Pesquisar
Pesquisar

O legado de 2013

Roberto Sávio

Tradução:

Roberto Savio* 

Roberto-Savio.-Perfil-Diálogos1Neste momento de esperança em que o novo ano pode nos oferecer, seria útil examinar o legado que herdamos de 2013. Foi um ano cheio de acontecimentos: as guerras, o aumento da desigualdade social, as finanças sem controle, a decadência das instituições políticas e a erosão da governabilidade global.

Talvez isto não seja nada novo, já que essas tendências nos acompanharam durante bastante tempo. Não obstante, alguns acontecimentos têm um impacto mais profundo e duradouro. Aqui vamos apresentar brevemente, em forma de lista para recordar e ver, porém colocadas em ordem de magnitude, o que sempre é uma decisão subjetiva.

Egipto1.   O colapso da Primavera Árabe:  Egito e Síria são o suficientemente paradigmáticas para discutir outros países árabes. As lutas internas no amplo e variado mundo do Islã levarão muito tempo para assentar-se. O verdadeiro desafio é como utilizar a modernidade como elemento d viabilidade no Islã. O golpe de Estado no Egito diu uma nova força aos radicais que não creem na democracia e nunca se saberá se  Fraternidade Muçulmana poderia ter conduzido o país com eficácia ou se fracassaria (como é o mais provável). Os estrangeiros não podem resolver este conflito como demonstra claramente o caso da Síria, que se converteu em uma guerra de poder financiada por atores externos.

Gas Pipeline Construction in Bradford2.   Autossuficiência energética nos EUA: Em cinco anos, a exploração das areias betuminosas reduzirá as importações petroleiras estadunidenses à metade, e se esta tendência continua, os EUA realmente poderiam chegar a ser autossuficientes no abastecimento de energia. O impacto no preço do petróleo é claro. Isto afetará a importância estratégica do mundo árabe e de países com petrodólares como a Rússia. A indústria estadunidense receberá um forte impusso, porém os incentivos para o desenvolvimento das energias renováveis em todo o planeta diminuirá.

copenhagen_now_whats3.   A impossibilidade de se chegar a um acordo significativo sobre a mudança do clima. O fracasso da última conferência sobre a mudança climática na Polônia demonstrou que há pouca vontade política para chegar a um consenso global sobre a forma de abordar esta questão. Não obstante, segundo a maioria dos cientistas do clima, estamos nos acercando rapidamente do ponto de não retorno, com a perspectiva de um dano irreversível no ecossistema global. Enquanto isso, investidores franceses estão comprando terras no sul da Inglaterra para plantar vinhedos. Islândia é assediada pelos investidores (incluindo os chineses), que querem explorar grandes extensões de terreno em que o cultivo continuará sendo possível. Todas as nações estão se preparando pra a exploração das reservas de minerais sob o gelo do ártico em fusão que está abrindo novas vias para o transporte marítimo. Isto demonstra que o mundo dos negócios não só tem uma avaliação mais clara que os governos sobre o que está ocorrendo, como também uma falta de visão da responsabilidade social.

usa tio4.   Declínio estadunidense.  O presidente Barack Obama teve que cancelar sua participação na recente cúpula da Ásia devido a crise orçamentária dos EUA. Porém, o presidente russo, Vladimir Putin pode assistir e foi capaz de manipular com êxito os acontecimentos na Síria. A bandeira de reforma da saúde de Obama está em perigo. Edward Snowden demonstrou ao mundo que os EUA não respeitam a seus próprios aliados. Enquanto isso, o Tea Party foi capaz de paralisar o governo estadunidense e levar o partido Republicano a abraçar uma política de deterioração do setor público. Pessoas de todo o mundo consideram agora aos EUA como um sócio pouco confiável, numa crise irreversível, com um presidente que faz um conjunto de promessas com belas palavras,  masque não é capaz de coloca-las em prática. Ninguém foi capaz de colocar o setor financeiro sob controle e os escândalos e as multas gigantescas são realidade constante. Não há solução a vista na Palestina e EUA enfrentam grandes dificuldades para se retirar do Afeganistão, enquanto que o caos está regressando ao Iraque. As negociações com o Irã estão dando um forte impulso ao setor radical xiita do mundo islâmico. EUA é um país com uma grande capacidade de recuperação, mas o futuro não se vê nada promissor.

crise-europeia-5.   Declínio europeu. O ano que terminou foi de falta de unidade na Europa e da ascensão definitiva da Alemanha nos assuntos europeus. Só a macroeconomia conta hoje. Irlanda é elogiada como o bom exemplo, depois de ter conseguido colocar seu déficit sob controle. Porém no nível microeconômico, o dano no tecido social pode ser dramático. O mesmo está ocorrendo com Portugal. Grécia é o exemplo extremo. Os gregos perderam 20% de seus ingressos, o desemprego aumentou até 21%, e mais recortes estão sendo exigidos. Este não é o lugar para uma análise de como a Alemanha tem sido favorecida por sua política que arrasa  com outros países sem nenhuma pisca de solidariedade. Nas eleições europeias de maio de 2014, é provável que um grande número de pessoas vote pelos partidos anti Europa que estão surgindo por todas as partes, com a única exceção de Espanha já que o governo de Mariano Rajoy, como demonstram as leis sobre o aborto e a ordem pública, é suficientemente de direita como para deixar espaço para um partido ainda mais à direita. O enfraquecimento do Parlamento Europeu perdurará durante muito tempo até que Europa recupera algo de atrativo que foi perdendo progressivamente para seus cidadãos.

Xi Jinping6.   O nacionalismo chinês. Em poucos meses, o novo presidente, Xi Jinping, adquiriu uma autoridade sem precedentes desde a época de Mao y Deng. Está fomentando a ideia de um sonho chinês, para incentivar as pessoas sob sua liderança. Isto se funda na afirmação de China como uma grande potencia a ser respeitada por todo o mundo. Foram dados audaciosos passos para consolidar as reivindicações territoriais chinesas que abriram conflitos com Coréia, Filipinas, Vietnam e Japão. Com o governo japonês, agora dirigido por governos nacionalistas, muitos analistas estão considerando a possibilidade de uma terceira guerra mundial a partir da Ásia. No século XVI a China tinha 50% do PIB mundial e ha entre os chineses um forte desejo para recuperar seu legítimo lugar no mundo. O tratado de defesa entre Japão e Estados Unidos converte esse conflito em potencialmente global.

Vaticano7.   As mudanças no Vaticano. A eleição do papa Francisco pressupõem uma muito necessária mudança de rumo da igreja católica. O papa colocou de novo uma ênfase nas pessoas no lugar do mercado, utilizando termos como “solidariedade”, “justiça social”, “exclusão” e “marginalidade”, que tinham desaparecido do discurso político. O presidente Obama lhe secundou com um contundente discurso contra as crescentes desigualdades sociais nos EUA. Entretanto, de acordo com a London School of Economics, em 20 anos a Grã Bretanha regressará ao nível de desigualdade social dos tempos da rainha Victória. O papa Francisco é o único que denunciou o desmantelamento do sistema de bem-estar social que surgiu durante a Guerra Fria. Confiemos em que sua exortação ajudará a prevenir a redação de um novo Das Kapital, em que as vítimas não seriam os trabalhadores mas os jovens.

Roberto Savio, fundador e presidente emérito da agência de notícias IPS (Inter Press Service) e editor de Other News. De San Salvador de Bahamas, dezembro de 2013.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Roberto Sávio

LEIA tAMBÉM

Navio da amizade Xi Jinping convida América Latina à construção do novo sistema global
Navio da amizade: Xi Jinping convida América Latina à construção do novo sistema global
Coreia do Sul e Geórgia os interesses nacionais frente à “ordem baseada em regras”
Coreia do Sul e Geórgia: quando as demandas internas se chocam com os interesses do Ocidente
Lavender o uso de IA por Israel para automatizar o extermínio na Palestina
Lavender: a inteligência artificial de Israel e a automação do extermínio palestino
Programas de deportação não resolvem crise migratória nos EUA, afirma especialista
Programas de deportação não resolvem crise migratória nos EUA, afirma especialista