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O rastro de sangue do general José Williams, novo presidente do Congresso no Peru

Em 1985, Williams chefiou o grupo Lince, que saiu à procura de terroristas, mas encontraram 69 camponeses entre homens, mulheres e crianças
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Os “analistas” de Willax e os porta-vozes da ultradireita dentro e fora do Congresso não falam, ladram. Isso pode ser constatado por aqueles que tenham seguido elementarmente o sugestivo cenário nacional nos últimos dias.

Este assoma tão escabroso, que poderia ser objeto de roubo adicional: o do título de um livro de García Márquez, para aludir ao labirinto no qual se meteu – “sem querer, querendo” – um General do Exército Peruano que agora assume a Presidência do Congresso da República por votação de seus iguais.

Nos referimos a José Williams Zapata ungido titular da Mesa Diretora da Câmara, para completar o período da destituída, e deverá estar nesse cargo, se nada mudar, até 26 de julho de 2023.

A eleição que o elevou a esse cargo teve arestas que vale comentar: sua candidatura uniu a ultradireita, até então dividida, e somou os conglomerados de Hernando de Soto, López Aliaga, Keiko e até Cesar Acuña. Isso lhe permitiu alcançar 54 votos no primeiro turno, enquanto Luiz Aragón de Ação Popular, conseguiu 21.

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No segundo turno, a abstenção de uns, e a debandada de outros, frustrou uma vitória que teria tirado o juízo da “Grande Imprensa”. A ambição e a mesquinharia tornaram impossível o fato, e AP obteve só 41 votos. No segundo turno, Williams subiu seu estimado com 13 adesões e acumulou 67 votos, o suficiente para ganhar.

O “nó” que esteve nas mãos do Peru Livre, que resolveu “não votar por ninguém da direita”. A explicação da liderança do PL foi curiosa: não queriam que ganhasse a Ação Popular. Para o Partido do Lápis, a concertação neonazista era melhor.

Embora diferentemente de Montoya e Cueto – os outros fardados – o General-Presidente não ladra. Prefere a discrição e até o silêncio, mas tampouco é um doce. De repente…

Em agosto de 1985 – início do primeiro governo de García – a Força Armada dispôs um operativo militar na serrania, comprometendo as localidades de Accomarca, Llocllapampa e Santa Rosa. As Brigadas “Lobo”, “Tigre” e “Lince” incursionaram na zona dizendo buscar terroristas.

Não encontraram nenhum, mas sim 69 camponeses entre homens, mulheres e crianças. Aos homens os torturaram selvagemente; às mulheres, as violaram uma a uma; e às crianças as martirizaram com particular crueldade. Depois juntaram todos, os meteram em uma cabana, os metralharam e lançaram bombas incendiárias para queimá-los vivos.

Em 1985, Williams chefiou o grupo Lince, que saiu à procura de terroristas, mas encontraram 69 camponeses entre homens, mulheres e crianças

Reprodução – Twitter
Em 2018, o juiz Walter Castillo Yataco ordenou a detenção de Williams e mais 28 militares pelo massacre em 1985, porém, sem resultado

O “Operativo” nesta circunstância foi o subtenente Thelmo Hurtado; mas o Chefe dos “Lince” era José Williams Zapata.

O caso comoveu o país e remexeu inclusive a flamante Célula Parlamentar Aprista. Javier Valle Riestra denunciou os fatos, e prometeu sanções. Mas elas não chegaram. Os familiares das vítimas clamaram por justiça, porém mais rápido que a justiça chegou a impunidade. 

O tema perdurou e inclusive até há pouco tempo: em maio de 2018, o Juiz Walter Castillo Yataco ordenou a detenção de Williams e 28 militares comprometidos. Tampouco prosperou a iniciativa. Mãos poderosas torceram a ação da lei e “o caso” foi arquivado. 

É que já nessa época o general aludido era um Herói Nacional. Havia sido o Chefe Suprema do Batalhão que liberou os reféns da residência nipônica em abril de 97, na “Operação Chavín de Huántar”.

Como se recorda, ali agiram 140 comandos de elite que submeteram e aniquilaram a 14 precoces combatentes do MRTA, entre eles duas moças, uma das quais estava grávida. Depois se comprovaria que houve capturados com vida e executados depois.  

Integrando as hostes militares nessa circunstância, operou um Comando Especial clandestino ideado pelo Serviço de Inteligência Nacional – o SIN – denominado “Os Nazistas”, que agiu certamente com conhecimento do Chefe da Operação, o hoje Presidente do Congresso da República.

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Para as eleições de 2021, Hernando de Soto, impudicamente usou uma “barriga de aluguel” – “Avança País” registrado pelo defunto Pedro Cenas. Como não tinha partido, nem registro eleitoral, se valeu da consigna aludida e favoreceu a alguns, entre eles José Williams, que fora eleito para a função que hoje desempenha. 

Pareceria que o General-Parlamentar esqueceu o patriotismo, a dignidade nacional e a soberania. Ficou calado no fórum quando D. Hernando informou ao país que ia a Washington pedir ao Departamento de Estado ianque uma intervenção militar para enfrentar o “governo comunista de Castillo”. Pareceria que Williams viu os marines desembarcando e aplaudiu. 

Isso explica que, adicionalmente, subscrevesse a “Carta de Madri”, documento elaborado pelo VOX, o Partido neonazista de Abascal, na Espanha, que apela a “fechar a passagem” ao Foro de São Paulo e o Socialismo do século XXI. Também o firmou Keiko e, como não, o ex-chanceler Tudela, preciosa jóia da canteira fujimorista. 

No último dia 15, ao ser debatida a “licença” para que o Chefe de Estado concorresse à Assembleia Geral das Nações Unidas, os parlamentares da “maioria” ladraram à vontade com o mesmo entusiasmo que Philip Butters e Aldo M., sem argumentos nem razões.

Clamaram aos céus para que caísse Castillo. E no extremo da sua ira, celebraram que a Lady Camones fosse dado um “prêmio consolo”: a Presidência da Comissão que verá as acusações contra Castillo e Dina Boluarte. Assim, haverão de ladrar melhor. 

Ladrará agora este general metido em seu labirinto? Vamos ver.

Gustavo Espinoza M., colaborador da Diálogos do Sul em Lima, Peru.
Tradução: Beatriz Cannabrava.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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