da Venezuela teve destaque.
Para levar a cabo essa política contra a Venezuela Bolivariana, a Casa Branca delegou a PPK um papel ignominioso: atuar como gendarme do Império. Por isso a PPK não podia ter ocorrido uma frase mais infeliz como a de comparar a nosso continente com “um cachorro manso”, dócil aos ditames do Império.
Como é de domínio público, no mundo existem hoje quase 800 bases militares estadunidenses fora do território de EUA. Mais de uma centenas delas estão ativas no nosso continente. No Peru funcionam mais de dez com diferentes objetivos: luta contra o narcotráfico, combate ao terrorismo, defesa continental, preparação de combate, inteligência e outros itens. As ações levadas a cabo nesses bases são secretas, até mesmo para as autoridades peruanas. Mas formam parte dos planos da OTAN para o desenvolvimento da estratégia de dominação continental.
No centro dela estão os planos agressivos contra o processo libertador latino-americano, que pretendem derrotar. Agora, a mira está apontada ao Equador, onde haverá um segundo turno eleitoral em 2 de abril e a reação quer somar todos os votos possíveis em torno do candidato dos banqueiros. Inclusive conseguiram um suposto “Partido Comunista Marxista-Leninista” para coadjuvar nessa ofensiva atacando a Rafael Correa e a Lenin Moreno a partir “da esquerda”, num evidente jogo contra revolucionário. Se o candidato dos banqueiros triunfar na pátria de Olmedo, Washington consideraria aberto o caminho para empreender uma ofensiva contra o governo de Nicolás Maduro na Venezuela. A luta está assim desenhada num terreno mais alto.
Para essa ofensiva, o Império necessita de PPK, que hoje poderia ser mais útil que Keiko, pois não tem um adversário do outro lado de nossas fronteiras. Nessa linha, os que aqui decidem, não se animam a aparecer com todas suas armas à sombra da líder da “Fuerza Popular”.
Para a máfia a saída pode ser pseudo legal
Proximamente o Congresso da República terá que designar um membro que falta no Tribunal Constitucional (Corte Suprema). A ideia da máfia é incorporar a Javier Villa Stein, para torná-lo presidente desta corte. Quando assuma essa função, depois de um período de adaptação, resolverá inapelavelmente anular o julgamento e a sentença contra Alberto Fujimori e disporá sua imediata libertação. Para isso já está em andamento em diversos meios campanha para que os maiores de 75 anos não fiquem em prisão isolada mas sim em prisão domiciliar ou outro regime.
Quando isso ocorrer a máfia terá o caminho aberto para ocupar o poder e construir seus mecanismos de dominação para permanecer o maior tempo possível.
Seria esta uma saúda formalmente legítima, no marco da Constituição de 1993, que permitiria a Alberto Fujimori abandonar seu encerramento deixando em seu lugar, se possível, a Alejandro Toledo e Ollanta Humala, reservando para Nadine Heredia um lugar ainda mais oprobrioso. Os planos de dominação do inimigo de classe estão aí e em plena execução. Lamentavelmente não encontra resposta numa esquerda formal que só busca satisfazer apetites eleitorais, mas não acerta nem nas lutas sociais nem nas tarefas da unidade.
Para o povo a saída não é eleitoral
Com relação ao Cedis, não nos cansaremos de repetir que a saída para o povo não é eleitoral. É basicamente política e tem a ver com a correlação de forças que sejamos capazes de construir nesta etapa.
De imediato, a direita mais reacionária, sob o conto da “ideologia de gênero” conseguiu construir um movimento de massas extremamente agressivo e perigoso, similar ao que forjara o fascismo no Brasil nos anos 1960. Nessa circunstância, o movimento de massas tomou bandeiras similares: “Deus, Família e Propriedade” foram as bandeiras manejadas pela reação nas ruas de Rio e de São Paulo, como hoje os grupos evangélicos e os núcleos mais conservadores do Opus Dei e o pensamento católico liderado por Juan Luis Cipriani, agitam no Peru. Disso aí emergem figuras repugnantes como Lourdes Alcorta e o pastor Rodolfo González; ou jornalistas como Phillips Batthers e Aldo Mariátegui, ridículas expressões do fascismo caboclo.
Diante disso e para derrotá-los, há que trabalhar intensamente: unir e mobilizar as massas, desencadear uma verdadeira e ampla batalha política, conseguir que as pessoas tomem consciência da realidade e seja capaz de combater por seus próprios objetivos, superando os limites da Constituição de 93, que tem que ser derrotada. Para isso, o 5 de abril e a memória do povo serão decisivos. Não levar isso em conta e priorizar “alianças’ para participar de eleições fazendo “acordos” com movimentos pelo fato de que estão registrados, é uma vergonha política, típica de setores que carecem de compromisso com o país e seu povo. Esse caminho não conduz à nenhuma parte e só expressa a ambição dos que aspiram a cargos –que não conseguirão- para satisfazer ambições de caráter pessoal ou partidário.
Hoje o mundo recordo os 70 anos da Doutrina Truman, base da Guerra Fria, a ingerência estadunidense na Grécia e nas eleições da Itália, a criação da CIA que agora opera contra todos. Mas não é só a isso que se recorda. Também os 50 anos do assassinato do Che.
Em 2017, centenário da Revolução Socialista de Outubro e cenário, em todos os confins do planeta, de atos em louvor a tão grandiosa epopeia, não deveria dar lugar a expressões de oportunismo. Construir Poder Popular é forjar uma ferramenta de luta independente e de classe, que responda aos grandes ideais de Lenin e de Mariátegui, e seja capaz de assumir o papel de Vanguarda que o povo reclama.
Recordemos o Amauta: “Presenciamos a desagregação. A agonia de uma sociedade caduca, senil, decrépita e ao mesmo tempo presenciamos a gestação, a formação, a elaboração lenta e inquieta da sociedade nova”. Por ela combatemos.
Lima, março de 2017.
Coletivo de Direção do Cedis – Centro de Estudos Democracia, Independência e Soberania.