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O Marxismo de José Carlos Mariátegui

Sara Beatriz Guardia

Tradução:

Nesse momento em que a perplexidade domina grande parte da intelectualidade e movimento sociais, inclusive dos partidos que se consideram de esquerda ou democráticos e progressistas, que parecem perdidos diante da conjuntura, Sara Beatriz Guardia nos brinda com uma clara síntese do pensamento de José Carlos Mariátegui. Publicamos e recomendamos sua ampla difusão como contribuição ao debate necessário para a retomada de um pensamento de vanguarda para as esquerdas latino-americanas, empenhadas em discutir alternativas à ditadura do pensamento único imposto pelo capital financeiro.  A luta é contra o sistema de dominação, desde os tempos coloniais, portanto uma luta de libertação nacional e, como nos ensina o Amauta: Revolução é criação heróica.

Sara Beatriz Guardia*

Não sabem quem é Mariátegui?

Bem… é uma nova luz da América,
o protótipo do novo homem americano.
Henri Barbusse

Re-exposure_of_foto_Sara_Beatriz_400x400O pensamento de José Carlos Mariátegui significou a primeira consciência da possibilidade revolucionária na América Latina, e uma profunda reflexão sobre nossa condição e realidade, ao ter apontado alguns dos problemas fundamentais da nossa cultura, produto de uma interpretação do marxismo diferente do esquema do desenvolvimento histórico europeu. Desta maneira, rompeu “pela primeira vez com o eurocentrismo dominante na tradição marxista, ao qual sucumbiu também o marxismo latino-americano” . O eurocentrismo como um conceito que não só significa uma forma específica de pensar e conhecer como se desenvolveu a Europa, mas também “se impõe no mundo como a única e legítima perspectiva de conhecimento, excluindo ou subalternizando outras formas de conhecer a realidade. O projeto intelectual de Mariátegui pode ser visto como um caminho para a descolonização do saber, uma das primeiras buscas de uma perspectiva cognitiva não eurocêntrica”, conclui César germina.
JCMSem a subversão teórica contra o eurocentrismo – assinala Aníbal Quijano – a “pesquisa atual não teria podido chegar a perceber que o padrão de poder mundial é, precisamente, uma configuração histórica específica, urdida em torno a dois eixos constitutivos: a ideia de “raça” como fundamento de um novo sistema de dominação social, do qual o Eurocentrismo é um dos mais eficazes instrumentos. O outro eixo é a articulação dos “modos de produção” em uma única estrutura de produção de mercadorias para o mercado mundial” 3.  
Em consequência, Mariátegui propugnou o socialismo como um projeto político isento do dogma e da retórica. “Não queremos certamente, diz, que o socialismo na América seja decalque e cópia. Deve ser criação heróica. Temos que dar vida, com nossa própria realidade, em nossa própria linguagem, ao socialismo indo-americano. Eis aqui uma missão digna de uma geração nova” 4. A vigência de seu pensamento radica nos aportes teóricos, políticos, históricos e culturais em relação à identidade nacional, à libertação nacional e à questão indígena como elemento substancial da peruanidade, vinculada à resistência contra a violência da exploração.
Esta vontade e anseio por transformar a sociedade peruana na construção de um mundo novo traduz a influência da vanguarda intelectual e artística que recebeu Mariátegui durante sua estada na Itália entre 1919 e 1923: Benedetto Croce, Piero Gobetti, Georges Eugene Sorel, Antonio Gramsci, Sigmund Freud, Henri Bergson, Miguel de Unamuno, e de maneira singular, Nietzsche. Não em vão, os 7 Ensaios está precedido por um pensamento do filósofo alemão: “Eu não desejo ler mais um autor do qual se adverte que quis fazer um livro. Lerei somente aqueles cujas ideias se convertem inesperadamente em um livro” 5.
A transformação social proposta por Mariátegui inclui não apenas aspectos econômicos e políticos, mas também abarca os âmbitos da cultura e das relações intersubjetivas. Dessa perspectiva, nada escapa à análise, economia, política, arte, cultura, literatura, cinema, psicanálise. Tudo forma parte do conjunto da sociedade cujo rosto se propõe transformar. Mariátegui não é imparcial nem alheio a tudo o que ocorre ao seu redor. “Não sou um espectador indiferente ao drama humano”, enfatiza. “Sou, pelo contrário, um homem com uma filiação e uma fé”6. Fé na utopia de um socialismo unido à ética e “à criação na história vivente e compartilhada dos homens, de novos valores e formas de vida”.
Assim, em Mariátegui se uniram duas forças; foi ao mesmo tempo um homem de letras capaz de se emocionar com o surrealismo e com a poesia, e um homem de ação que em 1926 fundou a revista Amauta, em 1928 o Partido Socialista, a Central Geral de Trabalhadores, e publicou sua obra fundamental 7 Ensaios de interpretação da realidade peruana inaugurando no Peru uma reflexão profunda da realidade nacional. “A revolução, afirma Mariátegui, mais que uma ideia, é um sentimento. Mais que um conceito é uma paixão…”7. Desde logo, escreve Flores Galindo, para Mariátegui o marxismo nunca foi uma “teoria”, nem um jogo de conceitos”8.
Em concordância com esta fé combativa que animou seu pensamento, em 1923 Mariátegui declarou em uma entrevista, que seu ideal na vida era ter um grande ideal9. O homem contemporâneo tem necessidade de fé – agrega. E a única fé que pode ocupar seu eu profundo é uma fé combativa”10. No ideal mariateguiano, diz Michael Löwy, existe “um momento irresistivelmente romântico”, entendendo-se o romantismo como um movimento de caráter revolucionário que rompe com a tradição e se rebela contra o classicismo ao propor, em nome da liberdade e da equidade, uma hierarquia diferente de valores culturais e sociais11. Esta visão romântica revolucionária de Mariátegui está formulada em seu ensaio: “Duas concepções da vida”, em que sustenta que o que diferencia os homens não é só a doutrina, mas o sentimento12. A intuição da vida “não aparece exclusivamente na prosa beligerante dos políticos”, a força dos revolucionários não está na sua ciência, mas em sua fé, em sua paixão e em sua vontade.13
Os verdadeiros revolucionários, escreve, não procedem nunca como se a história começasse com eles. “Sabem que representam forças históricas, cuja realidade não lhes permite satisfazer-se com a ultra ilusão verbal de inaugurar todas as coisas”. Os revolucionários encarnam a vontade da sociedade de não se petrificar em um estado, de não se imobilizar em uma atitude. Às vezes a sociedade perde esta vontade criadora, paralisada por uma sensação de fenecimento ou desencanto”14. A história é feita pelos homens possuídos e iluminados por uma crença superior, por uma esperança super-humana; os demais homens são o coro anônimo do drama. A crise da civilização burguesa apareceu evidente desde o instante em que esta civilização constatou sua carência de mito” 15.
A possibilidade de articular “mito e revolução, pensamento político-religioso andino e pensamento político-secular ocidental” 16, constitui um elemento central do pensamento de Mariátegui, na perspectiva de George Sorel, “que atribui o mito como elemento ideológico capaz de mobilizar a vontade popular e constituir um sujeito social que possa levar adiante o movimento revolucionário” 17. Tudo isso, permitiu a ele incluir à questão nacional, a literatura por sua capacidade para impulsionar transformações sociais. A unidade nacional apresenta-se, assim, como uma questão mais complexa vinculada à dualidade de etnia e cultura.
Esta proposta, este marxismo de Mariátegui, contradizia as diretrizes da Internacional Comunista. O que ficou demonstrado durante a Conferência realizada em junho de 1929 em Buenos Aires, à qual Mariátegui não pode comparecer devido a sua doença. Hugo Pesce e Julio Portocarrero apresentaram as propostas que elaboraram com Mariátegui e Martínez de la Torre, as mesmas que foram refutadas desde o início pela direção política. Sucede, escreve Atilio Borón, que a obra de Mariátegui coincide com os anos “posteriores à morte de Lenin, quando a Terceira Internacional acentua seu sectarismo e seu dogmatismo sob a fórmula do «marxismo-leninismo» ad usum Stalin“18.
Quando Hugo Pesce entregou a Vittorio Codovilla, membro do Secretariado Latino-americano da Internacional Comunista, um exemplar dos 7 Ensaios, este respondeu “que a obra de Mariátegui tinha muito escasso valor”. Segundo Alberto Flores Galindo, Codovilla não aceitava que no título de um livro se unissem as palavras ensaio e realidade peruana. “Ensaio implicava assumir um estilo que recordava os escritos dos autores burgueses e reacionários como Rodó ou Henríquez Ureña, além de implicar certo tateio, um caráter provisório nas afirmações e, evidentemente um homem como Codovilla, assim como não podia admitir um erro, menos ainda tolerava a incerteza: os partidos ou eram comunista ou não o eram, estava-se com o proletariado ou com a burguesia, não podia haver nunca outras possibilidades. A realidade estava nitidamente demarcada, de maneira que se devia fazer uma ou outra coisa; a linha correta não admitia discussão, os “ensaios” ficaram para os intelectuais”19.
Em 1941, V.M. Miroshevski, conselheiro soviético do Bureau Latino-americano do Komintern, qualificou Mariátegui, de “populista” e “romântico”. O que equivalia a afirmar que seu pensamento não era marxista nem revolucionário20. Segundo V.M. Miroshevski, principal representante desta crítica “ortodoxa”, escreve Lowy, “bastava acusar Mariátegui deste pecado mortal para demonstrar de forma definitiva e conclusiva que seu pensamento era alheio ao marxismo. Como exemplo deste “romantismo nacionalista”, o acadêmico soviético mencionava a  tese de Mariátegui e o respeito à importância do coletivismo agrário incaico na luta socialista moderna do Peru”21
Como resultado desta posição, durante mais de uma década os livros de Mariátegui não tiveram praticamente nenhuma difusão. Só em 1944 a Biblioteca Amauta, pertencente aos filhos de Mariátegui publicou a segunda edição dos 7 Ensaios, e a terceira em 1952. A primeira edição estrangeira corresponde ao Chile, em 1955. Seguida pela Casa de las Américas, 1963; Moscou, 1963; e França em 1968. Foram também os filhos de Mariátegui que, a partir de 1959, iniciaram a publicação de suas obras completas no Peru. Segundo José Aricó, “durante essas três décadas nenhum partido comunista latino-americano publicou os 7 ensaios22.

Transcendência dos 7 Ensaios

É precisamente nos 7 Ensaios, que o esforço por conciliar sua concepção do socialismo com a realidade nacional ganha notável particularidade. A evolução econômica, o problema do índio, e o regime de propriedade da terra são analisados nos três primeiros ensaios. Aqui se destaca a formidável máquina de produção dos Incas e os laços de solidariedade das comunidades indígenas, “destruídos pela conquista espanhola e continuada pelos políticos do período republicano, tendo como constantes: o despojo de seus meios de produção, a exploração servil de sua força de trabalho, a destruição de suas tradições culturais de origem pré-hispânica e a imposição de outros valores, em particular o idioma e a religião” 23.  
Mariátegui estabelece um vínculo entre indigenismo e socialismo no qual destaca o papel que cumprem as comunidades indígenas que sobrevivem no presente com hábitos ancestrais de cooperação e solidariedade. Embora não tenha conhecido a correspondência de Marx com os populistas russos, escreve Adolfo Sánchez Vázquez, “Mariátegui assinala certo paralelismo do fenômeno da comuna rural na Rússia e no Peru com apreciações que, em alguns pontos, aproximam-se às de Marx”. Por sublinhar como Marx a potencialidade da comuna indígena no processo histórico para o socialismo, não faltou quem lhe negasse a condição de marxista e lhe atribuísse a de populista, mas esta negação carecia de base tanto no seu caso, como se houvesse se tratado do próprio Marx24.
Estamos construindo o país sobre “os inertes estragos indígenas”, e “os aluviões da civilização ocidental”, aponta Mariátegui. A conquista espanhola destruiu o Peru autóctone ao extirpar do solo e da raça todos os elementos vivos da cultura indígena. Os descendentes dos conquistadores e os colonizadores constituíram o alicerce do Peru atual. Por isso, a solução do problema do índio deve ser uma solução social, e seus realizadores os próprios índios25. “A esperança indígena é absolutamente revolucionária”, conclui.
É necessário assinalar que foram numerosas as sublevações que o sistema de dominação produziu tão logo iniciada a conquista quando em 1538, Manco Inca se sublevou chegando a sitiar Cuzco e Lima, e posteriormente, durante um período de quarenta anos, a resistência em Vilcabamba. Mas é a partir da segunda metade do século XVIII, coincidindo com a crise do Vice-reinado do Peru, que os protestos se sucedem de maneira constante26, até a rebelião liderada por José Gabriel Condorcanqui Tupac Amaru em 1780, a mais importante e decisiva rebelião indígena na América Latina.
Posteriormente, a independência foi realizada pelos “crioulos”, descendentes dos conquistadores. A ideia da liberdade, escreve Mariátegui, não brotou espontaneamente de nosso solo; seu germe veio de fora. “Um acontecimento europeu, a Revolução Francesa, engendrou a independência americana” 27. Por isso, a exclusão como ideologia não mudou com a independência conseguida em 1821. Não assegurou o fim das guerras civis nem as tensões sociais e étnicas, a concentração do poder pelos “crioulos” em governos fracos, dominados pelo caudilhismo, onde os índios e os negros não tiveram direitos nem cidadania. Tampouco as mulheres.
Pode-se dizer, escreve César Guardia Mayorga, no prólogo de Peruanicemos o Perú de Mariátegui, “que na república continuou dominando durante muito tempo o colonialismo. As classes dominantes cantavam o hino nacional, mas seguia predominando seu amor e fidelidade à Mãe Pátria, a Espanha; falavam de patriotismo e nacionalismo e continuavam expressando sua admiração pelo conquistador Francisco Pizarro, chegando até a elogiar o “instinto de peruanidad de Pizarro”28. “Os caudilhos militares — assinala Mariátegui — herdeiros da retórica da revolução da independência, se apoiavam às vezes temporalmente na reivindicação das massas, desprovidas de toda ideologia, para conquistar e conservar o poder com o sentimento conservador e reacionário dos descendentes e sucessores dos comendadores espanhóis”.
A unidade nacional se apresenta assim como uma questão mais complexa vinculada à dualidade de raça e cultura. “Os camponeses são índios e os donos das terras são brancos, em uma relação marcada pelo conflito, e pela exploração histórica que caracteriza o processo histórico peruano” 29. Como aponta Aníbal Quijano, sem a presença de Mariátegui não poderíamos entender nem explicar o sentido dos atuais movimentos indígenas, nem a sua significação no moderno Estado-Nação; tampouco o debate em torno da colonialidade do poder, a transmodernidade e a produção de outra democracia. Assim como uma racionalidade alternativa, em relação ao eurocentrismo nem a “reconstituição de modos diferentes de produção de subjetividades, ou mais geralmente, de um novo universo de subjetividades, de imaginário, de memória histórica, de conhecimento”30.
Outro aspecto relevante nos 7 ensaios, é o tema da educação. Mariátegui situa a história da instrução pública no Peru com três linhas de influência: a espanhola, a francesa e a norte-americana. Destas, a herança espanhola é a de maior predomínio, produto da colonização quando primou uma educação fortemente arraigada a um conceito eclesiástico, excludente, privilégio de uma casta que marginalizou os índios e os mestiços. No entanto, sustenta, não se trata de uma herança cultural ou intelectual, é antes de tudo uma herança econômica e social, posto que uma educação elitista só é possível se existir uma economia de grupos e capas privilegiadas. O problema do ensino se converte assim em um problema econômico e social. Tal como aponta Alberto Tauro no prólogo de Temas de Educação, qualquer esforço tendente a “solucionar isoladamente os problemas da educação será artificioso e precário, porque a natureza de suas causas não é só educacional; e assim os moldes da educação devem se adequar ao caráter da economia e da política. (…) A crise da educação é reflexo de uma crise estrutural da sociedade”31.
Mariátegui situa a Reforma Universitária de Córdoba em 1918, como fiel expressão da luta entre uma sociedade que evidenciava mudanças sociais profundas e uma universidade conservadora, chave do campo teórico em que se desenvolve seu discurso32. Em consequência, diz Mariátegui, a Reforma “tinha logicamente que atacar, antes de tudo, essa estratificação conservadora das Universidades”33, a existência arbitrária de cátedras, a manutenção de professores ineptos, e a exclusão de intelectuais independentes. E afirma que o movimento estudantil de Córdoba significou “o nascimento da nova geração latino-americana” 34, embora tenha carecido em seu início de homogeneidade e autonomia, e não tenha existido aliança entre o movimento estudantil e o operário.
Nessa perspectiva, mostra a necessidade no Peru de uma reforma da educação que compreenda os estudos primários e os professores de primária que são os que têm um trabalho mais abnegado, o salário mais baixo, e em geral pertencem a estratos pobres da sociedade. Trata-se de uma política educacional que inclua a todos os setores da população, sem nenhum tipo de exclusão, onde os índios, os pobres e as mulheres estejam incorporados. Educação sem exclusões e de caráter nacional que requer e exige uma escola única, sustenta Mariátegui, porque é aí onde “se resolvem e se condensam todas as outras tendências de adaptação da educação pública às correntes de nossa época, (…) consubstancial com uma democracia social que permita que todas as pessoas sejam livres e tenham os mesmos direitos no acesso à educação e à cultura”35.
A fórmula “educação gratuita, laica e obrigatória” é para Mariátegui uma receita do velho ideário demo-liberal-burguês, uma fórmula que em si mesma diz e vale pouco. Primeiro, porque se trata de uma questão que não está proposta nos mesmos termos em vários países da América Latina onde a religião mantém intacto seu domínio no ensino. “E, por conseguinte, – diz Mariátegui – aí não se trata de estender o ensino laico, mas adotá-lo. Ou seja, empenhar uma batalha que pode conduzir a vanguarda a concentrar suas energias e seus elementos em uma frente que perdeu seu valor estratégico e histórico”36.
Ele tampouco confere importância à liberdade do ensino porque tal como está proposta coincidem em sua defesa, por diversos caminhos, os custódios hieráticos da Tradição e não poucos cavaleiros andantes da Utopia” 37. Sustenta que a liberdade do ensino é uma ficção, posto que o Estado, “qualquer que seja, não pode renunciar à direção e ao controle da educação pública”, pela simples razão de que o Estado é o órgão da classe dominante, e tem “por isso, a função de conformar o ensino com as necessidades desta classe social”38. Então, de que liberdade de ensino estamos falando?
O nascimento de uma corrente socialista, a adesão à socialização da cultura e o novo ideário educacional sobre os professores, expressado em publicações aparecidas em Lima e províncias como: Revista Peruana de Educación (Lima), Revista del Maestro, Revista de Educación (Tarma), Ideario Pedagógico (Arequipa), y El Educador Andino (Puno), constituem para Mariátegui o nascimento de uma nova consciência surgida no calor das lutas. Cita os aportes fundamentais do Congresso Internacional de Estudantes do México de 1921 no qual se acordou a participação dos estudantes no governo das universidades, a autonomia universitária, a reforma do sistema docente mediante o estabelecimento da livre docência e, por conseguinte, do comparecimento livre dos alunos, também a revisão dos métodos e do conteúdo dos estudos, e a extensão universitário como meio de vinculação da Universidade com a vida social39.
O exemplo mais representativo dessa vinculação foi a criação das universidades populares, qualificadas por Mariátegui como “episódios da revolução intelectual”, porque foram concebidas com um critério diferente das “tímidas tentativas de extensão universitária”40. Da Universidade saíram estudiosos de economia e sociologia “que puseram seus conhecimentos a serviço do proletariado, datando-o, em alguns países, de uma direção intelectual da qual antes havia geralmente carecido”. Para Mariátegui os mais entusiastas promotores da unidade política da América Latina são, em grande parte os líderes da Reforma Universitária, outro dos signos da realidade e uma “nova geração” 41.
Também cobra particular importância nos 7 ensaios o capítulo sobre o processo seguido pela literatura peruana. Aqui, Mariátegui declara enfaticamente: “Na história de nossa literatura, a Colônia termina agora. O Peru, até esta geração, não tinha ainda se tornado independente da Metrópole. Alguns escritores tinham semeado já os germes de outras influências. (…) Mas ainda durava o fundamental do colonialismo: o prestígio intelectual e sentimental do vice-reinado (…). Hoje a ruptura é substancial” 42
Neste contexto surgiu a vanguarda literária com um discurso diverso, heterogêneo e complexo, mas com uma postura comum: modernidade e rechaço ao discurso colonial. Movimento que se expressou no Grupo Colónia (1916) dirigido por Abraham Valdelomar; no Grupo Orkopata do sul andino conduzido por Gamaliel Churata; e no Boletín Titikaka (Puno, 1926-1930) dirigido por Gamaliel Churata e Alejandro Peralta.
Neste capítulo ele assinala que com o advento de Magda Portal, “nasceu no Peru sua primeira poetisa”. Remarca que até a sua aparição só haviam surgidos mulheres de letras. “mas não tínhamos tido propriamente uma poetisa”. Em sua poesia nos dá “uma límpida versão de si mesma. Não se escamoteia, não se mistifica, não se idealiza. Sua poesia é sua verdade. Magda não trabalha para nos oferecer uma imagem alinhada de sua alma em “toalete” de gala43. O interesse que lhe produz a literatura escrita por mulheres, permite-lhe concluir que a mulher “começa a sentir, a pensar e a se expressar como mulher em sua literatura e em sua arte. Aparece uma literatura específica y essencialmente feminina. Esta literatura nos descobrirá ritmos e cores desconhecidos. A condessa de Noailles, Ada Negri, Juana de Ibarbourou, não nos falam às vezes com uma linguagem insólita, que nos revela um mundo novo?44.
É a década do pós-guerra e do triunfo da Revolução Russa. No México caem assassinados Pancho Villa e Emiliano Zapata; Sandino luta na Nicarágua; Gandhi se prepara para liberar a Índia, e os fascistas marcham para Roma. No Peru, as intensas jornadas operárias pelas oito horas dão lugar à organização proletária; surgem correntes literárias e artísticas de expressão genuinamente nacional e José Carlos Mariátegui irrompe no cenário nacional com seu projeto socialista. São os anos do surrealismo, da “Quimera de Ouro” de Chaplin e do “Encouraçado  Potemkin” de Eisenstein. As mulheres conquistam o campo literário e político. Não pedem licença para ser escutadas, proclamam seu direito a ser escutadas. Trocam a suave valsa pelo charleston, cortam os cabelos e se desposam de seus longos vestidos.
“Ninguém deve se surpreender, aponta Mariátegui, de que as mulheres não se reúnam em um movimento único. O feminismo tem, necessariamente, várias cores, diversas tendências. Pode-se distinguir no feminismo três tendências fundamentais, três cores substantivas; feminismo burguês, um feminino pequeno burguês e feminismo proletário. Cada um desses feminismos formula suas próprias reivindicações de uma maneira diferente”45  e cita  Babeuf, o líder da revolução francesa, em sua famosa arenga: “não imporeis silêncio a este sexo que não merece que se o desdenhe. Realçai melhor a mais bela porção de vós mesmos. Se não contais para nada com as mulheres na vossa república, fareis delas pequenas amantes da monarquia. Sua influência será tal que elas a restaurarão”46.
Em 1924, Mariátegui qualifica como um dos acontecimentos substantivos do século XX “a aquisição pela mulher dos direitos políticos do homem”, e mostra que a mulher ingressou na política, no parlamento e no governo. Aspecto substantivo, como assim o qualifica, porque o reconhecimento dos direitos da mulher guarda relação com a defesa da autonomia das pessoas.
Trata-se de direitos políticos, econômicos, sociais e culturais das mulheres. A construção de uma nova sociedade e de uma nova forma de assumir a política implica o desafio de criar novas formas de relação e de resolver as contradições. Ou seja, a democratização da sociedade passa também pela ascensão das reivindicações femininas no campo social e político. A luta das mulheres poderia se converter em uma causa como as outras, quer dizer, uma causa politicamente assumida, uma forma de luta contra a desigualdade e a opressão.
Na era da globalização, de uma nova regulação capitalista e de profundas e invencíveis contradições econômicas, políticas e culturais, quais são as bases desta criação heróica, deste socialismo com rosto próprio? Agora que não é possível ignorar a importância da interculturalidade ante a diversidade de etnias, identidades e culturas que coexistem; agora que a discriminação às minorias, o colonialismo, a migração, as desigualdades de gênero, a dominação patriarcal, e a irrupção de novas tecnologias transformou radicalmente o panorama. Agora que a própria sociedade peruana e latino-americana se move saturada de contradições em um contexto de crise do modelo neoliberal que exclui grandes setores da sociedade.
 
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*Colaboradora de Diálogos do Sul – Diretora da Cátedra Mariátegui –
II Congresso Internacional Karl Heinrich Marx.
Grupo Pólemos. Universidad Nacional Mayor de San Marcos
Lima, 24 de maio de 2017.
Tradução de Beatriz Cannabrava.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Sara Beatriz Guardia

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