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O povo cucapah no México se nega ser extinto

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Daniela Pastrana*

El Zanjón, no Núcleo da Reserva da Biosfera no Alto Golfo da Califórnia e Delta do Rio Colorado, no noroeste do México, onde os cucapah sempre pescaram. A restrição a essa atividade os condenam a extinção. Crédito: Cortesia de Prometeo Lucero El Zanjón, no Núcleo da Reserva da Biosfera no Alto Golfo da Califórnia e Delta do Rio Colorado, no noroeste do México, onde os cucapah sempre pescaram. A restrição a essa atividade os condenam a extinção. Crédito: Cortesia de Prometeo Lucero

Na sua língua, cucapah significa “gente do rio”, ou “os que vem e que vão por onde o rio vai”. Durante mais de 500 anos, os integrantes desse povo originários tem vivido nas margens do desta do rio Colorado, no Vale de Mexicali, onde começa a península mexicana da Baja California.

São pescadores e artesãos. O que os une é a família, a pesca, os kurikuri (rituais) e as cerimônias fúnebres. Agora soma-se a luta para não desaparecer, numa batalha liderada pelas mulheres.

“Sou Hilda Hurtado Valenzuela. Sou pescadora. E sou cucapah”, diz, apresentando-se, a presidenta da Sociedade Cooperativa do Povo Indígena Cucapah, que também estão no vizinho Arizona estadunidense..

Assim também se apresentaram as demais mulheres desta comunidade, ao receberem Tierramérica durante uma assembleia para analisar os passos a seguir depois de conseguir do governo federal o compromisso de realizar uma consulta sobre uma restrição a sua atividade pesqueira, que praticamente os condenam a extinção.

“Nenhum governo tem o direito de nos tirar nosso habitat”, diz Hurtado, durante a visita à Comunidade Indígena Cucapah El Mayor, onde a Rede de Jornalistas à Pé e a Comissão Mexicana de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos desenvolvem um projeto de proteção aos defensores dos direitos humanos, financiado pela União Europeia.

Em maio, com 61 anos, quatro filhos e dez netos nas costas, se plantou na rodovia que vai para o porto de San Felipe, no mar de Cortez (também conhecido como golfo da California), com Mexicali, a capital do estado da Baja California, na fronteira com Estados Unidos, e não se levantou até que o governo federal formalizou o compromisso de realizar uma consulta.

“O governo aceito algo que deveria ter feito ha uns 25 anos”, resumiu o advogado Ricarddo Rivera de la Torre, da Comissão Cidadã de Direitos Humanos do Noroeste, uma organização que desde 2004 documenta as violações aos direitos civis na Baja California.

Em 2008, Rivera de la Torre e Raún Ramirez Baena levaram o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

“O governo violou o direito à consulta legítimo do povo cucapah pelo Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho”, que México ratificou em 1990, explica Ramirez Baena.

Em 1993, sem consulta prévia, o governo decretou a criação da Reserva da Biosfera do Alto Golfo de California e Delta do Rio Colorado, e estabeleceu como zona núcleo a área de Zanjón, onde os cucapah pescam a curvina golfina (Cynoscion othonospterus).

Entre fevereiro e maio, a curvina chega para desovar nas águas pouco profundas do mar de Cortés, que une os estados de Sonora e Baja California e sua comercialização está ligada à temporada da Quaresma católica.

Depois de decretada a Reserva, chegou o Plano de Manejo da Reserva, em 1995, e uma série de leis e regulamentos, como a Lei de Equilíbrio Ecológico, o Decreto de Veda e a quota de captura, que restringiram a atividade pesqueira dos cucapah a níveis que não lhes permite a sobrevivência econômica.

“O que ocorre com o cucapah é um exemplo de como política com uma visão ultraconservacionista podem colocar em perigo a existência de um povo originário”, assegura outra advogada da Comissão Cidadã, Yacotzin Bravo.

Um grupo de mulheres cucapah, no Ejido Indiviso, na Comunidade Indígena Cucapah El Mayor, no estado mexicano de Baja California, durante a assembleia em que se discutiu como levar adiante a consulta para reformar os aspectos da reserva que os impede de pescar. Crédito: Cortesia de Prometeo Lucero Um grupo de mulheres cucapah, no Ejido Indiviso, na Comunidade Indígena Cucapah El Mayor, no estado mexicano de Baja California, durante a assembleia em que se discutiu como levar adiante a consulta para reformar os aspectos da reserva que os impede de pescar. Crédito: Cortesia de Prometeo Lucero

A constituição mexicana define os povo indígenas como os descendentes das populações que habitavam o vale antes de que se formasse o Estado e conservam suas instituições culturais ou econômicas ou parte delas.

Seu artigo dois estabelece o “acesso preferencial dos povos” na exploração dos bens naturais da nação.

“Os direitos dos indígenas são direitos dos povos. Não de pessoas, nem de municípios, nem de núcleo agrários. Em termos de direito indígena falamos da apropriação do território, que é necessária para que um povo possa existir como tal”, explica o especialista em direito indígena Francisco López Bárcenas.

“Eles vivem da pesca, de relacionar-se com seu entorno. Não é só o dinheiro. Primeiro, com as leis agrárias, foram encurralando-os em pequenos espaços, e agora estão reduzindo também sua atividade principal. Se eles não podem pescar, tem que oferecer-se como mão de obra em outros lugares”.

Cada ano, precisamente depois do quarto minguante de fevereiro, as curvinas começam sua migração para as águas rasas do delta do rio Colorado. A pesca dura de quatro a seis marés, cada uma entre sete e oito dias, que geralmente tem início depois da minguante e se estende até a lua nova.

Os cucapah se lançam ao mar em suas pangas (pequenas embarcações) e esperam em silêncio até que escutam as curvinas e atiram seus chinchorros (redes). Nesses meses há em média cinco a seis marés e os cucapah capturam de 200 a 500 toneladas por temporada.

“O que o governo tem feito conosco é uma segregação. Eles sabem que os índios não colocamos em risco o ambiente”, diz a presidente da Sociedade de Produção Rural El Mayor Cucapah, Juana Aguilar González.

Os cucapah são os únicos que pescam a curvina. Na zona em que há duas cooperativas pesqueiras não indígenas (a de San Felipe, em Baja California e Santa Clara, em Sonora), com capacidade de pesca dez vezes maior, segundo dados da Comissão Nacional para o Conhecimento e Uso da Biodiversidade, do Estado.

“A porcentagem (de curvina) que os cucapah capturam é aproximadamente 10% da quota recomendada, o que confirma que a pesca realizada pela comunidade indígena, ainda quando realizada na Zona Núcleo da Reserva, não rompe o equilíbrio ecológico nem ameaça de extinção a espécie”, indica a recomendação 8/2002 da Comissão Nacional dos Direitos Humanos dirigida aos secretários (ministros) do Meio Ambiente e Agricultura.

“O decreto da Reserva mudou nossa vida. Agora, no lugar de nos ocupar com nossas danças, temos que nos preocupar recursos, pelos julgamentos, pelas desapropriações e pelos detidos”, diz com tristeza Monica González, filha do falecido governador cucapah Onésimo González.

Os cucapah também são conhecidos pelo nome castelhanizado de cucapás, descendem dos yumanos e são um dos cinco povos originários que sobrevivem na Baja California.

No século XVII, uns 22 mil indígenas habitavam a região do rio Colorado. Hoje só restam mil na Reserva Índia Cucapah, no sudoesta de Arizona, e pouco mais de 300 no México, distribuídos na Baja California e Sonora, segundo dados oficiais da Comissão Nacional para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, Unesco, classifica a língua cucapah em perigo de extinção, porque restam apenas uns dez que falam a língua entre eles, Mónica González, de 44 anos, que há alguns anos iniciou um trabalho de recuperação do idioma.

“As vezes crio que os governantes falam dos cucapah como se já estivéssemos mortos, mas, estamos vivos e lutanto”, conclui.

La indígena cucapah Alía Madesdana Espinoza González, de 13 años, canta una canción tradicional que repite: “Los cucapah buscan tierras lejanas”. Crédito: Cortesía de Prometeo Lucero. http://vimeo.com/105349515

*IPS de El Mayor, México, para Diálogos do Sul – Editado por Estrella Gutiérrez. Este artigo foi publicado pela rede latino-americana de diários de Tierramerica.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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