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O Sistema Mundo I

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

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Ignacio Ramonet

Fernando E. Solanas entrevista a Ignacio Ramonet sobre o Sistema Mundo.

Nascido na Espanha, Ignacio Ramonet creceu em Tanger, Marrocos, onde seus pais republicanos se asilaram. Cursou engenharia na Universidade de Bordeaux e de Sociologia na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, onde obteve o título de doutor em Semiologia e História da Cultura.

Na França foi jornalista e crítico de cinema em Cahiers du Cinéma e no diário Liberation. De 1990 a 2008 dirigiu o mensário Le Monde Diplomatique e a revista bimensal Maniére de Voir. Ao mesmo tempo exerce a docência universitário na disciplina de Teoria da Comunicação na Universidade Denis-Diderot (Paris VII) e mais tarde se especializou em Geopolítica e Estratégia Internacional, sendo consultor das Nações Unidos, catedrático na Universidade Sorbonne de Paris e professor convidado das Universidades Carlos III em Madri, Buenos Aires, Valença, São Petersburgo, Porto Rico e São Domingos entre outras. Recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade de Santiago de Compostela na Espanha, da Universidade Nacional de Córdoba (Argentina) e da Universidade de La Habana. É co-fundador do movimento ATTAC que promove a defesa da Taxa Tobin para os capitais financeiros internacionais e do Media Watch Global (Observatório Internacional dos Meios de Comunicação), do qual é o atual presidente. Foi um dos promotores do Forum Social Mundial de Porto Alegre e entre seus livros mais recentes pode-se mencionar “Marcos, a dignidade rebelde” (2001); “O que é a globalização” (2004), em colaboração com vários autores; “Fidel Castro: biografia a duas vozes” (2006); e “A catástrofe perfeita (2009), além de numerosos artigos. Um dos temas que aborda é o atual “sistema-mundo” cujo foco principal é a reiteração de diversos sismos  ou acontecimentos imprevistos que irrompem com força – sismos climáticos, sismos financeiros, sismos energéticos e alimentar, sismos tecnológicos, sismos sociais e geopolíticos que alimentam insurreições como as dos múltiplos indignados – provocando profundas crises nas direções políticas e nas democracias representativas, como parte da crise econômica e financeira de alcance mundial.

Conte-nos sobre seu conceito de sistema mundo. 

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Fernando Pino Solanas

Penso que estamos entrando em um novo sistema mundo. Ou seja, que um ciclo geopolítico termina e começa um novo, com uma série de parâmetros que estão mudando e o que aparece primeiro são os problemas do novo sistema mundo.

Surgem de repente e por isso digo que atualmente o novo sistema funciona por golpes sísmicos: de repente tomamos consciência do que está ocorrendo mas, também devido a brutalidade do acontecimento. Um exemplo já relativamente antigo é o de 11 de setembro de 2001, os atentados. De repente tomamos consciência de que no mundo árabe, muçulmano, os problemas alcançam tal dimensão que nos deixa perplexos. Da mudança climática, principal problema que coloque a questão da sobrevivência da humanidade,  tomamos consciência quando se produz a inundação de Nova Orleans. De repente uma gigantesca cidade no país mais desenvolvido do mundo se vê devastada. A questão nuclear: tomamos consciência do perigo nuclear quando se produz um tsunami sobre Fukushima e inesperadamente nos damos conta de que a questão nuclear nunca é local, sempre é global. No plano geopolítico,  temos o que ocorreu nos países árabes: esses países que não apareciam, eram ditaduras controladas pelo Ocidente durante cinquenta ou mais anos. Não estamos falando de três, quatro ou quinze anos, mas de meio século de controle e subitamente explodem. Um último sismo: teremos a União Europeia dentro de algumas semanas ou a União Europeia terá explodido?  Teremos o euro ainda como moeda única de 17 países da Europa ou terá desaparecido o euro num cataclismo de dimensões apocalípticas? Estamos, por conseguinte, diante de um sistema em que, por um lado, os dirigentes políticos dão a sensação de que não veem as coisas acontecerem; a capacidade de previsão que se supõe que os dirigentes políticos deveriam ter  não aparece. Por outro lado, temos a impressão de que a direção política não está a altura da dimensão dos problemas por várias razões.

Em primeiro lugar, hoje os problemas são globais. Estamos na globalização. Criticamos e combatemos este tipo de globalização, mas observamos que a globalização se aplica ao planeta e a força dos dirigentes políticos se exerce em um território muito pequeno. Em segundo lugar, vemos que os políticos, global e coletivamente, estão em desvantagem diante dos mercados, porque o tempo dos mercados e o tempo dos políticos não tem nada a ver um com o outro. Os mercados caminham na velocidade da luz, reagem instantaneamente a qualquer acontecimento, enquanto os políticos caminham na velocidade do caramujo e antes de reagir têm que debater, o que é normal porque o tempo político não é o mesmo. E entre os dois está o tempo midiático, que joga o papel de quem quer solucionar tudo imediatamente. Estes elementos, ainda que não desenvolvidos amplamente, dão uma ideia de que estamos em um novo sistema mundo e obviamente nossa missão de intelectuais é tratar de descrevê-lo para que saibamos a que dispositivo político, social, cultural e econômico estamos enfrentados.

-No mundo midiático comunicacional a imagem tem ocupado uma grande preponderância. Como vê este sistema  mundo no que se refere ao comunicacional e este confronto de civilizações através das imagens e as comunicações?

Certo, o que digo é que neste sistema mundo a Internet não é só uma tecnologia. É um fator de mudança atual. Em quase todos os temas que mencionei a Internet tem um papel importante, seja nos sismos geopolíticos do mundo árabe, seja na aceleração dos mercados…

Até para com os indignados…

Até com os indignados evidentemente. No mercado tem um papel: as ordens de compra e venda que circulam pelas autopistas da comunicação. Se falamos do terrorismo internacional, evidentemente as campanhas de hoje funcionam por essa via. Tem razão, as imagens funcionam, e eu diria mais: hoje acrescentaríamos um adjetivo às imagens: imagens digitais. Isto significa que as imagens são reduzíveis a uma equação matemática constituída unicamente de zeros e de uns.

A imagem não é uma imagem analógica. É essencialmente uma equação e essa equação pode ser enviada por seu telefone, por seu computador. Pode enviá-las de mil maneiras e pode até projetá-las numa sala de cinema, sempre como uma equação; o que lhe permite ir também na velocidade praticamente da luz. Isso faz  com que hoje, de fato, texto, imagem e som funcionem da mesma maneira. São todas equações matemáticas de zeros e uns num sistema binário, já não são realidade em si mesmo; já não é necessário um aparato tecnológico para cada um dele. Antes necessitávamos um aparelho para o som, um aparelho para a imagem, outro para a escrita. Hoje isso se mescla na Internet e dá uma capacidade de intervenção, uma facilidade de intervenção que desconhecíamos até agora. A Internet está mudando o panorama, é um fenômeno sociológico total como a imprensa foi um fenônemno sociológico total, já que mudou a comunicação, mudou a cultura, mudou o saber, mudou as elites, mudou de era – o Renascimento não se explica sem a imprensa – mudou a história da religião. O protestantismo surgiu por que se podia ler a Biblia. Internet tem uma capacidade de impacto superior ao da imprensa e por outro lado recordemos que estamos a 20 anos da invenç.ão da Internet; estamos na primeiríssima infância da Internet; Internet ainda está por chegar e já está mudando tudo.

Você vive no centro cultural da Europa e também tem um relação privilegiada com América Latina e os processos emancipatórios deste continente. Quais são os grandes debates de hoje? Por um lado um continente europeu que, como acaba de dizer, não sabe o que vai ocorrer amanhã, uma esquerda europeia que não sabemos onde esta situada nem o que significa hoje.

Penso que a América Latina em seu conjunto é hoje uma referencia fundamental para a esquerda internacional. Porque em termos quantitativos é na América Latina onde ocorrem o maior número de experiências progressistas no mundo, inovadoras, diferentes entre si, diferentes da que se fizeram em outros momento na Europa e isso nos obriga a olhar nesta direção.

Como isto se manifesta?

Se manifesta porque é na América Latina que tem surgido ideias em muitos âmbitos, particularmente no âmbito democrático. Ideias como a do orçamento participativo, ideias como da democracia participativa, ideias como o referendo revogatório, entre outras que tem surgido, que evidentemente não foram concebidas na Europa. 

E um rol muito ativo dos movimentos sociais….

Digamos que as esquerdas na América Latina são a obra dos movimentos sociais, não a obra dos partidos. Tem havido aqui também fracassos dos partidos, dos partidos tradicionais ou de centro; dos partidos tradicionais para fazer um alusão a seu país, porque em seu pais (Argentina) tudo é  peronismo; mas, são os movimentos sociais, os movimentos sociais os mais dinâmicos.

Ambientalistas, de direitos humanos….

De direitos humanos, de pessoas que vivem nos bairros não favorecidos, de defesa dos agricultores, defesa da água, defesa do bem comum, defesa da ecologia. Tudo isso tem surgido na América Latina, como o Fórum Social Mundial. Nos participamos de sua criação e você esteve conosco. O Fórum Social Mundial é a associação dos movimentos internacionais e isso tem marcado muito a esta esquerda. Diria que neste momento América Latina vive uma conjuntura particularmente favorável e é muito bom que o viva quando se está celebrando o 200o aniversário da independência, porque seguramente se trata de uma segunda independência.

Creio que na história do conjunto da América Latina nunca se viveu um momento de prosperidade tão importante como o que se está vivendo neste momento. Veja, na última década na América Latina, saíram da pobreza uns 80 milhões de habitantes – dos quais 40 milhões no Brasil – e isso jamais havia ocorrido na história latino-americana. Esta vivendo o momento mais democrático de sua história desde o ponto de vista político, acabaram-se as ditaduras de todo tipo, realizam-se eleições, existem partidos de oposição. Há exceções: Honduras. Porém é a exceção que confirma a regra. Por outro lado, estamos vivendo um momento em que a América Latina está em paz, globalmente. Exceto o conflito colombiano – falo de conflito político –  não há conflitos políticos violentos, com armas. Há o problema do narcotráfico, há o problema da delinquência que alcança níveis estratosféricos.

A quarta reflexão sobre a América Latina de hoje, que me parece muito importante e talvez seja o que a caracteriza mais profundamente – com o tempo veremos – é que teve três ciclos em função de personalidades que pilotaram sua história: os conquistadores – gostemos ou não gostemos -, os libertadores e hoje são os integradores. É a mesma geração dos libertadores voltando a libertar integrando. Tudo o que se tem feito na América Latina 0 Unasul, Petrocaribe, Alba, Mercosul, a Celac – se orienta na direção de uma integração com lideres extremamente mobilizados com essa ideia: Chávez, indiscutivelmente; Correia, Morales, os dirigentes cubanos, Fidel e Raúl, Cristina, Lula e hoje se incorpora o México, se incorpora o Chile e até os países dirigidos por equipes conservadoras. Mas ha uma consciência de que é o momento dos integradores e o que sair desse grupo a história o condenará, como condenou aqueles que não estiveram com os libertadores há dois séculos. (continua…)

*Fernando Pino Solanas, cineasta argentino, deputado nacional pelo Proyecto Sur.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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