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O marxismo de Maurice Spector, fundador do Partido Comunista do Canadá

Jornalista, editor, advogado e dirigente político, após romper com o partido passou a promover a Oposição de Esquerda Internacional, de linha trotskista
Sean Purdy
Dicionário Marxismo na América
São Paulo (SP)

Tradução:

SPECTOR, Maurice (russo-ucraniano-canadense; povoado desconhecido/Império Russo, 1898 – Nova Iorque/Estados Unidos, 1968).

1 – Vida e práxis política

Maurice Spector nasceu na região ocidental do Império Russo, território da atual Ucrânia. Filho de um pequeno comerciante e de uma dona de casa, ainda bebê imigrou com a família para o Canadá. Já na adolescência, entrou para o movimento socialista, filiando-se ao Social Democratic Party [Partido Social-Democrata] do Canadá e começando a escrever artigos para seu jornal, The Canadian Forward [A Vanguarda Canadense].

Com vinte anos de idade, ele leu a tradução ao inglês do texto “Os bolcheviques e a paz mundial” (1914), de Leon Trótski – posteriormente editado com o título “A guerra e a Internacional”. Durante sua graduação em Direito na Queen’s University (Kingston, Canadá), Spector teve contato com as obras de Lênin e de outros comunistas russos e europeus.

Entre 1918 e 1921, junto a camaradas socialistas – como Florence Custance e Thomas J. Bell –, organizou um coletivo de propaganda, a Plebs League [Liga dos Plebeus], e um grupo de formação política, o Toronto Workers Educational College [Faculdade dos Trabalhadores de Toronto], este último comandado por Jack MacDonald. Essas duas agremiações, contando com o apoio da Internacional Comunista (IC), estiveram entre as principais forças políticas que se reuniram na cidade de Guelph (Ontário) com o objetivo de formar o Communist Party of Canada/ Parti communiste du Canada (CPC) [Partido Comunista do Canadá], em 1921 – do qual o jovem Spector foi um dos fundadores. Como ocorreu em muitos países à época, o intelectual e socialista canadense, antes membro de um partido social-democrata com referências marxistas vagas, foi bastante influenciado pela Revolução Russa (1917). Segundo ele, a conquista do poder pelos bolcheviques tinha levado à criação de um novo tipo de socialismo, melhor fundamentado nas ideias de Karl Marx e Friedrich Engels – e tendo como prioridade a formação de partidos revolucionários ao redor do mundo.

Eleito presidente do recém-nascido CPC, Spector escreveu seu primeiro programa partidário, juntamente com seus camaradas Custance e Tom Bell. Além disso, ajudou a estabelecer a base organizacional, intelectual e política da nova entidade comunista que, até 1925, chegou a organizar 5 mil militantes – tendo influência decisiva em importantes greves e mobilizações sociais. Teve também uma participação importante quando atuou como interlocutor da direção do partido junto às “Federações Nacionais”, as quais eram compostas por imigrantes membros do CPC, divididos em seus respectivos grupos nacionais, que constituíam a maioria da militância partidária.

No período de 1921 a 1928, foi editor do jornal semanal do CPC, The Worker [O Trabalhador], e da revista mensal do partido, Canadian Labor Monthly [Mensário Canadense do Trabalho], escrevendo centenas de artigos sobre a conjuntura da luta de classes, a economia política e os eventos internacionais do movimento comunista, além de promover debates e comícios por todo o país. Ao longo dos anos 1920, tornou-se o dirigente e intelectual político central do CPC, participando dos principais debates do partido e atuando como seu delegado no IV Congresso da Internacional Comunista, em 1922.

Em 1923, viajou por várias cidades do Canadá, proferindo sete palestras em duas semanas e percorrendo de trem mais de três mil quilômetros. Regularmente, falava em eventos para centenas de trabalhadores, e acompanhava piquetes, greves e outros atos do movimento operário e comunista. Em seus escritos e intervenções públicas do período, Spector se dedicou a transmitir ao povo canadense os mais importantes debates e argumentos dos revolucionários bolcheviques, além de tratar de notícias políticas internacionais em evidência, como a Revolução Alemã.

A partir de 1924, alguns membros do CPC passaram a se contrapor às posições da IC contrárias a Trótski e à corrente soviética Oposição de Esquerda. Spector redigiu então uma declaração de seu partido à Internacional, argumentando não haver motivos suficientes para punir Trótski.

Em 1927, Spector foi o mais votado entre oito candidatos para o Comitê Central Executivo do CPC – embora no partido houvesse também muitos adeptos da IC, então comandada por Josef Stálin. No ano seguinte, seria eleito membro do Comitê Executivo da Internacional Comunista, vindo a participar do VI Congresso da organização, em Moscou (1928).

À época, Spector e o delegado dos Estados Unidos, James P. Cannon, não se alinhavam ao trotskismo. Mais tarde, ambos reconheceriam que ainda não entendiam bem o que estava acontecendo na URSS e no movimento comunista internacional. Com efeito, informações sobre os debates políticos internos soviéticos eram ainda escassos e mesmo evitados pelos dirigentes da III Internacional e de seus partidos membros. Entretanto, a postura dos dois comunistas mudaria após terem contato com o documento “Crítica ao programa provisório da IC”, escrito por Trótski quando ele já havia sido expulso do partido e enviado para viver no Cazaquistão Soviético. O texto – que circulou com o aval da IC, conforme as normas vigentes do “centralismo democrático” – tinha sido traduzido para o inglês e distribuído aos delegados presentes; nele, Trótski criticava diretamente as posições de Stálin e de Nikolai Bukharin, enfatizando os problemas relacionados à defesa da ideia de “socialismo em um só pais” e a desistência, por parte do governo soviético, da política da “frente única”. Spector e Cannon guardaram cópias desta tradução e voltaram a seus respectivos países, onde passariam a discutir suas desfiliações dos partidos comunistas alinhados com a IC. Juntamente com comunistas da França, Alemanha e Reino Unido, começaram a gestar a Oposição de Esquerda Internacional – influenciada por Trótski.

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Em novembro de 1928, o marxista canadense, que havia sido considerado suspeito de ser simpático à oposição trotskista, escreveu uma carta ao Comitê Central Executivo do CPC detalhando seu pleno apoio às críticas feitas por Trótski à III Internacional. No mês seguinte, Spector e mais doze membros, que se puseram a seu lado, foram expulsos do partido.

Diferentemente do estadunidense James Cannon – mais hábil para trabalhos de organização –, Maurice Spector teve dificuldades em consolidar a Oposição de Esquerda no Canadá. Assim, no início da década de 1930, ele começou a participar como correspondente de um pequeno partido de trotskistas dos EUA, a Communist League of North America-Opposition (LCA-OP) [Liga Comunista da América do Norte-Oposição]. Logo, em 1932, com Jack MacDonald, fundou sua seção canadense, a International Left Opposition of Canada (ILOC) [Oposição de Esquerda Internacional do Canadá], organizando núcleos políticos em diversas cidades do país e reunindo algumas dezenas de membros – dos quais boa parte era composta por imigrantes oriundos das nações do antigo Império Russo, alinhados pessoalmente com ele. Por este tempo, Spector foi também editor do jornal da organização, The Vanguard – de início mensal, depois quinzenal –, que ele dirigiria até 1937.

Em 1934, a liga oposicionista canadense (ILOC) desistiu de disputar as eleições do Partido Comunista (CPC) e passou a se denominar Workers Party of Canada (WPC) [Partido dos Trabalhadores do Canadá]. Por este tempo, um tanto desiludido com as derrotas políticas, Spector decidiu se dedicar também à atividade de advogado trabalhista.

Dois anos depois, ele viajou ilegalmente aos EUA, com o objetivo de se aproximar de James Cannon e de outros marxistas da Oposição de Esquerda Internacional. Estabeleceu-se em Nova Iorque, onde se tornaria um dos principais membros do movimento trotskista. Neste país, em 1938, durante a convenção de fundação do Socialist Workers Party (SWP) [Partido Socialista dos Trabalhadores] – uma fusão de grupos trotskistas, a partir de cisão do Communist Party of the United States of America [Partido Comunista dos EUA] –, Spector apresentou o Relatório Internacional da nova organização. Contudo, pouco depois, deixou o partido, filiando-se em 1939 ao Socialist Party of United States of America (SPA) [Partido Socialista dos EUA], do qual seria dirigente.

Devido a suas atividades políticas, Maurice Spector teve sua cidadania revogada pelo governo canadense. Em 1941, passou a ser perseguido nos EUA, quando o Federal Bureau of Investigation (FBI) descobriu que estava ilegalmente no país, tendo sido então preso e encaminhado para deportação. Contudo, a Civil Liberties Union [União pelas Liberdades Civis] o defendeu, alegando que, como se tratava de um oposicionista da URSS, deveria ser autorizado a permanecer no território estadunidense.

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Autorizado a viver nos Estados Unidos, o marxista canadense militou pelo SPA até 1958, quando renunciou por conta de seu rompimento com Max Shachtman – que propunha fundir sua Independent Socialist League [Liga Socialista Independente] com o SPA.

Na última década de vida, Maurice Spector trabalhou com advocacia e militou em organizações socialistas nos EUA, além de ter sido editor de uma revista infantil publicada por um movimento trabalhista judeu. Morreu aos 70 anos, em agosto de 1968, em um hospital de Nova Iorque.

2 – Contribuições ao marxismo

A principal contribuição de Spector ao marxismo foi sua atuação como fundador, propagandista, agitador e intelectual do primeiro partido comunista canadense, o CPC. Além disso, destacou-se por lançar o movimento da Oposição de Esquerda Internacional no Canadá, nos anos 1930.

Fiel a uma linha internacionalista próxima à de Trótski, Spector interessou-se por várias das revoluções sociais ao redor do mundo. Em seus textos publicados em jornais e revistas  – como Socialist Appeal, Socialist Alternative, The Militant ou The New International – há análises de conjuntura sobre temas característicos do período entreguerras, tais como as revoluções fracassadas na China e na Alemanha durante a década de 1920, o New Deal estadunidense, a derrota do partido trabalhista inglês (Labour Party) nas eleições de 1931, a ascensão do nazismo, e o imperialismo britânico diante do movimento pela independência da Índia.

Sua maior atenção, entretanto, esteve voltada para a análise das disputas entre grupos divergentes no interior da política soviética durante o período stalinista (1927-1953). Spector posicionou-se como um forte crítico da burocracia soviética e da orientação pelo “comunismo em um só país”, defendida por Stálin e Zinoviev, entendendo ser este um processo de deterioração das forças revolucionárias internas e externas à URSS.

Para justificar tal posicionamento, desenvolveu uma interpretação histórica dos eventos; em sua concepção, expressa em artigos do início da década de 1930, a Revolução de Outubro pode ser dividida em duas fases separadas: antes e após a morte de Lênin. A primeira fase, de acordo com o autor, representou o estágio da conquista do poder político e da consolidação militar e econômica da ditadura do proletariado. Já a segunda, que começou em 1924, teria sido marcada pelos avanços econômicos da pequena-burguesia urbana e rural, pela sujeição do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) à burocracia partidária, e pela substituição do “comunismo” pelo que ele denominou “centrismo” – isto é, um movimento político cujos membros defendiam, para seu tempo presente, apenas reformas capitalistas, ainda que não deixassem de se posicionar a favor de uma revolução comunista em algum momento do futuro.

É no decorrer desta segunda fase que ele considera que se deu a consolidação do bloco de “centristas” no controle da burocracia do Estado soviético – grupo que ele associa à ala direita do PCUS, a qual, por sua vez, mantinha sob seu domínio a máquina estatal para reprimir subversões e dissidências internas. Deste modo, compreende que, para a Oposição de Esquerda (à qual se vinculara), a luta pela revolução deveria buscar o apoio das massas para agir contra o controle da “burocracia centrista” sob a direção de Stálin.

Jornalista, editor, advogado e dirigente político, após romper com o partido passou a promover a Oposição de Esquerda Internacional, de linha trotskista

Arte: Marcelo Guimarães Lima
Maurice Spector manteve viva a memória do “socialismo revolucionário” contra o processo de burocratização que ocorreu no governo de Stálin

Para Spector, o embate pelo controle do Estado soviético também estava expresso na política da IC – nas mudanças de objetivos anunciados por esta organização. Entende que a III Internacional fora concebida após a I Guerra Mundial no contexto de uma luta revolucionária contra o reformismo social-democrata da II Internacional – ou Internacional Socialista (IS). Assim, o principal pilar da IC seria justamente o “internacionalismo” – isto é, a política orientada para a revolução mundial. Ele apoia esta sua perspectiva em duas máximas de Lênin, a saber: que seria possível começar a revolução em um único país, sem depender do resto do mundo; que seria impossível para um país alcançar a vitória revolucionária e a consolidação do socialismo sem avançar as fronteiras da revolução no Ocidente (rico, fortemente armado e industrializado).

Maurice Spector observou ainda que o colapso da IS havia demonstrado que a “adaptação oportunista” à legalidade capitalista do Estado nacional não era uma opção factível. Além disso, via a coexistência do Estado soviético com os Estados imperialistas como algo impossível no longo prazo. Por isso, defendeu que a URSS e o Comintern (IC) estimulassem e continuassem a ajudar a organizar a Revolução Mundial, criticando a visão nacionalista do governo de Stálin – isto é, a política do “comunismo em um só país”. Segundo ele, esta postura do líder soviético esfriava o espírito revolucionário que aflorava na vanguarda da classe trabalhadora em várias partes do planeta. Como saída ao que compreendia ser uma forte crise da IC, Spector apoiou a criação de uma IV Internacional – oposicionista, composta por seguidores de Trótski – voltada para a defesa do que viria a ser chamado “internacionalismo revolucionário”.

Spector acreditava haver mais duas motivações urgentes aos comunistas: deter as provocações de guerra por parte das potências ocidentais imperialistas; e salvar a URSS de uma possível degeneração política interna ou de ataques externos. Os debates em torno das estratégias adotadas opunham grupos na política soviética, e as disputas entre suas alas divergentes repercutiam nos diversos partidos comunistas espalhados pelo mundo. Como resultado, o comando do CPC promoveu a expulsão de membros do partido considerados “trotskistas”, entre 1928 e 1930 – o próprio autor foi um dos expulsos.

Para além de sua crítica ao alinhamento do CPC à IC, Spector denunciou o cerco judicial do governo canadense ao partido. A eleição de 1930 – logo após a grande Crise de 1929 – havia levado ao poder o conservador Richard Bedford, crítico das demandas trabalhistas. Houve então prisões arbitrárias de diversas lideranças comunistas, e o partido, na prática, foi obrigado a sobreviver clandestinamente (embora formalmente mantivesse seu registro legal). Os sindicatos também se tornaram alvos do poder público. Com isto, o marxista criticou as ações voltadas para o enfraquecimento dessas entidades, evidenciando a contradição entre o discurso liberal e sua política real. Segundo ele, havia na chamada “sociedade liberal canadense” uma clara hostilidade à liberdade de associação, expressa em atuações judiciais voltadas para a “reconstrução capitalista da sociedade”; identificou nas políticas de combate aos sindicatos canadenses uma expressão da captura do Estado pelos interesses das classes dominantes capitalistas – formadas por sua vez nas revoluções agrárias e industriais das últimas décadas do século XVIII, quando as empresas capitalistas puderam se livrar dos grilhões do mercantilismo e do feudalismo em favor da liberdade de concorrência e do trabalho assalariado “livre”.

Para o autor, o Estado dito “democrático liberal” surgiu como produto desse processo histórico, tendo sido concebido à imagem de uma organização responsável por garantir, através de leis, o absoluto e universal “direito natural” dos indivíduos – que assim seriam singularmente livres e soberanos para decidirem sobre suas próprias ações e vontades. Desta maneira, aos olhos da lei – supostamente neutra –, os trabalhadores assalariados teriam os mesmos direitos de qualquer outro cidadão. Entretanto, segundo observa Spector, embora o sufrágio universal ignore as classes sociais, não as faz desaparecer. Na realidade, a “soberania” passara dos “donos da terra” (no período feudal) para os “donos do dinheiro” (no mundo moderno). Essa “nova liberdade” trouxe grandes vantagens, mas apenas ao empreendedor capitalista, proprietário dos meios de produção. Já para o proletariado, trouxe o sistema de fábricas, os baixos salários, as longas horas de trabalho, as moradias insalubres e a fragilidade do desemprego. Divorciado da propriedade dos meios de produção, o trabalhador assalariado teria duas escolhas: vender sua força de trabalho a preços definidos pelo empregador ou perecer. Nestes termos, a maneira como as relações de trabalho foram forjadas impede o reconhecimento da dita “liberdade do trabalhador assalariado”.

Por sua vez – continua Spector –, os sindicatos surgiram como uma recusa organizada dos trabalhadores a se submeterem, de forma passiva, aos rigores salariais e à chamada “lei da oferta e da demanda”, considerada inexorável pelos liberais. Tal posição parte de seu entendimento de que tanto o valor da força de trabalho (transformada em mercadoria) como o nível de vida médio da população são definidos no âmbito da luta de classes. A disseminada repressão aos sindicatos, em países como o Canadá, tinha por alegação a inconsistência pretensamente existente no plano teórico entre as demandas “coletivas” e as liberdades “individuais” – como se houvesse uma contradição entre a existência de entidades que representassem interesses de classe e os princípios ordenadores de uma sociedade liberal centrada no indivíduo. De acordo com esta suposição, Estados ditos “democráticos” pretendiam legitimar suas ações contra o direito à livre associação de trabalhadores, condenando sindicatos, acusando-os de conspiração ou de agirem de modo a restringir o comércio. Portanto, conclui que o que ocorria no Canadá era a expressão local de um fenômeno comum aos regimes capitalistas em geral.

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Embora tenha reduzido as atividades políticas na década de 1940, Maurice Spector manteve viva a memória do “socialismo revolucionário” contra o processo de burocratização que ocorreu no governo de Stálin. Ademais, contribuiu diretamente para a construção de um movimento socialista que alcançou algumas vitórias locais, tais como: a organização dos trabalhadores; o fortalecimento das lutas por melhores salários através de greves; a mobilização popular por meio de manifestações que pressionavam pela ampliação dos direitos do trabalhador assalariado – nas quais se reivindicou benefícios como seguro-desemprego, seguro-saúde, educação gratuita, salário-mínimo, regulamentação da jornada de trabalho e feriados. Por suas reflexões, trajetória e atuação política, Spector é considerado um dos mais importantes nomes da história do marxismo canadense.

 

3 – Comentário sobre a obra

Não obstante a relevância da sua atuação como dirigente partidário e intelectual, os escritos de Maurice Spector não foram, até então, reunidos e publicados em formato livro. A maior parte de seus textos ainda estão dispersos em jornais e revistas – do CPC e da liga opositora LCA-OP –, conservados em bibliotecas e arquivos do Canadá. Tratam-se de artigos em que discute temas como teoria marxista, programas de ação coletiva, história e conjuntura política. Para guiar o leitor quanto a sua obra, apresentamos a seguir alguns de seus principais escritos, que podem ser encontrados em portais ou em fontes secundárias (como publicações de estudiosos do autor).

Em 1916, com apenas 18 anos, Spector publicou três artigos no jornal The Canadian Forward, que foram republicados no portal do Socialist History Project (www.socialisthistory.ca): “The divorce of principle and practice” [“O divórcio entre princípio e prática”], uma crítica da classe média em relação à propriedade privada e a santidade da família nuclear; “Socialist influence on social progress” [“Influência socialista sobre o progresso social”], análise sobre a hipocrisia dos partidos políticos capitalistas e a crescente influência da pauta socialista; e “Shakespeare’s age and our own” [“A era de Shakespeare e a nossa”], uma detalhada análise das contribuições do escritor inglês para pensar o contexto histórico do século XX.

Seus textos publicados no fim dos anos 1920 e na década de 1930 em órgãos da LCA-OP e na revista teórica do Partido Socialista dos Trabalhadores dos EUA (SWP), The New International, podem ser lidos no portal Marxists (www.marxists.org). Entre os mais importantes, destacamos: “Statement to the Canadian Party” [“Declaração ao Partido Canadense”], uma carta de Spector de novembro de 1928 a seu partido (CPC), na qual defende o leninismo, o socialismo internacional e rebate as acusações contra Trótski feitas pela IC; “Anti-communist arrests in Canada” [“Prisões anti-comunistas no Canadá”] (ago. 1931), em que defende o CPC contra a repressão do estado canadense; “The State and the trade unions in Canada” [“O Estado e os sindicatos no Canadá”] (abr. 1932), no qual critica a política de enfraquecimento dos sindicatos promovida pelo governo de Richard Bedford.

Publicados na rede, há ainda artigos sobre temas históricos como a Comuna de Paris – “The tradition of the communards” [“A tradição dos comuneiros”], de 1936; o assassinato de Rosa Luxemburgo – “Rosa Luxemburg: on the anniversary of her assassination by the german social democrats” [“Rosa Luxemburgo: no aniversário de seu assassinato pelos social-democratas alemães”], de 1932; e também vários textos acerca dos acontecimentos internacionais da década de 1930, como “The crisis in fascism” [“A crise no fascismo”] (1934), sobre o surgimento de fascismo, e “The danger of war and the defense of the Soviet Union” [“O perigo da guerra e a defesa da União Soviética”] (1935).

Em português, Spector não teve ainda escritos traduzidos, mas pode-se encontrar disponível na rede, em espanhol, o interessante ensaio “El colapso del New Deal” – originalmente “The collapse of the New Deal” (The New International, v. 4, n. 6, jun. 1938) –, tradução do Centro de Estudios, Investigaciones y Publicaciones ‘León Trotsky’ (https://ceip.org.ar), em que o marxista canadense analisa os cinco anos do New Deal [Novo Acordo]: a série de políticas econômicas e sociais implementadas nos EUA entre 1933 e 1937, sob a presidência de Franklin Roosevelt, com o intuito de recuperar a economia do país abalada pela depressão historicamente conhecida como a Crise de 1929. No texto, ele pondera que, após 5 anos do programa, não há muito a “celebrar”: a “efêmera recuperação se mostrou uma ilusão”; o nível de produção industrial “afundou” aos precários níveis de entre 1929 e 1933, sendo que no último ano os valores das ações da Bolsa de Nova Iorque se reduziram significativamente; e ainda que Roosevelt tenha chegado para tentar “salvar o capitalismo”, gastando para tanto uma fortuna, “a crise social” estadunidense já não é “uma mera flutuação crítica”, mas um “estado de declínio que exclui todas as perspectivas de um novo período de genuína expansão ou estabilidade duradoura”. Note-se aqui que, com sagacidade, Spector aponta em sua análise o aspecto sistêmico (ou estrutural) da crise do sistema capitalista, superexposta em 1929 (apesar de depois temporariamente ocultada pelo aquecimento capitalista obtido com a II Guerra), evento que afetou “todas as classes” e “aspectos da atividade econômica”. Em suas palavras: “a atual depressão é uma etapa em desenvolvimento desta crise permanente das relações econômicas e sociais do capitalismo”.

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Artigos de Maurice Spector foram publicados também em coletâneas marxistas, mas um livro efetivamente seu ainda não veio à luz. Personagem importante para a história de seu país – e do marxismo na América –, sua memória e ideias mereceriam este trabalho de organização, que oxalá seja realizado por pesquisadores e militantes interessados em suas contribuições políticas e teóricas, relevantes sobretudo ao marxismo canadense.

4 – Bibliografia de referência

ANGUS, Ian. Canadian bolsheviks: the early years of the Communist Party of Canada. Bloomington-Indiana: Trafford Publishing, 2004.

CHÂTEAUNEUF, Lëa-Kim. “Maurice Spector”. Savoirs libres (Calendrier de l’avent du domaine public), dez. 2018. Disp: https://avent.savoirslibres.ca/maurice-spector.

DOWSON, Ross. “Maurice Spector, 1898-1968”. Workers Vanguard, Toronto, 26 ago. 1968. Disp.: https://www.socialisthistory.ca.

MCKAY, Ian. Rebels, Reds, Radicals: Rethinking Canada’s Left History. Toronto: Between the Lines, 2005.

O’BRIEN, Gary. “Maurice Spector and the Origins of Canadian Trotskyism”. Dissertação de Mestrado, Universidade Carleton, 1974.

PALMER, Bryan D. “Maurice Spector, James P. Cannon, and the Origins of Canadian Trotskyism”, Labour/Le Travail, Peterborough, Canadá, v. 56, 2005. Disp.: https://historycooperative.org.

______. James P. Cannon and the emergence of trotskyism in the United States, 1928–38. Leiden/Boston: Brill, 2021.

PURDY, R. Sean. Radicals and revolutionaries: the history of canadian communism from the Robert S. Kenny Collection. Toronto: Thomas Fisher Rare Book Library/ University of Toronto, 1998.

THOMPSON, Mitchell. “Canada’s communists played a vital role in the workers’ movement”. Jacobin, mai. 2021. Disp: https://jacobin.com.

WEISLEDER, Barry. “Cannon’s concept of the revolutionary party”. Socialist Action Canada, Toronto, mai. 2018. Disp.: https://socialistaction.ca.

Notas

* Robert Sean Purdy é professor de História da América da Fac. Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Univ. São Paulo; graduado em História (Carleton University/ Canadá), mestre e doutor em História Urbana (Queen’s University/ Canadá), com pós-doutorado em História Social (Univ. of Chicago/ EUA). Autor de, entre outras obras: From place of hope to outcast space (Queen’s Univ., 2003) e O general estadista: Douglas MacArthur (Intermeios, 2018)

* Pedro Rocha F. Curado é coordenador do Núcleo Práxis-USP e editor do Dicionário marxismo na América</em>; professor do Inst. Relações Internacionais e Defesa da UFRJ; doutor em Economia Política (UFRJ), bacharel em Ciências Sociais (UFRJ), com pós-doutorados em Rel. Internacionais pela EHESS/França e pela UFRJ; é pesquisador do Laboratório de Estudos em Segurança e Defesa. Autor de, entre outras obras: A guerra fria e a ‘cooperação ao desenvolvimento’ com os países não-alinhados (UFRJ/EHESS, 2014). 

* Argus Romero Abreu de Morais é professor de Linguística e pesquisador do Núcleo Práxis-USP; doutor em Linguística (UFMG/Univ. Paris-Est Créteil) e graduado em História  (UFC), com pós-doutorados em Cognição (UESB), Discurso Político (UFSJ), Mídias Digitais (UFRJ) e Retórica (Univ. Buenos Aires). Autor de, entre outras obras: O pensamento inatingível (UFMG, 2015) e Engajamentos contemporâneos: linguagem, política e educação (Pontes, 2022).

* Com colaboração e edição de texto de Yuri Martins-Fontes e Joana Aparecida Coutinho, este artigo foi originalmente publicado no portal do Núcleo Práxis-USP, sendo um dos verbetes do Dicionário marxismo na América</a>; permite-se sua reprodução, sem fins comerciais, desde que citada a fonte (nucleopraxisusp.org) e que seu conteúdo não seja alterado. Sugestões e críticas são bem-vindas: nucleopraxis.usp.br@gmail.com.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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