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Quinze anos depois do primeiro Fórum Social Mundial, é tempo de um balanço. Mundo tornou-se mais violento, injusto e desigual. Encontro pode se renovar e tornar mais interventivo
Escrevo de Tunis, onde participei no Fórum Social Mundial que se realizou pela segunda vez consecutiva no país que iniciou a “primavera árabe”, uma semana depois do atentado terrorista que matou 21 pessoas.
Magreb que realizou com mais êxito a transição da ditadura para a democracia. Um país pobre em recursos naturais, cuja maior indústria é o turismo, está no centro de uma região que serviu de berço ao capitalismo e sempre foi dominada pelo comércio de recursos estratégicos, do ouro no século XIV ao petróleo nos nossos dias.
A riqueza da sua diversidade cultural é impressionante, e está presente tanto na arte e na política, como na sociedade e no quotidiano. Aqui se amalgamaram ao longo de séculos a cultura cartaginesa (povos berberes e fenícios), romana, cristã, árabe-muçulmana (do Médio Oriente e da Península Ibérica), otomana, francesa. Aqui nasceu e escreveu um dos fundadores das ciências sociais modernas, Ibn Khaldun, (1332-1406). Dez séculos antes, bem perto daqui, na Hipona romana (hoje a cidade de Annaba, na Argélia) nascera Santo Agostinho, para além de tudo o mais, um autor precoce do modernismo utópico e da crítica anti-colonial.
Hoje, e talvez para surpresa de muitos, as mulheres são 31% dos deputados no parlamento tunisino e, segundo os observadores mais atentos, são as mulheres quem têm defendido mais eficazmente a transição democrática na Tunísia. É, pois, difícil escapar à magia deste lugar. Tal como no primeiro encontro do FSM realizado em Tunis, em 2013, o tema central foi a dignidade, um conceito amplo e de vocação intercultural onde cabem os direitos humanos de raiz ocidental e as concepções de respeito pelo ser humano, suas comunidades e a própria natureza concebida como um ser vivo e fonte de vida próprias das cosmovisões indígenas e camponesas, bem como do Islão corânico. Dentro deste tema geral couberam os mais diversos debates sobre as três fontes principais da dominação e da opressão no nosso tempo – capitalismo, colonialismo (racismo, xenofobia e islamofobia) e patriarcado – debates que ora se centraram na denúncia, ora na proposta de alternativas.
Ao longo dos quinze anos do FSM, alguns temas foram ganhando mais centralidade: o avanço aparentemente irresistível da versão mais anti-social do capitalismo (o neoliberalismo assente no capital financeiro), atingindo agora a Europa que se julgava protegida; a escandalosa concentração de riqueza – segundo dados da respeitada Oxfam, as 85 pessoas mais ricas do mundo têm tanta riqueza quanto a metade mais pobre a humanidade (3,5 bilhões de pessoas); a destruição ambiental devido à exploração sem precedentes dos recursos naturais; a expulsão de camponeses das suas terras ancestrais para dar lugar à agricultura industrial e ao açambarcamento de terra em larga escala que ela envolve; a crescente invasão de sementes transgênicas e de produtos geneticamente modificados (da fruta ao eucalipto) que retira aos agricultores o controle das sementes, destrói a biodiversidade, mata as abelhas e causa danos à saúde humana; o crescimento da violência política e a necessidade de denunciar tanto o terrorismo como o terrorismo de Estado, que sempre tem recorrido a extremistas para prosseguir os seus fins; o trágico agravamento das condições de vida dos palestinos, sujeitos à forma mais violenta e selvagem de colonialismo por parte do estado de Israel
Quinze anos depois do primeiro encontro do FSM, é tempo de fazer um balanço. O Fórum permitiu aos movimentos sociais de todo o mundo conhecerem-se melhor e articularem as suas lutas, de que os melhores exemplos serão talvez a Via Campesina e a Marcha Mundial das Mulheres. Mas a verdade é que o mundo está hoje mais violento, mais injusto e mais desigual, e muitos (eu próprio incluído) pensam que o FSM se devia ter renovado ao longo destes anos e tornado mais interventivo na formulação de propostas e de políticas. Uma coisa é certa, o FSM tem demonstrado que, mesmo se alguns duvidam de que outro mundo é possível, outro mundo é urgentemente necessário.