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Operação Condor, 21 anos do descobrimento dos arquivos do terror

Martín Almada

Tradução:

“A vida continua, porém o vazio é enorme e o luto é permanente!”

Martín Almada*

Martin Almada Perfil DiálogosEra uma vez uma sociedade sul-americana plural e respeitosa das diferenças ideológicas que lastimosamente confiou demasiado em sua Força Pública, Exército e Polícia que não obedeceram à Constituição nem se subordinaram aos poderes do Estado, mas, sim obedeceram às ordens de Washington. Essas forças armadas foram formadas na Escola das Américas, na Zona do Canal do Panamá. Ali se incubou a Operação Condor. Encarcerou, assassinou e/ou expulsou ao exílio o melhor de sua intelectualidade. Aparentemente, a Condor aterrissou no Brasil, como diz Jair Krischke, depois do golpe de Estado militar retardatário que derrubou o governo constitucional de João Goulart em 1964.

Frank Gaudichaud, especialista francês em Operação Condor diz que a proposta do golpe militar era para instalar o modelo neoliberal com a ideia de que todos os problemas econômicos, sociais, educativos pudessem resolver-se através do livre funcionamento do mercado que tinha um preço muito alto: a aniquilação por desaparecimento físico de nossos intelectuais ou ao silêncio de vastos setores de nossa sociedade. Repito: A Operação Condor expulsou ao exílio interior e exterior o melhor de sua intelectualidade.
operação condor2Na década de 1970, durante os anos da Operação Condor nossos povos sofreram uma agressão demencial por parte do Exército, a política, todo o sistema de segurança do Estado em cumplicidade do Poder Judiciário e um setor importante dos empresários e um setor importante da igreja católica.
Implantou-se a doutrina de segurança nacional estadunidense em que o inimigo interno foi o próprio povo. Assim foram instalados no poder um bando de ladrões e assassinos. O Estado passou a clandestinidade e se voltou contra a sociedade.
Raymond Aron, francês, filósofo da história, em seu interessante livro Os últimos años del siglo, año 1984, reflexionava assim sobre os golpes militares no Cone Sul da América Latina: “Que importância tem para os Estados Unidos a cor do regime instalado em Santiago”.
O golpe no Chile e nos países do Cone Sul (Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai) coincidiu com a Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética. Ambas potencias contavam com importante arsenal atômico em aberto e perigoso desafio. Chile e os demais países da Condor, não significavam nada na correlação de forças entre ambas as potencias porque não possuíam armas atômicas.
Efetivamente havia uma miopia política por parte do Departamento de Estado estadunidense, em particular de Henry Kissinger, para levar adiante a sangue e foto a Operação Condor apesar da oposição do próprio embaixador dos EUA em Santiago do Chile.
Raymond Aron anuncia que o golpe de Pinochet e demais militares não tenha perspectiva de êxito num futuro próximo, era uma derrota anunciada. Também disse que era um absurdo o bloqueio econômico contra Cuba.

A vingança da História contra a Cultura da Morte

Foram as vítimas da Operação Condor, vítimas no exílio, familiares de víticas organizadas na Madres de Plaza de Mayo, Avós, filhos se mobilizaram e com seus gritos nas ruas derrubaram o muro da impunidade imposto pelo grupo cívico-militar. Provocaram a explosão da Memória. A Argentina é hoje o país que lidera a defesa dos Direitos Humanos na América Latina.
No Paraguai contamos com mais de três toneladas de documentos e oito volumes de Recomendações da Comissão de Verdade e Justiça que comprometem o governo ditatorial. Nosso sistema judiciário não tomou medida alguma contra os torturadores, cúmplices e encobridores os quais passeiam pelas ruas impunemente. Por isso, recentemente, recorremos ao Poder Judiciário argentino reclamando justiça do marco da justiça universal. Segundo este mesmo princípio o general Augusto Pinochet foi preso em Londres em outubro de 1988 por ordem do juiz espanhol de instrução Baltasar Garzón.
François Roger le LoireEm 31 de maio de 2001, em Paris, o juiz François Roger le Loire de ordem de prisão contra o secretario de Estado estadunidense e Prêmio Nobel da Paz, Henry Kissinger, por estar implicado na Operação Condor que resultou na prisão e desaparecimento de cidadãos franceses no Chile sob a ditadura de Pinochet. Quando, nessa mesma noite, a polícia chegou ao luxuoso hotel em que se hospedava ele já estava refugiado na embaixada dos EUA em Paris. É de se destacar que um mês mais atarde, Kissinger publicou um extrato de sua obra sob o título “O engano que representa a jurisdição universal”, e destaca que as virtudes se convertem em uma inquisição e caça às bruxas. Delitos que precisamente ele cometeu em meu país e na América Latina. Ironia do destino…

O Plano Camelot goza de boa saúde

Os recentes incidentes diplomáticos causados pela política de espionagem sistemática praticada atualmente pelo governo estadunidense nos leva a deduzir que o Plano Camelot de espionagem sociopolítica iniciado na década de 1960 na América Latina continua em plena vigência. As asas do Condor cresceram exuberantes depois de 1970, ou seja, globalizaram.
Segundo o organograma da Operação Condor encontrado no Arquivo do Terror do Paraguai, todos os exércitos deviam ter e conservar seus próprios arquivos secretos. Abrigo a esperança de que se continue a encontrar mais arquivos concernentes à política de extermínio. Segundo a prestigiosa jornalista argentina Stella Calloni, o “furacão Snowden” revelou os labirintos da maior espionagem global na história da humanidade apoiadp pelos Estados Unidos.

21 anos

O que foi a Operação Condor? Stella Calloni, representante de Diálogos do Sul na Argentina, define muito bem. Foi um pacto criminoso entre os países autoritários de Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai para intercâmbio de informação de inteligência entre os Estados membros, a localização do elementos subversivo ou terrorista, tortura, execução ou o deslocamento do sujeito subversivo de qualquer outro país signatário da associação ilícita para delinquir, tudo para salvar supostamente a civilização  ocidental e cristã das garras do comunismo ateu e apátrida.
Stella CalloniA tortura foi convertida em uma política de Estado para desarticular as organizações sociais e impor a sangue e foto o modelo neoliberal, quer dizer, a privatização, a entrega de nossa soberania. Isto equivale a dessangrar à pátria.
Em 22 de dezembro de 1992 encontrei, na periferia de Assunção, com a intervenção do promotor Jose Agustin Fernandez, o Arquivo do Terror da Operação Condor, resultado de 15 anos de pesquisa, maior tempo transcorrido em Paris a traves da Revista Policiais do Paraguai e da coleção de Diffusión de l’information sur L’Amerique Latine (DIAL). Ao se abrir a porta de uma Delegacia começaram a vir à tona inquietantes historias dos países do Cone Sul da América Latina. Foram abertas as portas do passado e por ela pudemos ter acesso a essa história contada pelos próprios repressores.
O juiz espanhol Baltasar Garzón visitou nossos Arquivos em 1997, presençaa que constituiu um apoio moral muito forte porque evitou a intervenção do Exército e da Polícia para recuperar os documentos comprometedores. Também recebemos o apoio do Procurador Federal Miguel Angel Osorio.
O presidente Truman dos Estados Unidos em 1945 ordenou o bombardeio atômico sobre a sociedade civil de Nagasaki e Hiroshima, no Japão, que deixou mais de 140 mil vítimas. E até hoje não foi julgado esse magnicídio.

Uma bomba atômica sobre o Cone Sul da América Latina

O então secretario de Estado Henry Kissinger, Nobel da Paz, ordenou literalmente o lançamento de outra bomba atômica sobre a população civil de Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Uruguai e Paraguai, que também deixou mais de 100 mil vítimas, em sua maioria líderes sociais, inclusive os dirigentes da Teologia da Libertação. Por isso os países da Condor hoje estão órfãos de liderança. Planificaram e executaram a eliminação física da classe pensante na região. Nossos sonhos foram convertidos em pesadelos.

Quem assinou o pacto criminoso?

John Dinges afirma que assistiram à Reunião de Inteligência em Santiago de Chile, em fins de novembro e primeiros dias de dezembro de 1975, e firmaram a Ata de compromisso, o capitão de navio Jorge A. Casas pela Argentina; major Carlos Mena por Bolívia; general Manuel Contreras por Chile; coronel José A. Fons pelo Uruguai, general Benito Guanes Serrano por Paraguai. Uma delegação brasileira assistiu como observador e logo em 1976 se integrou, porém negou-se a participar nas ações criminosas fora da América Latina. A Justiça foi convertida em apêndice dos outros poderes.
operacao-condorAtílio Boron, em seu prólogo da “Nueva hegemonia Mundial”, diz: “Em momentos em que as ditaduras pareciam a ponde de acabar com as ciências sociais nesta região, quando tais regimes perseguiam ou assassinavam a nossos cientistas sociais, Europa ofereceu status de refugiados políticos a mais de dois mil intelectuais latino-americanos.
O ditador Stroessner sustentava a teoria segundo a qual “o progresso é um caldo de cultura para a delinquência e mais educação e cultura corresponde a um maior foco de subversão e que por isso tinha que desconfiar dos intelectuais, sobretudo vigiá-los. Assim sendo o ditador tipificou meu delito como “terrorista intelectual” pelo conteúdo da tese “Paraguay: Educación y dependência” que defendi na Universidade Nacional de La Plata, Argentina, em 1974, inspirado na educação libertadora de Paulo Freire, e por ter aplicado essa metodologia no Instituto “Juan Bautista Alberdi”, onde era diretor. Fui o primeiro paraguaio com o título de doutor en Ciências da Educação. Essa experiência me custou: torturas, três anos de prisão, a morte por tortura psicológica de minha esposa Celestina, o confisco de nossos bens e cerca de 15 anos de exílio.
A Universidade Nacional de La Plata, Argentina, atualmente está realizando uma pesquisa sobre o tema da Operação Condor no âmbito universitário, uma conspiração contra a sociedade do conhecimento. No mesmo sentido começou o trabalho no Brasil contando com o entusiasmo da juventude estudiosa.

Contribuição paraguaia à justiça argentina

O promotor Gustavo Santander Dans, responsável pela investigação da Operação Condor em 2003, viajou a Buenos Aires onde contatou seus pares argentinos e entregou os documentos mais relevantes da Operação Condor  contidos no Arquivo do Terror. A contribuição paraguaia permitiu à Justiça argentina avançar na batalha jurídica contra a impunidade.
Destaca-se que há mais de 100 paraguaios detidos/desaparecidos na Argentina durante a guerra suja.

O Condor continua voando…

Crer que a Operação Condor terminou com a morte de Pinochet é um erro crasso porque o Condor continua voando…
Em 1997, em Assunção, encontramos um documento militar secreto em que um coronel paraguaio se dirige a um coronel equatoriano, da Secretaria da Conferência de Exércitos das Américas (CEA), em que expressa literalmente: aqui lhe envio a lista dos subversivos da América Latina. Em 1995 a CEA se reuniu em Barriloche, Argentina, Carlos Menen Presidente. Pinochet advertiu nesta oportunidade os militares sobre o perigo que representa a democracia porque, disse, atrás da democracia estão os comunistas. Em 1999, em La Paz, Bolívia, e em 2001, em Santiago de Chile. Atualmente a CEA está a cargo do exército mexicano. A esta conferência de exércitos americanos, a que denominamos Condor-2,  já se comprovou que Chile, Colômbia, México, Brasil, Peru, Paraguai, Panamá continuam enviando seus oficiais à Escola de Assassinos instalada atualmente no Forte Benning, na Georgia, EUA. O sacerdote estadunidense Roy Bourgoise, há mais de 20 anos criou o SOAW, um organismo dedicado a lutar pelo encerramento dessa escola de assassinos.
As forças armadas, em democracia, têm que se subordinar totalmente ao poder civil, caso contrario continuaremos com a democracia de fachada, uma democracia disciplinada de baixa intensidade.
Mauricio Webel e Carlos DoratMauricio Webel e Carlos Dorat, chilenos, escreveram em Santiago recentemente, o livro esclarecedor “Los Archivos Secretos de la Dictadura”
Chamou-me muito a atenção a seguinte passagem:
As saudações finais dos altos mandos militares expressam: “Deus lhes proteja”. Que sacrilégio!!! Invocam a Deus para cometer atrocidades como na idade media, queimando livros e queimando seus autores.
Nossos militares viram a urgente necessidade de despolitizar à sociedade civil a partir do Medo. Privatizaram a educação para produzir mão de obra para o mercado e não para a sociedade trabalhadora. Para evitar uma educação crítica, participativa e transformadora, recorreram à receita do Banco Mundial e do Banco Interamericano com uma proposta alienante.
Em democracia temos que recuperar os valores morais da democracia. Por exemplo, reinstalar a solidariedade como ternura dos povos.
Se o modelo econômico e social que hoje vivemos se fundou no medo, somente perdendo o medo conseguiremos vencê-lo. E estamos vencendo… sobretudo a juventude estudiosa.
As recentes manifestações estudantis em Santiago do Chile reclamando por educação gratuita e de qualidade demonstra o acerto da analise feita por Raymond Aron.
Moniz Sodré, professor na Universidade do Rio de Janeiro, em 1999 nos chamou a atenção a propósito do “Capitalismo Gognitivo” que segundo ele constitui a nova base de acumulação do capital. Tudo se  transformou em capital, capital, humano, capital cultura, capital intelectuais, capital social, capital religioso, capital simbólico, capital e mis capital. Por trás se oculta uma monocultura do saber, expressado pela economia do conhecimento a serviço do mercado. A educação se torna utilitarista ao transformar a escola em uma empresa e em um mercado a serviço do neoliberalismo.
basesmilitaresManifestamos também nossa profunda preocupação pela presença de uma base militar no coração do Chile, Concón, supostamente para assegurar operações de paz nas zonas urbanas. Refiro-me ademais às bases militares na Colômbia, Panamá, Honduras, Guantánamo, no contorno de Venezuela, Equador, Bolívia, Argentina e Brasil. Outra expressão do colonialismo é a presença militar dos ingleses em Malvinas. As Malvinas são argentina e de América Latina. Minha reflexão é não só para manter viva a memória mas para reafirmar nossa sede por justiça.
A ocasião é propícia para expressar nosso agradecimento aos franceses que colaboraram eficazmente no descobrimento do Arquivo do Terror e sua posterior proteção, como o sacerdote Charles Antoine, Marcel Bernard, o advogado Pierre Kaldor, Sophie Thonon, de França América Latina, do prof. Alain Touraine, William Bourdon, Eduardo Valenzuela, Pierre Abramovich e outros. Com o apoio do Encarregado de Negócios do Paraguai, Julio Duarte e de França, o Arquivo do Terror foi declarado pela Unesco como Memória do Mundo em 2009.
Também os agradecimentos a França, Terra de Asilo, por ter recebido a mil com meus três filhos durante meu exílio forçado entre 1979-1992.
Saudamos com simpatia que no Brasil se inicia a investigação que corresponde, como no Uruguai, Chile e Equador, sobre a Operação Condor.
Celebramos os 30 anos de Democracia na Argentina, de recuperação das instituições e do estado de direito até as grandes reivindicações de nossos dias, como os meios de comunicação, apesar dos esforços desestabilizadores do poder econômico local vinculado com os interesses do Império.
Celebramos também a Explosão da Memória com o descobrimento do Arquivo do Terror da Argentina nos porões de um edifício da Força Aérea conhecido como Edifício Condor. Pouco a pouco, passo a passo estamos recuperando nossa Memória Coletiva da que fomos privados durante muito tempo.
Celebramos as Abuelas de Mayo que encontraram um neto de paraguaio detido/desaparecido.
Saudamos e felicitamos o Coletivo Argentino pela Memória pela realização deste importante evento internacional que conta com o apoio do Ministério de Relações Exterior da Argentina.
Senhoras e senhores, convoco às Universidades de América Latina e da França para pesquisar o destino final de nossa classe pensante. Sem ela a vida continua, mas o vazio é enorme e continuaremos em luto permanente.
Já não é tempo de impérios nem colônias, nem de ditaduras militares, muito menos de permitir que o Condor continue voando porque é tempo dos povos, de justiça e dignidade.
Termino com estes bem logrados versos do cantautor cubano Pablo Milanés:
“Retornaram os livros, as canções
Que queimaram as mãos assassinas,
Renascerá meu povo de suas ruínas
E carregarão suas culpas os traidores”
*Martín Almada, Prêmio Nobel Alternativo da Paz 2002 – colaborador de Diálogos do Sul. Palestra proferida no Senado francês, Paris, novembro de 2013


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Martín Almada

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