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Arte: Marcelo Guimarães Lima

O marxismo de Vicente Lombardo Toledano, fundador da Confederação de Trabalhadores da América Latina

Professor, advogado, sindicalista, político e jornalista, foi fundador também do Partido Popular Socialista mexicano, com destacada atuação nos debates públicos do período pós-revolucionário
Pedro Rocha Curado, Athos Vieira
Dicionário Marxismo na América
São Paulo (SP)

Tradução:

1 – Vida e práxis política

Vicente Lombardo Toledano nasceu no estado de Puebla, no seio de uma família de comerciantes de origem italiana. Seu pai, Vicente Lombardo Carpio, possuía propriedades e investimentos no setor de mineração, além de ter se envolvido com a política, sendo eleito prefeito de Teziutlán, em 1905. A infância e a juventude de Lombardo Toledano se passaram entre a última década do governo do general Porfirio Díaz (1876-1911) e as repercussões da Revolução Mexicana de 1910. O turbulento contexto social de seus anos de formação contribuiu para edificar nele o interesse pela política e história mexicana.

Lombardo teve o privilégio de frequentar boas escolas; após realizar os primeiros anos de estudos no Liceo Teziuteco, foi enviado, em 1909, à Cidade do México para se matricular na Escuela Comercial Francesa. No ano seguinte, foi aprovado na prestigiosa Escuela Nacional Preparatoria, onde terminaria a formação escolar.

Em 1914, ingressou na Faculdade de Direito da Universidad Nacional de México (UNM) – que em 1929 viria a ser denominada Universidad Nacional Autónoma de México – e logo direcionou seus estudos para temas sociais. Fundou, com seis companheiros, a Sociedad de Conferencias y Conciertos (1916), inspirados na experiência do Ateneo de la Juventud Mexicana – grupo que reuniu intelectuais críticos ao pensamento positivista dominante durante a época de Porfirio Díaz. O objetivo desta sociedade era promover uma cultura humanista entre estudantes e trabalhadores através de leituras públicas sobre o socialismo e debates sobre justiça, democracia, educação e sindicalismo. Os tempos eram favoráveis às pautas progressistas; as diretrizes sociais expressas na nova Constituição de 1917 – a primeira a conferir aos direitos trabalhistas um tratamento universal, além de garantir liberdades políticas e individuais de expressão, culto e associação – indicavam um país em rápida transformação.

No ano de 1917, Lombardo assumiu o cargo de secretário da Universidad Popular Mexicana, posto que lhe permitiu atuar mais próximo ao movimento sindical. Tal relação nortearia sua atuação como político e educador por toda a vida. Dois anos depois, ele se licenciou em Direito. Em 1921, casou-se com Rosa María Otero Gama – com quem teve três filhas.

Nesta década, passou a dividir sua atuação entre a política, o sindicalismo e a docência – atividades que desde então desempenharia sempre. Foi também nessa época que aprofundou seus estudos acerca do marxismo, passando a adotar o materialismo histórico como chave de leitura e interpretação das sociedades humanas, em particular a mexicana.

No campo sindical, em 1921, associou-se à Confederación Regional Obrera Mexicana (CROM) – então a maior organização sindical do país –, logo se tornando membro do Comitê Central deste sindicato (entre 1923 e 1932); posteriormente, porém, rompeu tal ligação por divergências internas com a corrente colaboracionista pró-governo, e sua atuação sindicalista se estenderia por outras organizações.

Já a carreira política de Lombardo Toledano teve início ao assumir o posto de governador interino de Puebla, diante de um contexto de forte crise institucional (entre 1923 e 1924). Em seguida, elegeu-se duas vezes para o cargo de deputado do Congresso da União (períodos de 1924-1925 e de 1926-1928), ambos pelo Partido Laborista Mexicano. Seus mandatos ficaram marcados por sua participação nas discussões pela regulação dos direitos trabalhistas, o que culminou com a promulgação da Ley Federal del Trabajo (de 1931) – voltada para o aprofundamento dos aspectos individuais, coletivos, administrativos e processuais do trabalho.

Em 1927, tornou-se secretário-geral da Confederación Mexicana de Maestros; em 1932, da Federación de los Sindicatos Obreros del Distrito Federal (FSODF).

A partir 1933 (até 1946) dirigiu a Revista Futuro, publicação que reuniu a intelectualidade revolucionária da época, discutindo temas-chave como a realidade mexicana, o movimento operário internacional e a II Guerra.

No campo educacional, após acumular experiência com atividades docentes em diferentes institutos nos anos anteriores, Lombardo ajudou a fundar duas universidades: a Universidad Gabino Barreda (que só durou de 1934 a 1936); e a Universidad Obrera de México, fundada em 1936 (em atividade até hoje). Nesta última, lecionou disciplinas como “História das Doutrinas Filosóficas”, “Materialismo Dialético”, “Economia Política”, “Direito Trabalhista”, “História do México” e “História do Imperialismo”, entre outras. Assumiu o posto de reitor nas duas instituições (naquela, entre 1934 e 1936, nesta, entre 1937 e 1968).

Em 1935, viajou para a União Soviética, interessado em conhecer de perto o desenvolvimento político e social do país; visitou várias cidades (como Carcóvia, Bacu, Tiblíssi e Sótchi) e, em Moscou, participou do VII Congresso da Internacional Comunista (IC). Este evento ficou marcado pela diretriz, feita aos Partidos Comunistas do mundo, de buscarem a construção de “frentes amplas” multiclassistas, como forma de conter o avanço dos partidos de extrema-direita em seus países; as deliberações da IC tiveram grande influência no desenvolvimento das estratégias políticas defendidas pelo marxista.

Entre 1936 e 1940, Lombardo foi secretário-geral da Confederación de Trabajadores de México (CTM) – criada em 1936 para substituir a CROM. Durante este período, defendeu o apoio da organização ao governo do general Lázaro Cárdenas (1934-1940), pois o considerava “progressista”, tanto por implementar um programa de reforma agrária como por colaborar para a união dos mexicanos através da propagação de noções de equidade e do fortalecimento de uma consciência de “nação” – dois legados da Revolução Mexicana.

A boa relação que manteve com o governo Cárdenas lhe permitiu avançar com novos projetos nos campos sindical e educacional. Assim, em 1938, ajudou a criar a Confederação de Trabalhadores da América Latina (CTAL), a maior organização trabalhista do continente (que em seu auge reuniu centrais sindicais de 14 países americanos) – da qual seria o presidente desde sua fundação até seu encerramento, em 1963.

Entre 1945 e 1964, exerceu também o cargo de vice-presidente da Federação Sindical Mundial (FSM) – com sede em Paris, da qual passou a receber apoio institucional para a realização de greves e ajuda financeira para apoiar trabalhadores desempregados e presos.

No imediato pós-II Guerra, sua relação com o novo governo de Miguel Alemán Valdés (1946-1952), do Partido Revolucionario Institucional (PRI), se deteriorou. Lombardo considerava sua política externa demasiadamente alinhada aos Estados Unidos e, além disso, as políticas públicas adotadas pelo governo deixavam de contemplar as demandas das classes populares. Era necessário, portanto, buscar novos formas de fazer política.

Foi daí que nasceu a ideia de fundar um partido, cujo objetivo seria impulsionar as demandas da população mais pobre, sem que isso significasse uma oposição frontal ao governo – o que Lombardo chamou de “pressionar apoiando, de forma independente e crítica”. Como produto dessa ideia, em 1948 foi criado o Partido Popular. Seu programa de governo contemplava três princípios básicos: a independência política da nação; as elevações das condições de vida da população; e a ampliação do regime democrático.

Unión General de Obreros e Campesinos de México (UGOCM), criada em 1949, seria a organização responsável por fornecer a principal base social de apoio proletário-camponesa ao partido. Lombardo chegou a lançar-se candidato à presidência em 1952, ficando em 4º lugar.

Em 1960, o PP foi rebatizado para Partido Popular Socialista (PPS). Seu programa reivindicava a instauração de um regime democrático “do povo”, sob a direção prática e ideológica do proletariado, mas aliado aos camponeses e setores da burguesia considerados progressistas, visando preparar terreno para a construção de uma via mexicana ao socialismo. Pelo novo partido, Lombardo voltou a ser eleito para o posto de deputado do Congreso de la Unión (1964-1967), três décadas depois.

Vicente Lombardo Toledano faleceu em 1968, aos 74 anos. Em 1994, seus restos mortais foram transferidos para a Rotonda de las Personas Ilustres – cemitério que reúne personalidades da história mexicana.

2 – Contribuições ao marxismo

Desde a juventude, Lombardo Toledano esteve engajado no debate político e acadêmico mexicano. Suas principais contribuições estão registradas em livros, artigos de jornais, panfletos, conferências e entrevistas. Nelas, o autor aborda uma variedade de temas que englobam desde debates teóricos sobre a ciência até reflexões sobre a condição dos indígenas e das mulheres.

Uma de suas principais contribuições diz respeito à maneira como buscou interpretar a história mexicana. Apoiado nas categorias do materialismo histórico, dedicou-se a compreender as particularidades do desenvolvimento social e econômico de seu país e a discutir os diferentes impactos da Revolução Mexicana (1910).

Para tanto, partiu da constatação de que o Estado mexicano nunca havia sido uma entidade política plenamente independente, dada sua condição de nação historicamente submetida à influência dos interesses econômicos e políticos de países imperialistas. Estes, segundo o marxista, atuavam no país em associação com certas frações das burguesias agrárias e urbanas, caracterizadas por suas ligações com os setores de exportação e por interesses atrelados aos do capital estrangeiro. Tal articulação entre as elites nativas e o imperialismo havia capturado o poder do Estado, produzindo uma ordem social responsável tanto pela perenidade de uma estrutura produtiva primário-exportadora como pela manutenção de uma sociedade muito hierarquizada, excludente e desprovida de um verdadeiro componente nacional. Escrevendo durante o entreguerras, Lombardo acreditava que, para que houvesse uma real mudança na engrenagem social herdada, seria necessário que o Estado fosse capaz de defender sua autonomia política diante das investidas do imperialismo estadunidense, e isso não ocorreria sem a destituição do poder da tradicional classe dirigente associada aos latifúndios.

Nesse ponto, Lombardo confere particular relevância à Revolução Mexicana, vista como um evento maior, detonador de novos rumos – afinal havia feito da luta anti-imperialista e da reforma agrária referências para governos posteriores que reivindicassem a herança dos ideais revolucionários. A mudança de rumos, porém, não ocorreria sem luta política, e seria necessário organizar as classes trabalhadoras, buscando a formação de uma frente ampla que contasse com o apoio das frações “progressistas” da burguesia interna; a pressão exercida pela sociedade civil forneceria o suporte popular às novas lideranças comprometidas com a realização das pautas revolucionárias.

Seu entendimento de que a Revolução havia inaugurado novas possibilidades para a ação política o instigou a refletir sobre a formação e o desenvolvimento do México enquanto Estado e nação. Para ele, a revolução democrático-burguesa mexicana se realizou somente após um longo processo histórico repleto de contradições e marcado por três eventos disruptivos: a Independência, de 1820; as reformas de Benito Juárez, de 1857; e a Revolução Mexicana, de 1910. Nessa cronologia histórica, cada evento-chave retomaria as promessas não realizadas da fase anterior.

A Independência, por exemplo, fez do México uma nação formalmente autônoma, mas seus ideais emancipatórios, associados à formação de uma sociedade de cidadãos livres e um governo organizado segundo princípios republicanos, não se concretizaram. Afinal, após três séculos de colonização, o México independente havia herdado um modo de produção “semifeudal”, baseado na concentração de terras nas mãos de uma minoria; na abundância de trabalhadores majoritariamente camponeses sem boas qualificações profissionais e vulneráveis à exploração exercida pelos senhores de terras; na forte influência política da Igreja; e em um Estado que garantia monopólios e privilégios para as classes dominantes.

Apoiado nas categorias do materialismo histórico, Lombardo dedicou-se a compreender as particularidades do desenvolvimento social e econômico de seu país e a discutir os diferentes impactos da Revolução Mexicana (1910) (Arte: Marcelo Guimarães Lima)

Com as reformas impulsionadas por Benito Juárez (1857-1861), as propostas de cunho social e político que emergiram no contexto da independência foram retomadas: a constituição de 1857, de inspiração liberal, buscou emular o Estado de direito moderno. Novas leis foram estabelecidas, garantindo a separação entre o Estado e a igreja, e medidas adicionais foram tomadas para suprimir o poder eclesiástico – como a nacionalização das propriedades do clero.

Entretanto, os avanços obtidos com a Reforma perderam vigor com os eventos subsequentes, marcados pela II Intervenção Francesa no México (1862-1867) e pelo longo governo autoritário de Porfirio Díaz – que se caracterizou pela forte expansão do investimento estrangeiro no país, fortalecendo laços de dependência com o capital inglês e estadunidense. Além disso, o trabalho no campo permanecia predominantemente estruturado em torno de “relações de exploração semifeudais”, o setor industrial engatinhava e a concentração de renda mantinha-se alta. Não obstante, o caminho para a revolução foi sendo gradualmente pavimentado pelo incremento de interesses conflitantes entre setores da sociedade em transformação: trabalhadores rurais, industriais e pequenos proprietários do campo frequentemente se colocavam contra as aspirações dos latifundiários; e os setores nacionalistas se ressentiam da dominância do capital estrangeiro. Foram tais contradições que levaram à Revolução Mexicana de 1910.

Por “revolução”, Lombardo entendia um movimento de massas, necessariamente composto por setores desfavorecidos, como trabalhadores urbanos e camponeses. O fenômeno seria produto das contradições existentes no interior de sociedades, em determinado momento da evolução histórica do Estado. Suas implicações levariam à substituição da ordem social existente por uma nova, erigida sob um novo regime de propriedade, além da ascensão ao poder de uma nova classe dominante. Portanto, uma revolução não terminava com a tomada do poder, mas após um longo processo, quando um novo sistema social finalmente estivesse consolidado.

Desse modo, a Revolução de 1910 teve um papel particular: representou a culminação da revolução nacional-burguesa, fruto de um longo processo iniciado com a independência. Tratava-se, segundo Lombardo, do último episódio de uma luta secular contra o poder do grande latifúndio, visto como a encarnação do “feudalismo” nativo. Por fim, trazia ainda um componente original: havia sido a primeira revolução da história dotada de um caráter abertamente anti-imperialista, para além de suas colorações liberal e antifeudal. Assim, o marxista percebia o contexto do entreguerras com relativo otimismo, pois o enfraquecimento do poder do latifúndio criava condições materiais para o desenvolvimento das forças produtivas mexicanas – algo manifesto tanto pelos programas de industrialização apoiados pelos governos revolucionários como pela ampliação e consolidação da classe trabalhadora urbana e organizada.

Tal entendimento da história mexicana e da conjuntura política orientou a ação militante de Lombardo. Há, em seus escritos e pronunciamentos, a tentativa de contribuir para a formação de uma consciência de classe emancipadora, capaz de levar o proletariado à condição de sujeito histórico transformador da realidade.

Já nos debates acadêmicos, o marxista mexicano contrapôs o materialismo dialético às demais tradições filosóficas, defendendo sua superioridade. Um exemplo disso está na maneira como ele se referia ao “idealismo”: uma doutrina voltada para legitimar a ordem burguesa no contexto de sua crise, marcada pela era dos imperialismos do final do século XIX – incompatível, portanto, com os novos rumos da história. As contradições entre o idealismo metafísico e o materialismo dialético eram também verificadas através das premissas adotadas por cada corrente. O idealismo metafísico assumia como pontos de partida elementos como a primazia do pensamento sobre o ser; a imutabilidade do universo; e a concepção de uma realidade moldada a partir da perspectiva de quem vê. Por sua vez, o materialismo dialético enfatizava o primado da matéria sobre o espírito; um universo mutável e em constante movimento; e a existência de uma realidade concreta das coisas, a qual poderia ser apreendida por meio da razão. Ao alcançar uma verdadeira consciência do real, o indivíduo tornar-se-ia capaz de se libertar da alienação moral e material e agir de modo criativo e transformador.

Essas ideias estiveram presentes no debate que Lombardo travou com Antonio Caso, filósofo e professor emérito da Universidad Nacional Autónoma de México, vinculado à corrente idealista; na famosa controvérsia, discutiram sobre temas ligados às formas de se conceber a natureza e a cultura, prioridades acadêmicas e métodos de ensino da História e da Ética. Entretanto, o tópico de maior repercussão relacionava-se ao posicionamento ideológico das universidades frente aos problemas do mundo moderno. A polêmica teve início no I Congreso de Universitarios Mexicanos (1933), estendendo-se posteriormente para uma série de artigos (com réplicas e tréplicas) publicados por ambos no jornal El Universal. Enquanto Caso defendeu a pluralidade de visões dentro da universidade, Lombardo insistiu na adoção do materialismo dialético como método de referência para a educação pública – entendia que somente assim os jovens saberiam como agir para tornar a sociedade mais justa.

No âmbito das lutas sindicais, Lombardo defendeu a aliança dos trabalhadores urbanos com outros setores da sociedade – como camponeses, artesãos, intelectuais, pequenos comerciantes, parte da burguesia e grupos associados ao centro político –, a fim de reunir forças capazes de influenciar os rumos da política nacional, especialmente de governos identificados com a agenda progressista. A estratégia de alianças derivava de uma constatação pragmática: o proletariado mexicano, embora potencialmente revolucionário, não era autossuficiente em termos políticos. O objetivo, portanto, consistia em destravar o desenvolvimento das forças produtivas para que o Estado lograsse obter a independência econômica e política. A atuação de Lombardo junto às centrais sindicais nas décadas de 1920 e 1930, como a Confederación Regional Obrera Mexicana (CROM), a Confederación General de Obreros y Campesinos de México, e a Confederación de Trabajadores de México (CTM), refletiam essa preocupação.

No plano internacional, Lombardo defendeu a articulação das lutas sindicais mexicanas com as que ocorriam na América Latina; a criação de uma rede de solidariedade internacional tenderia a fortalecer cada uma das centrais sindicais em suas reivindicações locais. Tal interpretação teve repercussão no campo da ação política: Lombardo idealizou e ajudou a criar, em 1938, uma organização responsável por articular estratégias comuns para as centrais sindicais dos países latino-americanos: a Confederação de Trabalhadores da América Latina. Seu principal objetivo consistia no apoio a governos com o perfil de democracias populares, em que as principais bases sociais fossem os sindicatos. Em suma, a CTAL refletia a preocupação tanto com a construção de uma rede de suporte institucional para as lutas de emancipação nacional do continente como também a criação de um meio de contenção dos interesses expansionistas dos Estados Unidos na região.

Lombardo Toledano manteve-se independente da Internacional Comunista, não tendo se vinculado ao Partido Comunista de México (PCM). Entretanto, apoiou a atuação da organização, assim como defendeu o regime soviético, entendendo que ambos representavam frentes importantes da luta anti-imperialista. Quando León Trótski obteve permissão para exilar-se no México (1936-1940), o marxista mexicano valeu-se de sua posição de secretário-geral da CTM para demonstrar seu desagravo; considerava o pensamento trotskista sectário e contrarrevolucionário, especialmente pelas críticas que fazia às estratégias de formação de amplas alianças que convergissem as pautas das classes trabalhadoras com as de outros setores da sociedade.

No pós-II Guerra Mundial, o pensamento de Lombardo foi tocado pela emergência da Guerra Fria e o consequente recrudescimento do anticomunismo nos EUA e em outros países da América. Neste novo contexto, relações anteriormente estabelecidas com organizações trabalhistas de diferentes países do continente foram negativamente impactadas. Para ele, o incremento da ingerência dos governos estadunidenses na América – manifesto na expansão do poder de suas multinacionais e do apoio a golpes de Estado contra governos progressistas (como na Guatemala em 1954, na República Dominicana em 1963 ou no Brasil em 1964) – expressava a ação de forças contrarrevolucionárias, responsáveis por deter o processo de formação de Estados politicamente independentes, dotados de indústrias nativas e organizações trabalhistas atuantes.

As contradições daquela conjuntura histórica também evidenciavam eventos vitoriosos do campo socialista; a Revolução Cubana (1959), por exemplo, foi saudada por Lombardo e vista como uma forma de propagação dos ideais emancipatórios da Revolução Mexicana através do continente. Tal acontecimento reforçou no marxista a percepção de que a luta anti-imperialista deveria ser travada tanto no campo doméstico como na promoção do internacionalismo proletário.

3 – Comentário sobre a obra

Profundamente impactado pelos desfechos da Revolução Mexicana, Lombardo Toledano reivindicou a herança intelectual marxista e leninista para interpretar a história de seu país, refletir sobre a conjuntura política e propor estratégias para a ação coletiva. Seus escritos abrangem entrevistas, artigos e livros, em que debateu questões de distintas campos (como o teórico, o político e o sindical), defendendo, entre outras pautas: a industrialização, a ampliação dos direitos trabalhistas, a formação de sindicatos combativos e um sistema educacional “progressista” que entendesse a educação como ferramenta de transformação social.

Seus primeiros livros datam de 1919: El derecho público y las nuevas corrientes filosóficas (Cidade do México: Imprenta “Victoria”), fruto de seu trabalho de conclusão de curso na Faculdade de Direito (UNM); e La influencia de los héroes en el progreso social (C. México: Imprenta “Victoria”), baseado em palestra realizada para a Alianza de Ferrocarrileros Mexicanos, na qual discutiu questões sociais a partir de perspectiva filosófica da moral e da justiça.

Entretanto, foi ao longo da década de 1920 que se tornou conhecido no debate nacional, graças a suas interpretações do processo histórico de formação do México e opiniões sobre a conjuntura política mexicana e internacional. São desse período trabalhos que abordam temáticas relacionadas ao ensino que deveria prevalecer nas escolas e centros de formação públicos, como ocorre em Ética: sistema y método para la enseñanza de la moral en las escuelas elementares y profesionales (C. México: Ediciones México Moderno, 1922). E, especialmente, textos que investigam historicamente a relação entre o imperialismo estadunidense, as elites agrárias mexicanas e a condição dos trabalhadores no país, buscando refletir sobre os elementos que definiam o caráter da luta de classes no momento em que escrevia, como por exemplo: La doctrina Monroe y el movimiento obrero (C. México: Talleres Linopográficos “LaLucha”, 1927), La libertad sindical en México (C. México: Talleres Linop. “LaLucha”, 1927), Bibliografía del trabajo y la previsión social en México (México: Secretaria de Relaciones Exteriores, 1928), e El contrato sindical de trabajo (C. México: Talleres Linop. “LaLucha”, 1928).

Tais investigações focadas na história econômica e social mexicana levaram o autor a sistematizar uma interpretação própria do processo de formação do Estado e da nação mexicana, expostas na conferência “El sentido humanista de la Revolución Mexicana”, posteriormente publicada sob a forma de um artigo (Revista de la Universidad de México, tomo I, n. 2, 1930), em que buscou interpretar a Revolução de 1910 desde a perspectiva do materialismo histórico. Como argumento central, defendeu que a revolução democrático-burguesa mexicana foi finalmente realizada com a Revolução de 1910 após uma longa história marcada por momentos de inflexão crucias, como a Independência (1820) e as reformas de Benito Juarez (de 1857).

Nos anos seguintes, dedicou-se tanto a temas mais específicos e antropológicos quanto a abordagens generalistas e teóricas. Em Geografía de las lenguas de la Sierra de Puebla (C. México: Sección Editorial, 1931), propõe uma abordagem pedagógica escolar adaptada a cada região linguística, valorizando o papel das línguas nativas em lugar do idioma espanhol, as quais seriam mais eficazes para o ensino, posto que fazem parte da maneira como essas populações formam seu entendimento da vida e do mundo.

Em Un viaje al mundo del porvenir (C. México: Universidad Obrera de México, 1936) reúne seis conferências em que Lombardo analisa o processo de transformação social e econômica ocorrido na União Soviética, extraindo ensinamentos desta experiência para pensar os rumos da Revolução Mexicana e projetar cenários futuros.

Nos anos seguintes foram publicados: Escritos filosóficos (C. México: Editorial México Nuevo, 1937) e El papel de la juventud en el progreso de México (C. México: El Popular, 1940). Ademais, entre outros textos desse período estão: Nuestra lucha por la libertad (C. México: Univ. Obrera de México, 1941), Actualidad militante de la obra y de los ideales del padre Hidalgo (C. México: Univ. Michoacana, 1943) e Johann Wolfgang von Goethe (C. México: Bewegung Freies Deutschland, 1944).

Após o fim da II Guerra, Lombardo publicou Diario de un viaje a la China Nueva (C. México: Futuro México, 1950), em que apresenta um relato de viagem descrevendo o percurso que fez do México até a China, durante o ano revolucionário de 1949. O périplo foi começado em Amsterdam, de onde seguiu de trem para Praga e depois Moscou, para então, pela ferrovia Transiberiana, chegar a Pequim – onde participou de uma Conferência da FSM. No livro, expõe ainda suas impressões da China, especialmente de sua capital, antes de comentar seu retorno ao México, via URSS.

No livro Teoría y práctica del movimiento sindical en México (C. México: Univ. Obrera de México, 1961), o autor retraça a história do movimento sindical mexicano, confrontando o processo histórico de sua formação e desenvolvimento com os debates teóricos sobre o movimento sindical que ocorriam desde a I Internacional. Os textos presentes no livro correspondem a três conferências (“La teoria sindical”, “Origen y evolución del movimiento sindical mexicano” e “Los problemas de la unidad”) organizadas pela Frente Nacional de Unificación Revolucionaria del Magisterio.

Em 1962, foram publicados La filosofía y el proletariado (C. México: Morelia) e La izquierda en la historia de México (C. México: Edic. del Partido Popular Socialista). Neste último, foram reunidos textos redigidos entre 1961 e 1962, nos quais Lombardo discutiu o conceito político de “esquerda” na história mexicana. Segundo ele, a ideia de “esquerda” está vinculada a todo movimento contrário aos governos imperialistas e a favor da justiça social e progresso econômico dos trabalhadores. Nesta linha, a resistência indígena à invasão europeia seria o gérmen da esquerda no México, o que logo se transformaria ao longo dos séculos. Conquista, Independência e Revolução foram, desta forma, diferentes eventos da história mexicana, durante os quais pensamentos libertários entraram em conflito com as forças reacionárias de cada situação – identificadas sobretudo com a Coroa Espanhola, a Igreja Católica e a burguesia exportadora vinculada aos interesses imperialistas. Em um ensaio deste livro – “Las revoluciones y los partidos políticos” –, o autor se valeu da Revolução Cubana como exemplo paradigmático das revoluções modernas na América Latina; comparando-a com a Revolução Mexicana, demarcou diferenças entre ambos os movimentos e tempos históricos. No caso cubano, o apoio internacional, principalmente devido à formação do bloco socialista após a Revolução Russa (posterior à Revolução Mexicana) e o apoio da classe trabalhadora nacional, mobilizada durante as décadas anteriores pelo Partido Socialista Popular cubano, constituíram diferenças vitais entre ambos os eventos. Tais diferenças reforçavam a percepção de Lombardo de que a estratégia política da esquerda mexicana, na década de 1960, deveria ser a manutenção da busca de uma frente ampla contra os interesses imperialistas – cálculo este que se baseava em duas premissas: a esquerda, sozinha, não representava a maior parte do pensamento político nacional; e nem todos os grupos que não se identificavam com a esquerda eram de direita ou a favor do imperialismo.

Já no livro Moscú o Pekin: la via mexicana al socialismo (C. México: Partido Popular Socialista, 1963), o autor usa as experiências socialistas chinesa e soviética como espelho para identificar as particularidades históricas do México e refletir o desenvolvimento de uma via mexicana ao socialismo na conjuntura da época. Do mesmo ano também são La batalla de las ideas de nuestro tiempo (C. México: Univ. Obrera de México, 1963); La Constitución de los cristeros (C. México: Edit. Librería Popular, 1963); e Idealismo versus materialismo: polémica Caso-Lombardo (C. México: Univ. Obrera de México, 1963) – um compilado de artigos ligados à “controvérsia Caso-Lombardo Toledano”.

O livro Summa (C. México: Univ. Obrera de México, 1964) defende a razão humana de criar um destino comum e a obrigação da responsabilidade individual. Para o marxista, os países capitalistas haviam entrado na fase final de seu desenvolvimento, agravando cada vez mais suas contradições internas; nestes contextos de crise, criavam-se as condições para a “luta entre o que morre e o que surge”.

No ano seguinte foi publicado seu último livro em vida: Partido de cuadros o partido de masas (C. México: Secretaria de Educación Política y Propaganda del PPS, 1965).

Após a morte de Lombardo Toledano, foram publicados livros de sua autoria reunindo textos sobre variados temas, alguns agrupando escritos que abordavam um determinado assunto em diferentes períodos – como é o caso da questão agrária, dos sindicatos, da condição indígena e de debates filosóficos. Em 1990, a quase totalidade de seus textos foi organizada para a publicação de Obras Completas (Puebla: Gobierno del Estado de Puebla), dividida em três tomos.

Entre estes livros póstumos menciona-se El problema del índio (C. México: SepSetentas, 1973), com ensaios sobre a questão indígena, em que se argumenta que o indígena não foi destruído nas Américas, mas submetido a um regime de servidão; e que apesar da sujeição histórica e colapso civilizacional dos nativos é forte sua resistência cultural. Já En torno al problema agrario (C. México: Confederación Nacional Campesina e Partido Popular Socialista, 1974) reúne artigos acerca da questão agrária, das especificidades da produção no campo e da reação promovida pelos latifundiários. Outra obra póstuma de destaque é La batalla de las ideas en nuestro tiempo (C. México: Univ. Obrera de México, 1975), em que é discutida a evolução do pensamento humano a partir de suas concepções mágicas e religiosas, até o enfrentamento entre as teses do materialismo e do idealismo.

O livro Escritos a la juventud (C. México: Centro de Est. Filosóficos, Políticos y Sociales V. Lombardo Toledano, 2013) compila textos de entre 1938 e 1968, que têm em comum o tratamento da juventude como agente histórico transformador da realidade, com temas que variam entre: análises de conjuntura, caso do artigo “Las tareas de la juventud mexicana frente a los problemas del país” (1948); interpretações da história mexicana, como “Tesis sobre México: Programa del Partido Popular” (1957) e “Carta a la juventud sobre la Revolución Mexicana, su origen, desarrollo y perspectivas” (1960).

Como jornalista, Lombardo Toledano publicou artigos em diversos jornais e revistas, como ExcélsiorEl HeraldoEl UniversalHoySiempreDemocratie Nouvelle, dentre outros. A Universidad Obrera de México abriga o acervo “Lombardo Toledano”, composto de milhares de documentos e fotografias que descrevem a importante história do movimento trabalhista do México e do mundo no século XX.

Em 1972, foi criado o Centro de Estudios Filosóficos, Políticos y Sociales Vicente Lombardo Toledano, instalado na antiga residência do marxista, na capital do México, e dedicado à sistematização e organização não apenas de sua obra, mas também de trabalhos de referência ligados à história da América Latina e dos trabalhadores.

Na rede textos de Lombardo podem ser encontrados em portais como: Centro de Información y Documentación Alberto Beltrán (https://cid-albertobeltran.cultura.gob.mx); e Memória Política de México (www.memoriapoliticademexico.org)

4 – Bibliografia de referência

BOLÍVAR MEZA, Rosendo. Vicente Lombardo Toledano: vida, pensamiento y obra. Cidade do México: Instituto Politécnico Nacional, 2007.

DROMUNDO, Chauhtémoc Amezcua. “El marxismo lombardista. Vigencia y aportes a la transformación revolucionaria”. Em: MASSÓN, Caridad (org.) Las izquierdas latinoamericanas. México: Ariadna, 2017.

ILLADES, Carlos. El marxismo en MéxicoUna historia intelectual. México: Taurus, 2018.

LOMBARDO, Raúl Gutiérrez. Vicente Lombardo Toledano: apuntes para una biografía. México: Centro de Estudios Filosóficos, Políticos y Sociales V. Lombardo Toledano, 2003.

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WILKIE, James W.; WILKIE, Edna M. de. Mexico visto en el siglo XX. C. México: Inst. Mexicano de Investigaciones Económicas, 1969.

Notas

* Pedro Rocha F. Curado é coordenador do Núcleo Práxis-USP e editor do Dicionário marxismo na América; professor do Inst. Relações Internacionais e Defesa da UFRJ; doutor em Economia Política (UFRJ), bacharel em Ciências Sociais (UFRJ), com pós-doutorados em Rel. Internacionais pela EHESS/França e pela UFRJ; é pesquisador do Laboratório de Estudos em Segurança e Defesa. Autor de, entre outras obras: A guerra fria e a ‘cooperação ao desenvolvimento’ com os países não-alinhados (UFRJ/EHESS, 2014).

* Athos Vieira é professor de História na rede municipal de São Paulo (SME/SP) e pesquisador do Núcleo Práxis-USP; formado em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestre em Ciência Política e doutor em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ. Autor de, entre outras obras: A gota orvalina da Belle Époque: uma história social da cocaína no Rio de Janeiro durante a Primeira República (IESP-UERJ, 2020).

Com edição de texto de Joana A. Coutinho, Yuri Martins-Fontes e Paulo Alves Junior, este artigo foi originalmente publicado no portal do Núcleo Práxis-USP, sendo um dos verbetes do Dicionário marxismo na América; permite-se sua reprodução, sem fins comerciais, desde que citada a fonte (nucleopraxisusp.org) e que seu conteúdo não seja alterado. Sugestões e críticas são bem-vindas: nucleopraxis.usp.br@gmail.com.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Pedro Rocha Curado
Athos Vieira

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