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O que está por trás do fracasso do leilão de cessão onerosa do pré-sal?

A ironia foi expressa pelo próprio Guedes no seu desabafo no day-after: “Tivemos uma dificuldade enorme para depois vendermos de nós para nós mesmos”
Giorgio Romano
Diplomatique Brasil
São Paulo (SP)

Tradução:

A partir da derrubada do governo Dilma Rousseff, entrou em operação um processo acelerado de desmonte da política para o pré-sal desenvolvida pelos governos Lula e da presidenta impedida. Esta se dava basicamente por meio de um controle posto em prática pela estatal PPSA (Pré-Sal Petróleo S.A.) e pela própria Petrobras, apoiado pelo marco regulatório de 2010, conhecido como partilha, e por uma política vigorosa de conteúdo local para garantir que os volumosos investimentos necessários para a exploração do petróleo e gás se traduzissem em geração de renda e emprego no país.

A reversão da política, com a marcha desenfreada visando a abertura para o capital internacional, a desregulamentação e uma drástica reorientação do papel da Petrobras, encontrou seu limite no início de novembro com o “fracasso” do megaleilão do excedente da Cessão Onerosa e da 6ª Rodada de Licitação do pré-sal. Fracasso para o governo, não necessariamente para o Brasil. O entusiasmo com os avanços da implementação da política liberal no setor de petróleo e gás tinha gerado uma autoconfiança deslocada da realidade. Em que pese o evidente fracasso do leilão segundo suas próprias intenções, a reação do governo parece ser redobrar a aposta e, atribuindo os problemas ao regime de partilha, dar cabo do mesmo, definitivamente.

Para uma melhor compreensão do que aconteceu, há de se entender o contexto nacional e internacional. O governo Michel Temer atendeu às demandas dos oligopólios internacionais reduzindo drasticamente as exigências de conteúdo local, antecipando a renovação e ampliando o escopo do regime de isenção fiscal para importações de bens destinados à exploração de petróleo e gás (Repetro) e sancionando a lei que tirou a obrigatoriedade de liderança da Petrobras em todos os campos do pré-sal, com participação mínima de 30%. Além disso, iniciou o processo de vendas de ativos, inclusive no próprio pré-sal, com a venda da participação da Petrobras (66%) no campo de Carcará na Bacia de Santos por R$ 2,5 bilhões. Neste caso o preço foi considerado baixo até pelo próprio mercado, levando-se em conta que a Petrobras já havia encontrado petróleo em grande quantidade e de ótima qualidade no local, denominado pela própria petrolífera como de “excelentes características”.

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Em seguida, o governo Temer realizou nada menos do que quatro Rodadas de Licitação de partilha e duas de concessão, que despertaram grande interesse de todas as empresas internacionais, com destaque para Shell, Equinor (ex-Statoil) e Exxon. Assim, restou comprovado que as empresas internacionais não têm qualquer problema com a partilha em si, até porque operam com variantes desse modelo em vários lugares no mundo. A Exxon, inclusive, que tinha abandonado o Brasil, voltou em grande estilo às operações no país, abocanhando o direito de exploração em um total de 22 blocos no ciclo 2017-2018.

A ironia foi expressa pelo próprio Guedes no seu desabafo no day-after: “Tivemos uma dificuldade enorme para depois vendermos de nós para nós mesmos”

Agência Brasil
O que diferencia o contexto da tomada de decisão entre início de 2017 e meados de 2019?

É de se observar, também, que algumas reservas do pós-sal leiloadas em concessão estavam situadas em áreas com grande potencial para acesso ao pré-sal. Foi o caso da 14º rodada, na qual a Exxon comprou oito blocos na Bacia de Campos. Elas tinham um valor mínimo somado de R$ 165 milhões, mas foram adquiridas por R$ 3,65 bilhões, um ágio de quase 3.500%. Em seis das oito aquisições, a Exxon entrou em consórcio com a Petrobras. Nesse e nos outros casos, tudo indica que havia um comando firme por parte do governo para que a Petrobras servisse de trampolim para as empresas estrangeiras. Estas estavam interessadas em se aliar à estatal porque, ao final, é ela quem tem o conhecimento geológico da área e know-how tecnológico da exploração no pré-sal.

A determinação do governo Temer era tão grande que, diante da possibilidade da vitória de um governo com outra visão, optou por antecipar a 5ª Rodada do pré-sal, originalmente prevista para o 3º trimestre de 2019, para 29 de setembro de 2018, véspera das eleições. Em reportagem de capa publicada na época, o jornal Valor Econômico afirmou: “A imprevisibilidade sobre qual será o governo a partir de 2019 apressa as discussões. Esta pode ser a última oportunidade para as companhias estrangeiras entrarem no pré-sal brasileiro, avaliam fontes oficiais”.

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Assim, os oligopólios internacionais demonstraram um enorme interesse na exploração do pré-sal no Brasil e se posicionaram para fazer grandes investimentos nos próximos anos. Contudo, todo apetite tem seu limite e seu tempo. As empresas buscam um equilíbrio nas suas apostas pelo mundo e não colocam todos seus ovos em um cesto só. Além do mais, direcionam-se por um equilíbrio entre o pagamento de dividendos e os compromissos de investimentos com retorno a longo prazo. Ainda assim, a 16ª Rodada de Concessão, realizada em 10 de outubro, a primeira do governo Bolsonaro-Guedes, obteve um valor de bônus de assinatura recorde para concessão, de R$ 8,9 bilhões, e uma participação expressiva das empresas internacionais, que entraram sobretudo mirando serem operadoras. Foi o caso da Repsol e Chevron, mas também da Total, Shell e BP.

O que diferencia o contexto da tomada de decisão entre início de 2017 e meados de 2019 é que os oligopólios agora já estão no pré-sal e em áreas adjacentes, com grandes compromissos de investimento. Ao mesmo tempo, as incertezas no mundo aumentaram, o que implica em um cuidado maior com a equação retorno a curto prazo/investimentos de longo prazo. A tendência mundial é de ciclos mais curtos de valorização, o que impõe outra disciplina de investimentos.

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Assim, para justificar a seus acionistas mais compromissos de investimento no Brasil, os oligopólios internacionais começaram a exigir o direito de serem operadores (líderes de consórcio) e melhores condições do que aquelas que já conseguiram. Em relação a isso, as empresas estatais chinesas estão posicionadas de forma diferente, com menor pressão para pagar dividendos, embora possuam capital aberto, e compromissos com a garantia de fornecimento de petróleo a médio-longo prazo, considerando que a China se tornou o maior importador de petróleo do mundo.

Megaleilão

No caso do megaleilão, havia ainda outros agravantes. O fracasso da estratégia liberal se explica em grande parte pelas especificidades desta licitação. O termo “mega” se refere ao fato de que se tratava da maior oferta potencial de petróleo e gás já realizada no mundo por meio de licitação (entre 6 a 15 bilhões de barris) e o maior valor de bônus de assinatura. Mas não foi só isso que diferenciou esta de outras licitações no mundo.

O que fez a Agência Nacional de Petróleo (ANP) foi colocar em licitação o direito a produzir petróleo em áreas nas quais já havia uma empresa (Petrobras) operando há oito anos. Não se tratava sequer do direito à exploração, uma vez que as áreas já são exploradas. É o mesmo que ofertar para locação uma residência por um prazo de 35 anos, com a particularidade de que já existe um morador habitando o imóvel. Mais do que isso: o contrato (a ser assinado pelo vencedor da licitação) prevê a obrigatoriedade de se negociar com este morador uma indenização pelo trabalho por ele já realizado de mobiliar o quarto, com parâmetros definidos, mas sem valores claros.

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A ANP chegou a estimar o valor de indenização a ser pago pelo vencedor da licitação à Petrobras em torno de US$ 45 bilhões, mas com o estabelecimento em contrato de cláusulas que anteveem uma negociação complexa e assimétrica. Também não ficaram claras as regras de coabitação: a Petrobras mantém o direito de explorar um total de 5 bilhões de barris nas reservas. Aos consórcios vencedores, resta o direito de explorar na mesma área o restante do petróleo existente (daí a palavra “excedente”). Muita insegurança e potencial confusão.

O governo, em particular o superministro da Economia, Paulo Guedes, pelo jeito entusiasmado pelo sucesso das rodadas anteriores em provocar o apetite dos oligopólios internacionais, resolveu usar esse megaleilão para resolver problemas fiscais. Em janeiro deste ano, Guedes declarou, em entrevista à agência Bloomberg, em Davos, que iria zerar o déficit fiscal em 2019. Diante da surpresa do jornalista com a inverossimilhança da meta, explicou que faria uso dos recursos obtidos com os leilões do pré-sal para alcançá-la.

O ministro abraçou uma previsão aventada durante o governo Temer, de que seria possível arrecadar R$ 100 bilhões com os referidos leilões, e foi além disso, estipulando o bônus de assinatura a ser pago no fechamento dos contratos em nada menos do que R$ 106,5 bilhões. Pela legislação vigente, o bônus de assinatura fica com a União, não sendo dividido com estados e municípios. Guedes, porém, achou por bem elevar ao máximo a entrada de recursos que seriam recebidos pelo governo já em 2019, para poder negociar uma parte com estados e municípios para garantir apoio político para a implementação do conjunto de suas propostas ultraliberalizantes.

O chamado government-take (ganho da União com a exploração do petróleo e gás), entretanto, é composto não somente pelo bônus de assinatura, mas também pelo percentual do óleo excedente que o consórcio deve entregar para a União ao longo de todos os 35 anos de exploração. Na partilha, modalidade utilizada no megaleilão, o bônus é fixo, e o critério para vencer o leilão é a quantidade de óleo excedente que os consórcios concordam em ceder à União. Assim, em compensação pelo valor alto do bônus na entrada, o governo estipulou um valor mínimo muito baixo de óleo para a União nas quatro áreas do Excedente da Cessão Onerosa, todos abaixo de 30%, apostando (equivocadamente, como se provou) que as empresas internacionais estariam dispostas a encarar o risco do alto investimento inicial.

Outro fator de atração, que ficou de fora do debate público – que já era irrisório diante do que estava em jogo – foram os baixos índices de conteúdo local (CL) exigidos. O fato passou quase despercebido, talvez porque o governo Temer já tinha apagado todas as referências à política de conteúdo local dos governos Lula e Dilma. Foi o governo Temer quem fechou a renegociação do CL da Cessão Onerosa (ou seja, o CL para a exploração e a produção dos 5 bilhões contratados pela Petrobras em 2010), e, como pode ser observado na tabela que segue, os percentuais colocados agora foram ainda menores no que diz respeito às plataformas de exploração a serem construídas, em um total de 11 ou mais unidades.

Tabela – Evolução do percentual mínimo de conteúdo local
  Contrato Cessão Onerosa 2010 Revisão Cessão Onerosa 2018 Excedente CO e 6ª Rodada 2019
Exploração 37% 18% 18%
Construção poço 55%-65% 25% 25%
Sistema de coleta e escoamento 55%-65% 40% 40%
Unidade Estacionária de Produção (plataformas) 55%-65% 40% 25%

Fonte: ANP

Assim, graças a esses fatores e à alta qualidade e produtividade da área a ser concedida, o governo estava convencido que seus leilões seriam um sucesso. Não atentou que a obsessão com o ganho rápido iria se chocar justamente com a mesma preocupação dos oligopólios internacionais, que consideraram o sacrifício de curto prazo desproporcional e em contradição com sua própria preocupação com o pagamento de dividendos. Ou seja, a insegurança com relação ao valor a ser pago posteriormente como indenização à Petrobras e o alto valor do bônus de assinatura a ser pago no contrato já eram motivos suficientes de inibição para as concorrentes.

Chama a atenção o fato de que a alta cúpula do governo, os ministros Bento Costa Lima Leite (Minas e Energia) e Paulo Guedes, o vice-presidente Hamilton Mourão, além da própria ANP, terem realizado dezenas de encontros com os potenciais interessados desde o início do ano. Ultraliberais preocupados em abrir os negócios do país para o mercado, mas até nisso com dificuldade de entender os interesses desse mesmo mercado. Há indícios de que havia preocupações em algumas alas do governo, sim, com a possibilidade de fracasso do leilão, mas Paulo Guedes teria insistido em sua política fiscalista de curto prazo, dando mais uma demonstração da sua distância com a economia real.

Há, ainda, uma terceira questão, que se chocava com a clara vontade dos oligopólios de serem líderes, operadores: a Petrobras tinha bloqueado essa possibilidade ao exercer seu direito de preferência em duas das quatro áreas do conjunto do Excedente da Cessão Onerosa. Uma dessas justamente é o campo de Búzios, de longe o maior posto à venda e com alta produtividade. Trata-se, depois de Libra, do 2º maior campo no Brasil e o 7º em nível mundial. Hoje,já é o maior campo produtor do pré-sal, com 424 milhões de BOE/d.

Neste caso, a Petrobras tentou montar um consórcio junto com a Exxon, mas as negociações não avançaram, deixando como única opção o consórcio com duas estatais chinesas, cada uma entrando com uma participação de 5%. De fato, uma vez que a Petrobras expressa seu direito de preferência, o jogo é jogado antes do leilão, por meio de negociações prévias da Petrobras com as empresas petrolíferas para montar o consórcio. Circulou no mercado que a Exxon discordava dos valores de indenização e teria tido interesse em assumir as operações do campo, algo que a Petrobras não teria concordado. No outro campo em leilão, bem menor (Itapu), a Petrobras ganhou sozinha. Ficaram para serem reofertados no ano que vem os campos de Sépia e Atapu, que deveriam ter garantido, segundo o desejo do Ministério da Economia, R$ 36,5 bilhões em bônus de assinatura.

Assim, a ironia foi expressa pelo próprio Guedes no seu desabafo no day-after: “Tivemos uma dificuldade enorme para depois vendermos de nós para nós mesmos”. Em outras palavras: os entreguistas entregaram o petróleo para eles mesmos. A predominância da Petrobras não era o que o governo queria, mas foi a companhia quem “salvou” o leilão, com apoio das estatais chinesas. Ao final, mesmo com volumes e valores menores, continua sendo o maior leilão já realizado no mundo, e a Petrobras, assim, ajuda Guedes a diminuir o deficit fiscal. Ressalva-se, contudo, que petrolífera brasileira vai trabalhar com índices de conteúdo local substancialmente inferiores aos que foram projetados nos governos Lula e Dilma.

Após o leilão, o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, afirmou considerar que a empresa é a dona natural da área, uma observação que faz muito sentido. Exatamente por isso, a confusão poderia ter sido resolvida com a fórmula indicada pelo governo Dilma em meados de 2014, quando se optou pela contratação direta da Petrobras, com dispensa de licitação, para que a empresa que já estava explorando e desenvolvendo a área obtivesse os direitos também com relação ao petróleo e gás além dos 5 bilhões contratados da Cessão Onerosa em 2010.

Tal contratação direta está prevista em lei até hoje e teria sido a opção racional, mas era contrária à vontade do governo de atrair os oligopólios internacionais. Na época, porém, o processo, foi interrompido pelo TCU (Tribunal de Contas da União), e o governo Temer optou por mudar a contratação direta para uma licitação. Não houve tempo hábil para realizar o leilão em 2018, como até se chegou a anunciar, e tudo ficou pronto para o governo Bolsonaro poder desembolsar os bilhões do bônus de assinatura ainda em 2019.

6ª Rodada de licitação do pré-sal

Por coincidir em data com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito da prisão após condenação em segunda instância, e ainda sob o impacto do resultado do megaleilão, a 6ª Rodada passou quase despercebida. Foi a terceira concorrência realizado em menos de trinta dias e aconteceu um dia após o megaleilão. O calendário obedecia à vontade fiscalista de Guedes de integralizar os bônus de assinatura ainda em 2019. Até o Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), porta-voz dos oligopólios internacionais, chegou a reclamar do calendário concentrado de leilões. Havia por parte dos analistas do mercado e por parte do governo expectativa de que essa rodada seria diferente da do dia anterior, pela ausência das especificidades caóticas do megaleilão já mencionadas. Imaginava-se o mesmo entusiasmo e apetite que o demonstrado nos leilões do ciclo 2017-2018. Também neste caso, no entanto, quem roubou o show foi a Petrobras, com os oligopólios uma vez mais brilhando por sua ausência.

A estatal novamente exerceu seu direito de preferência para o maior dos cinco blocos ofertados, Arama, que acabou levando em consórcio com apoio da estatal chinesa CNOPC. De forma inédita, a Petrobras exerceu também seu direito de preferência para duas outras áreas, mas se retirou na última hora, algo inédito. Ao exercer o direito e preferência, a petrolífera automaticamente limita a concorrência e, na prática, bloqueia a possibilidade de outra empresa ser operadora. Essa estratégia da Petrobras provocou visível irritação nas esferas do governo. Décio Oddone, diretor geral da ANP, reclamou publicamente que a Petrobras teria inibido a concorrência. A companhia se defendeu dizendo que tentou montar um consórcio, que não tinha intenção de assumir essas áreas sozinha, mas não teria conseguido. De qualquer forma, de acordo com as normas vigentes, o exercício de direito de preferência não gera obrigação de participar.

Para entender este segundo fracasso em atrair os oligopólios internacionais, há de se considerar o contexto descrito acima: os gastos com bônus de assinatura e os compromissos com investimentos assumidos nos sete leilões realizados desde setembro de 2017 e a falta de oportunidade real para empresas interessadas em serem operadoras.

Assim, houve novas reclamações com relação ao valor do bônus de assinatura, mas há outro fator que deve ser lembrado. Há um projeto de lei em tramitação de autoria do senador José Serra (PSDB-SP) e que conta com apoio do governo que acaba de vez com o direito de preferência da Petrobras. Por causa disso, se torna mais interessante para as empresas estrangeiras esperar a reoferta das áreas no ano que vem, quando se poderá concorrer para operar os consórcios.

E agora?

Ao contrário do que se deu nos leilões realizados no governo Temer, nos quais a Petrobras operou para facilitar a participação dos oligopólios internacionais, nos dois últimos o que se viu foi o oposto. No mínimo, houve graves erros de avaliação, não obstante as inúmeras conversas mantidas pelo governo nos últimos meses com representantes das empresas envolvidas.

Parece ter havido também certo descasamento entre os interesses da Petrobras e a do Executivo, além da teimosia do Paulo Guedes em insistir na lógica fiscalista de curto prazo. Contudo, a Petrobras de hoje não se enquadra no perfil de instrumento de política industrial-tecnológica do país, como foi durante os governos Lula e Dilma. A Petrobras de hoje é a empresa que abraçou os baixos índices de conteúdo local e pretende financiar os altos investimentos para produzir nos campos contratados dando continuidade a seu vigoroso programa de desinvestimento em outras áreas igualmente estratégicas como refino, petroquímica, distribuição, transporte de gás, entre outros.

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Não está nada excluída a hipótese de que a empresa venha ainda a vender parte da sua participação no excedente em Búzios (farm-out), operação que não precisaria passar por um processo de licitação, envolvendo apenas uma negociação direta entre a Petrobras e o(s) interessado(s), como foi feito no caso já mencionado da venda da sua participação no campo de Carcará. Considerando a baixíssima obrigação de entrega do óleo-lucro para a União (23,24%), tal operação se tornaria muito interessante para os eventuais compradores. Por outro lado, os resultados dos leilões confirmam a incontestável liderança da Petrobras na exploração de petróleo em águas ultraprofundas.

Para o governo, a forma de lidar com a frustração, pelo menos publicamente, foi culpar o modelo de partilha “dos governos petistas”. Fez coro ao apelo do IBP, que aproveitou para declarar que agora estaríamos diante de “uma oportunidade de ajustes nas regras vigentes”, ao mesmo tempo que reforçou o interesse da indústria petrolífera no pré-sal. A Shell individualmente também se posicionou publicamente pelo fim do regime de partilha, como também o fez Roberto Castello Branco, presidente da Petrobras. Já o insuspeito ex-ministro de Energia do governo Temer, hoje deputado federal, Fernando Coelho Filho, expressou de forma clara que a partilha por si só não é a razão do fracasso, porque, se fosse, como explicar o sucesso das quatro rodadas realizadas no governo Temer?

O ritmo intenso dos leilões continua, já com calendário aprovado para 2020-2021. O problema para garantir as novas regras para os próximos leilões é que não há nesse momento nenhum projeto circulando no Congresso Nacional que acaba com a partilha e reinstala como única forma a concessão.

Há o já mencionado projeto do senador José Serra (nº 3.178/2019), mas que contém ambiguidades. De um lado, extingue o direito de preferência, de outro, mantém a partilha como modalidade possível de licitação, ao lado da concessão (Há de se lembrar aqui que esse direito foi o compromisso que o próprio Serra tinha fechado com a presidenta Dilma como alternativa à obrigatoriedade estabelecida na lei da partilha de 2010 da Petrobras ser operadora em todos os campos do pré-sal. Pelo jeito, a estratégia era ir por partes). Pelo projeto do senador, o governo decidiria caso a caso qual melhor regime para os blocos a serem ofertados. Na prática isso significa que pode haver licitação por concessão no que hoje é o polígono do pré-sal, mas também pode haver partilha em outras áreas. Embora a lei de 2010 já preveja esta última opção, ao introduzi-la de forma tão explícita, o projeto suscita críticas do atual governo, que quer acabar de vez com a partilha. O mais provável é que o Executivo apoie mesmo assim o projeto, para se livrar rapidamente do direito de preferência, e, em seguida, prepare uma nova norma para acabar com a partilha, avançando, enquanto isso, no processo de desverticalização da Petrobras e na venda dos ativos da empresa.

*Giorgio Romano é professor de Relações Internacionais e Economia da UFABC, coordenador do Observatório da Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil (OPEB) e autor do capítulo “Petróleo e Gás na era Bolsonaro & Guedes” do livro Brasil, incertezas e submissão?, publicado pela Fundação Perseu Abramo (2019).

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Giorgio Romano

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