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Longas filas de seres humanos a ponto de se congelarem nos campos europeus deixam claramente evidentes o pasmoso retrocesso no respeito e na preeminência dos direitos humanos no nível mundial, bem como a anulação prática e visível de qualquer tratado internacional firmado com o propósito de colocá-los em primeiro lugar nas prioridades dos Estados. Mulheres, homens e crianças deslocados de seus países de origem por guerras provocadas e financiadas com o único objetivo de apoderar-se de suas riquezas, são o mais imoral dos cenários.
Carolina Vásquez Araya*
Mas, de acordo com os cânones do livre mercado, essa estratégia de dominação se traduz como liderança, política econômica, uso inteligente dos recursos disponíveis, embora seus legítimos proprietários dêem a vida para protegê-los. É o que acontece nos países em vias de desenvolvimento com suas riquezas minerais, hídricas e vegetais, algo que provavelmente muitos deles gostariam de não ter para evitar o perigo de ser invadidos pelas nações mais poderosas.
Mas não são somente as caravanas humanas presentes nas fronteiras europeias. Também nosso continente sofre essa imigração sem fim em direção ao norte, com milhares de pessoas cujo futuro está centrado em alcançar o sonho americano. Esse sonho muitas vezes frustrado no caminho por obra e graça do crime organizado e da extenuante travessia por um dos desertos mais hostis do planeta.
Um comentário do artista Juan Manuel Díaz Puerta durante una interessante conversação enfatizava o absurdo de pretender dividir os continentes por cores; negros na África; “café com leite” na América Latina, brancos nas potências ocidentais, como se aquele fosse o contexto ideal para regressar ao suposto ideal da pureza racial, um conceito sempre presente, mas reeditado por forças políticas de corte fascista que começam a invadir as posições mais relevantes. É o mundo ao revés. É o regresso do nacional socialismo com toda a força de sua política repressiva e estratificadora.
As migrações sempre existiram desde o surgimento da Humanidade, milhões de anos atrás. O ser humano, da mesma forma que todas as espécies animais, busca recursos para sobreviver e para isso se estabelece, mas também emigra quando não encontra o necessário em seu lugar de origem. É parte da natureza e, por isso, uma interpretação extrema das leis do capitalismo nunca poderá eliminar esse direito ancestral.
A crueldade das políticas anti-imigrantes – na Europa como nos Estados Unidos – castiga com toda a sua força uma população eminentemente pacífica. A imensa maioria de migrantes são mulheres, velhos e crianças, as primeiras vítimas da violência das guerras. Essas conflagrações os atiram a uma terra de ninguém, sem esperança alguma de encontrar ao fim um lugar para viver em paz. Os migrantes são, nem mais nem menos, o saldo humano de operações bélicas planejadas e perpetradas pelos países mais poderosos com o fim de estender seu domínio e apoderar-se de toda a riqueza das nações mais fracas. Para isso contam com a cumplicidade de governantes locais, venais e corruptos, capazes de entregar sua pátria à voracidade das grandes corporações e aos governos que as acolhem.
A migração humana deu origem à diversidade cultural e nela reside a própria essência da evolução humana. Deter esse fluxo para buscar a pureza étnica como o objetivo último ou para se proteger de uma ameaça terrorista provocada, ao final de contas, por essas mesmas políticas racistas, resulta a mais absurda de las ironias.
*Colaboradora de Diálogos do Sul, da Cidade da Guatemala