O governo subserviente de Bolsonaro está comemorando a troca na “fila da OCDE”. Os EUA, que apoiavam a entrada da Argentina antes do Brasil, agora querem que o Brasil entre em primeiro lugar. O caráter político-ideológico da troca é evidente, face à eleição do progressista Fernández naquele país.
Mas não há nada a comemorar.
Em primeiro lugar, porque o apoio dos EUA, embora importante, não assegura o ingresso do Brasil, pois esse processo depende do voto de todos os membros da organização (36, ao todo).
Há de se lembrar que, hoje em dia, o Brasil tem uma péssima imagem lá fora, em razão das trapalhadas do governo Bolsonaro em política externa, na questão ambiental e nos temas concernentes aos direitos humanos.
Assim sendo, é muito pouco provável, que países como França, Alemanha e Noruega, por exemplo, que têm grande influência na OCDE, vejam com bons olhos o ingresso do Brasil. A resistência será muito grande.
Em segundo lugar, porque o ingresso da OCDE não é bom para o Brasil.
Afinal o que é a OCDE? É uma organização que reúne 36 países, a grande maioria nações plenamente desenvolvidas, com algumas exceções, como México e Turquia, por exemplo. Criada em 1961, a partir da experiência da Organização para a Cooperação Econômica (OECE), organização constituída para gerir o Plano Marshall, a OCDE é também conhecida como o “Clube dos Ricos”, pois seus membros, basicamente os EUA, os países europeus, Japão, Coreia, Canadá e Austrália, produzem mais da metade do PIB mundial.
Seu objetivo político e econômico fundamental é o de promover as virtudes da “economia de mercado”, que ela associa indissoluvelmente à “democracia” e aos “direitos humanos”. Em seu site oficial, constam como suas prioridades atuais “restaurar a confiança no mercado e nas instituições que o fazem funcionar” e “reestabelecer finanças publicas saudáveis como base para o crescimento econômico sustentável”.
Assim, trata-se de uma organização comprometida com os valores, os princípios e as teses neoliberais, bem como com o funcionamento desregulado do capitalismo financeirizado, tal qual convém a um “Clube dos Ricos”.
Saliente-se que a adesão, se concretizada, não virá de graça. A OCDE só aceitará o Brasil após uma avaliação rigorosa de suas políticas e de suas práticas. Caso julgue necessário, a OCDE demandará as devidas correções de rumo. A OCDE exige de seus membros, entre outras coisas, ter “economias abertas” e “amigáveis” aos investidores estrangeiros, o que não é algo necessariamente desejável para um país em desenvolvimento como o Brasil, que está ameaçado de perder toda a sua indústria. A abertura e o “caráter amigável” incluem também o setor de serviços, inclusive os serviços financeiros. Tais correções poderão incluir até mesmo práticas ambientais.
Flickr | White House
O governo Bolsonaro, implora de joelhos apoio dos EUA para entrar no “Clube dos Ricos"
Na realidade, o governo Bolsonaro quer entrar na OCDE porque sabe que essa organização pressionará o Brasil a fazer as reformas neoliberais que Guedes deseja promover. Será mais um instrumento de pressão. Dirão: se não abrirmos mais a economia, não entraremos na OCDE. Se não privatizarmos os bancos públicos, nossa entrada na OCDE será dificultada, etc.
O irônico é que, na prática, o Brasil já tira proveito da OCDE, sem arcar com custos políticos. Com efeito, nosso país participa como observador da OCDE e se utiliza de alguns de seus programas, como o do PISA, que mede a qualidade da educação no mundo. Também já aderiu voluntariamente a algumas de suas convenções, como a “Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais”.
E o tal “selo de qualidade” que OCDE daria ao Brasil não serve para nada. A Grécia é membro fundador da OCDE e isso não a impediu de ser jogada à pior depressão da sua história pelos próprios membros da OCDE, sob a liderança da Alemanha.
Por isso, na época de Lula, o Brasil recusou o convite para entrar na organização. Com efeito, em 2007, o então secretário-geral da OCDE, Angel Gurria, iniciou uma consulta formal para o Brasil entrar na organização. Guido Mantega, polidamente, manifestou a ausência de interesse do Brasil.
Agora, o governo Bolsonaro, tal como o governo Temer, implora de joelhos para entrar no “Clube dos Ricos”, como se isso fosse tirar o Brasil da crise e dar prestígio ao país.
O que dá prestígio e “selo de qualidade” a um país é crescer, gerar bons empregos, promover a educação de seu povo, distribuir renda, eliminar a miséria, proteger o meio ambiente, promover a democracia e os direitos humanos e ter uma política externa independente e soberana.
Coisas que Lula fez. Coisas que Bolsonaro jamais fará.
Essa adesão formal ao “Clube dos Ricos” significa, do ponto de vista político e diplomático, que o Brasil renuncia definitivamente a sua política externa anterior e se submete aos desígnios estratégicos dos EUA e aliados e às demandas do mercado financeiro globalizado.
Com tal adesão, o Brasil sinaliza ao mundo que renuncia a ser um líder mundial dos países em desenvolvimento. Sinaliza que renuncia as suas parcerias estratégicas com países emergentes. Mostra que renuncia a um papel de relevo no BRICS. Sinaliza que renuncia definitivamente a ideia de ter um espaço próprio e independente no concerto das nações.
Na realidade, essa adesão ao “Clube dos Ricos” é uma capitulação política e diplomática. É uma demonstração de submissão ideológica.
O único selo que a entrada na OCDE poderá conferir ao Brasil é o selo de vira-lata.
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