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Oligarquia peruana deve entender que perdeu e que o povo, fortalecido, não vai se render

Cabe refletir acerca do significado dos fatos, e de sua transcendência, da incidência que terá no futuro do país, e na vida dos peruanos

Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Sabiamente, o uruguaio Mario Benedetti, nos aconselhava: Não te rendas, ainda estás em tempo/ de alcançar e começar de novo / aceitar tuas sombras, enterrar teus medos/ libertar o lastro, retomar o voo/ Não te rendas que a vida é isso; continuar a viagem/ perseguir teus sonhos/ destravar o tempo, correr os escombros e destapar o céu/ Não te rendas, por favor não cedas/ embora o frio queime, embora o medo morda/ embora o sol se esconda, e se cale o vento; ainda há fogo em tua alma, ainda há vida em teus sonhos/ Não te rendas…

E este texto, escrito e elaborado para outro cenário e distintas circunstâncias, pode ser aplicado com certeza ao Peru e à situação criada aqui nos últimos dias. É que no marco de uma aguda crise, conhecemos um desenlace inesperado e escutamos cânticos da vitória gritados por forças historicamente derrotadas, mas ainda insepultas. 

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Quando se escreve o ocorrido no passado 7 de dezembro, deve-se assinalar que a breve mensagem emitida por Pedro Castillo naquela manhã foi um verdadeiro salto ao vazio. Uns dizem que foi enganado. Outros, que agiu sob pressão e ameaça. 

Há também aqueles que asseguram que foi vítima de um complô sinistro no qual participaram obscuras personagens que se infiltraram em seu entorno, como já havia ocorrido quando se manejaram irregularidades de ordem financeira e administrativa na Casa de Governo. E haverá, além disso, outras versões mais truculentas. 

Como costuma acontecer, cada uma terá um pouco de razão. A soma destas versões ajudará a entender os fatos, mas, em todo caso, nada permitirá – em curto prazo – reverter o sucedido. 

Finalmente a Ultradireita Neonazista conseguiu alcançar o que havia desejado desde 28 de julho de 2021: tirar do Poder o professor rural que tivera o atrevimento de derrotar Keiko Fujimori nas eleições presidenciais. E pôde fazê-lo quase sem custo algum, valendo-se das precariedades do Mandatário, e de suas limitações, mas também sabendo usar a passividade, a indolência, a falta de iniciativa e a mesquinharia das forças que levaram Castillo ao Governo, e que o deixaram sozinho em horas decisivas. 

Cabe refletir acerca do significado dos fatos, e de sua transcendência, da incidência que terá no futuro do país, e na vida dos peruanos

Manuel Borbolla – Reprodução/Twitter
Não é possível derrotar e humilhar um povo quando este constrói laboriosamente sua unidade




Significado e transcendência

Bastante se escreveu já em torno do ocorrido. Cabe refletir então acerca do significado dos fatos, e de sua transcendência, da incidência que terá no futuro do país, e na vida dos peruanos. Vejamos:  

Durante a República – como bem dissera Jorge Basadre – a oligarquia peruana renunciou a ser uma classe dirigente e se converteu apenas em uma classe dominante. No começo do século XIX, degradou a sociedade peruana gerando uma decomposição galopante. González Prada a descreveu com duras palavras: “onde se põe o dedo, salta o pus”. 

No Peru, ultradireita domina Congresso e agora acusa Castillo de corrupção por “ninharia”

A primeira tentativa de mudar essa realidade se assomou em 1911 com o governo de Guillermo Billinghurst. Mas este foi deposto pelo Golpe de Estado de OScar R. Benavides, em 1914. A segunda ocorreu em 1945, sob a bandeira da Frente Democrática Nacional e José Luis Bustamante. Mas este também foi derrocado por Manuel Odría. A terceira foi de 1968: a insurgência patriótica de Juan Velasco Alvarado, também derrubado em 1975 por Francisco Morales Bermúdez. A mais recente – a quarta – foi a que encarnou Pedro Castillo, com infausta sorte.

Este reconto não é casual. Serve para confirmar o que alguma vez dissera como malefício Gonzalo Rose adjudicando-lhe a uma vontade suprema uma prática sinistra: “Degola, Deus dos incrédulos/ ao que tente grosseiro/ transformar o Peru”.

Uns e outros caíram, mas a cálida semente que plantaram neste solo regado com o sangue de milhões ficou impregnada e finalmente dará fruto. É questão de perseverar em uma tarefa nas quais Tupac Amaru pôs uma primeira e grande pedra, e José Carlos Mariátegui um cúmulo de ideias e ações. Ambos nos legaram história e rebeldia. Por isso bem pode se dizer que os acontecimentos de quarta-feira, 7, não foram concluídos. Isso só acontecerá com a vitória do povo. 

Ou seja, quando os que batem palmas hoje compreenderem que perderam para sempre. Assim o confirma o pensamento de milhões, mas também a fatigada marcha de homens e mulheres que se mobilizam a partir dos Andes com a bandeira do Peru em mãos, exigindo respeito à vontade cidadã.


Os dois caminhos de Dina Boluarte

À margem de suas intenções e desejos, não vai ser fácil para Dina Boluarte. Ela tem dois caminhos adiante. Um, é o de entrega aos desígnios de uma Máfia voraz e desapiedada que vai querer submetê-la e dobrá-la ao seu capricho. O outro, é o da identificação com a causa do Peru. Saberá escolher? Primeiro deve comprometer os colaboradores de gestão que reúnam dois requisitos essenciais: eficiência e honradez. Não vai encontrá-los na Máfia Golpista, que hoje sorri satisfeita para a foto de lembrança.  

Em todo caso, a vida haverá de ensinar-lhe, e muito. Não é possível derrotar e humilhar um povo quando este constrói laboriosamente sua unidade, fortalece sua organização, eleva sua consciência e luta por objetivos essenciais. Vale dizer, quando entende que além das palavras estão as ações. 

O confirmam as mobilizações registradas nos últimos dias em Arequipa, Puno, Cusco, Ayacucho, Huancayo e outras cidades do interior do país. O 198º aniversário da batalha de Ayacucho, é também um aliciente de vitória. Há que tê-lo em mente. 

O Peru hoje expressa uma vontade indomável: não se render.

Gustavo Espinoza M. | Colaborador da Diálogos do Sul em Lima, Peru.
Tradução: Beatriz Cannabrava.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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