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Organização israelense denuncia que plano de Trump para Palestina oficializa apartheid

Juízes brasileiros foram recebidos pela direção da entidade de direitos humanos B'Tselem, em Jerusalém
Nathaniel Braia
ComunicaSul
Jerusalém

Tradução:

A organização israelense B’Tselem, cujo trabalho é levantar e denunciar a sistemática agressão aos direitos humanos palestinos por parte do governo israelense através de suas tropas de ocupação, recebeu juízes brasileiros em sua sede localizada em Jerusalém. Hagai El Ad, diretor executivo da B’Tselem fez uma ampla exposição dos trabalhos realizados aos juízes Reginaldo Melhado e Ana Cristina Borba, que estiveram na sede da entidade, no dia 28. Os juízes estiveram acompanhados pelo advogado Gabriel Melhado e pelos jornalistas Caio Teixeira e Nathaniel Braia.

Esta matéria integra uma série de entrevistas e material jornalístico levantado durante a recente viagem a Israel, na qual buscaram aprofundar o conhecimento acerca da tensa realidade que o conflito causado pela usurpação do povo palestino provoca não apenas entre os palestinos, mas também de como se reflete no interior desta sociedade.

Juízes brasileiros foram recebidos pela direção da entidade de direitos humanos B'Tselem, em Jerusalém

Nasser Nawaj’ah, B’Tselem
Tratores e fiscais momentos antes de demolição de casa palestina na Cisjordânia em 2018

Segue o relato desse encontro:

Hagai El Ad – Iniciamos o nosso trabalho com a intenção de documentar e divulgar os fatos da opressão sobre o povo palestino para que os integrantes da sociedade israelense se erguessem – por razões morais – contra a agressão aos direitos humanos nos territórios palestinos por parte das forças israelenses de ocupação.

O que nós verificamos ao longo dos anos de trabalho é que o ataque aos direitos palestinos, embora mudando de forma em um aspecto ou outro, foi uma constante durante décadas. Houve uma redução destes ataques, de forma breve, durante o governo de Rabin, mas isso foi exceção.

Esse ataque constante, é uma das consequências principais de um projeto que tem como intenção última despossuir os palestinos de sua terra.

Este é um quadro que prossegue e, infelizmente não sofreu nenhuma mudança fundamental.

O projeto tem tido sucesso. O avanço israelense foi acontecendo ao longo do tempo. A medida do seu sucesso é a apatia da sociedade israelense com relação a ele. Uma das demonstrações de seu sucesso está na passagem da ideia de que não existe tal projeto.

E, ao lado da ideia de que não existe tal projeto, temos a de que a sociedade israelense é uma democracia, como é propalado e em grande parte é visto pela maioria das pessoas mundo afora. 

Comunicasul – E como se obteve este sucesso?

Hagai, diretor executivo de B’Tselem, com Nathaniel Braia – foto – Caio Teixeira 

Execução gradual

Uma das medidas adotadas para garanti-lo foi fazer as coisas de forma gradual, com relativa lentidão.

Vocês sabem, se nota menos quando é feito um assentamento de cada vez, durante 52 anos, uma demolição de casa vez por outra, de forma que ao longo de tantos anos se obtém um bocado de resultados.

Se isso fosse realizado em um ano, todo o mundo iria ficar alarmado. Mas, fazer o mesmo de forma paciente, gradual disfarça a realidade da vida aqui.

Nessa questão reside e se permite uma ambiguidade.

Ambiguidade

A ambiguidade também é um item importante. Esse avanço sobre a propriedade, as terras palestinas, foi realizado em meio a negociações, denominadas de negociações de paz. Ao mesmo tempo, também se propalava, que as negociações não avançavam porque não havia em quem confiar para que elas chegassem a bom termo.

Outra questão presente é a da legalidade. Aqui os distintos governos israelenses passam ao mundo a ideia de que não há porque os demais governos e organizações internacionais se preocuparem, pois, Israel não ultrapassa as fronteiras da legalidade. Uma grande mentira israelense.

Como exemplo, temos as demolições de casas. Uma casa demolida é acompanhada da justificativa de que ela foi demolida por ter sido construída de forma ilegal.

Não se leva em consideração que a casa foi assim construída por que nunca é dado ao palestino o direito de construir casas.

Aqui entrego a vocês um material onde relatamos os diversos aspectos dessa ação nos últimos anos.

(Neste momento Hagai passa a nós, visitantes, revistas tratando:

1 – Da investigação realizada por Israel sobre a agressão a Gaza que, ao invés de expor os crimes cometidos, buscou minimizá-los e apagá-los

2 – Da violação dos direitos humanos dos menores palestinos diante das Cortes Militares israelenses

3 – Da recusa israelense em compensar palestinos por danos causados por suas forças de segurança)

Aqui vocês podem acessar uma vasta documentação sobre como agem as forças de segurança, como atuam as cortes militares, e assim por diante.

“Então, uma das atuações características do sistema judicial israelense, não é a de promover justiça, reparações, etc., mas limpar, remover as manchas da atuação das forças israelenses nos territórios palestinos”

Então, uma das atuações características do sistema judicial israelense, não é a de promover justiça, reparações e, etc., mas limpar, remover as manchas da atuação das forças israelenses nos territórios palestinos. 

Removendo manchas

Isso nos trouxe um desafio e buscamos investigar isso em profundidade, exatamente porque há, da parte de Israel, a intensão e o esforço de demonstrar a suposta ‘legalidade’ da ocupação.

Então, um dos nossos trabalhos foi mostrar o verdadeiro trabalho realizado pelos juízes em meu país.

Ana Cristina Borba – O acesso de vocês aos processos, a possibilidade de vocês na defesa de acusados é algo tranquilo ou muito dificultado?

Hagai – Nós não atuamos nesta esfera. Nós não somos uma entidade que fornece defesa jurídica. Nós atuamos na denúncia dos fatos da ocupação.

Voltando à questão do sistema jurídico. Nossa conclusão, com relação a este sistema é a de que ele não dá nenhuma base para que os palestinos se defendam das ilegalidades cometidas pelos ocupantes, mas, ao contrário, atua no sentido de esconder e absolver estas infrações perpetradas pelas forças de ocupação.

Quando os palestinos se mobilizam para reclamar destas infrações, eles sempre obtêm insucessos. Por exemplo, quanto à demolição de casas, não conhecemos nenhum caso em que um palestino vítima da demolição de sua residência tenha recebido da Corte Suprema a permissão de reconstruí-la.

Da mesma forma, quando palestinos são mortos durante uma incursão de forças israelenses, não há investigação séria sobre os fatos que levaram às tragédias.

Assim é que, para os palestinos, a obtenção de justiça através do sistema jurídico israelense, torna-se uma meta extremamente difícil, se não impossível.

Outro aspecto da defesa, da limpeza dos crimes cometidos por Israel, é o recurso ao tema do antissemitismo. Uma atuação muito eficaz. 

| |Na foto, Caio (jornalista), Gabriel (advogado), Ana (juíza), Hagai (diretor executivo de B'Tselem) e Reginaldo (juiz) | Foto Nathaniel Braia 

Antissemitismo como escudo

Qualquer um que ouse criticar ou contestar essas políticas israelenses com relação aos palestinos é acusado de antissemita em qualquer lugar do mundo onde esteja localizado.

Por esse mecanismo, Israel deve escapar de todo tipo de crítica.

Esse último aspecto tem tido um grande sucesso do ponto de vista de quem executa estas políticas de agressão aos direitos humanos palestinos.

Ele intimida e busca tirar legitimidade a todo aquele que ouse criticar aspectos negativos da ocupação, da ação israelense com relação aos palestinos, em especial nas denúncias de agressões ou ações ilegais.

Então, de acordo com esta narrativa, todo aquele que critica de forma veemente a política israelense o faz movido por antissemitismo.

Também percebemos inversões nesta narrativa. Se busca passar a ideia de que os agressores, os ocupantes de uma terra dita “sagrada” aos israelenses, são os palestinos… Gostaria de saber mais sobre agressões não apenas às pessoas, mas a coisas que servem como meios de sobrevivência, a exemplo de cisternas, de oliveiras arrancadas pela raiz…

Essa pergunta nos remete a questões muito vastas, mas vamos a elas.

Ações como essa podem parecer, à primeira vista, como de indivíduos ou grupos, mas não são. Elas integram o projeto nacional israelense que se baseia na negação dos direitos dos palestinos. São agressões que derivam desta circunstância.

Uma das ações mais agressivas contra os palestinos é a demolição de suas residências

Todas estas ações, não têm sido levadas a cabo por grupos de colonos nos assentamentos construídos nos territórios palestinos. Não. Trata-se de ações perpetradas pelo Estado de Israel.

Reginaldo – Que tipo de pessoas são levadas a morar nestes assentamentos?

Esta questão está conectada à anterior. Não estamos falando de um grupo de pessoas, ou de pessoas pobres. Não estamos falando de uma política de Estado.

São ações individuais, ou iniciativas individuais como a de transferência de moradia. Mas o fundo é a política levada a cabo pelo Estado.

Faz parte de uma política realizada de forma muito clara pelo Estado de Israel na Cisjordânia, na Jerusalém Oriental.

Não se trata, repito, de ações perpetradas por “pessoas más”. Integram o projeto nacional israelense. 

Na foto, Ahed Tamimi enfrenta julgamento pelo tribunal militar israelense após desafiar soldados da ocupação que invadiram seu l

Projeto de Estado

São acontecimentos que não poderiam ocorrer de outra forma, sem a presença deste projeto em ação.

Temos aqui assentamentos maiores, como o de Maale Adumim, que são providos de meios de transporte e outras facilidades que tornam conveniente morar lá.

Vale aqui notar que a construção destes assentamentos, assim como a ocupação de terras árabes na Galileia, não começou agora. Também nos governos dos trabalhistas, durante os anos 70, essa política foi implementada.

Há uma política de “normalização” destas ocupações.

As pessoas se mudam para lá por razões as mais diversas. Muitos dos moradores, como aqueles que vivem em assentamentos construídos ao borde de Jerusalém, a exemplo de Har Homah, não se sentem como colonos. Para eles aquilo se tornou mais um bairro de Jerusalém.

Como eu já disse, essa normalização se verifica na preocupação com os transportes. Estradas modernas são construídas conectando tais assentamentos a Jerusalém e Tel Aviv. Porquê isso? Para fazer a vida dos que decidem morar em assentamentos mais fácil, melhor, mais tranquila.

Pelo lado oposto, estas estradas e meios de transporte são disponibilizadas para os israelenses, mas não para os palestinos.

Jerusalém

A esse respeito, vale destacar que Jerusalém sempre foi, desde tempos muito longínquos, o centro da vida social, de estudos, de comércio para todos os moradores palestinos na Cisjordânia.

O que tem sido feito nos últimos anos é, por um lado, integrar a Jerusalém palestina a Israel e, ao mesmo tempo, separar a cidade do conjunto dos palestinos. Hoje, um palestino que viva nas cidades vizinhas precisa de uma permissão para entrar em Jerusalém.

Estão atuando em duas linhas ao mesmo tempo.

Uma reengenharia demográfica. Assim que o colono que passe a viver para além da linha verde (o território de Israel antes das ocupações de 1967) há, como já dissemos, as mesmas regalias concedias aos israelenses na região internacionalmente reconhecida da linha verde. Segurança, transportes, etc.

Para os palestinos, o que se oferece é o oposto. Dificuldades sobre dificuldades.

Por exemplo, hoje há relações normais entre Israel e a Jordânia. Assim, um israelense pode visitar Amã. Já o palestino que sempre viveu e transitou livremente na região, mesmo que tenha parentes lá, só pode atravessar a fronteira de Israel com a Jordânia, com permissão das autoridades israelenses.

A mesma coisa para ir a Israel. A mesma coisa para transitar entre cidades palestinas vizinhas. E isso é um violento meio de controle. Se o palestino tiver incorrido em qualquer “contravenção” – do ponto de vista da visão de legalidade de Israel – pode ficar proibido de transitar. Se não foi ele, foi um dos seus pais, um parente próximo…

Ou seja, todos devem se comportar muito bem para não terem que suportar um aprisionamento a céu aberto. 

Na foto, Ahed Tamimi enfenta julgamento pelo tribunal militar israelense após desafiar soldados da ocupação que invadiram seu lar 

Controle sobre os palestinos

É uma das mais duras formas de fazer com que os palestinos se “comportem”, ou seja, que acatem as duras normas da ocupação. Todos eles sabem que estão sujeitos a estas condições.

O outro aspecto, outra consequência, dessa ordem engajada e de ocupação é a hostilidade com a qual os israelenses que trabalham com a denúncias dessas condições são obrigados a enfrentar.

Nathaniel Braia – Agora, para os israelenses tornou-se proibido entrar em determinadas áreas palestinas

Sim. Na chamada área A, que está sob administração palestina, Israel baixou uma ordem militar que proíbe os israelenses de ali transitarem.

Ana – Qual é a situação das crianças que enfrentam o sistema judicial?

Há situações diferentes. Crianças palestinas detidas na região da Jerusalém Oriental são levadas para estações da Polícia de Israel. Já os de Ramallah, assim como os das demais cidades e aldeias palestinas, são trazidos para estações onde enfrentarão Cortes Militares.

Essa é uma diferença importante. Porque um colono nunca vai enfrentar Corte Militar mas, se for o caso, enfrentará sempre tribunais civis.

Caio Teixeira – Então eles enfrentam um regime que não é civil. Estão sob leis de guerra.

Sim. Mas mesmo para os jovens detidos pela polícia, as regras normais de proteção nem sempre funcionam. Uma criança pode ser detida, levada para interrogatório. E, quando um parente vai reclamar, obtém como resposta que este caso é uma exceção. São muitos os casos em que a “exceção” se aplica, acaba virando regra.

Já com relação aos conduzidos a cortes militares, Israel criou outro absurdo que são as cortes militares especiais para crianças e jovens. O marketing israelense diz que eles estão sendo muito simpáticos ao criarem estes tribunais. Quando, de acordo com a lei internacional, não existe tal norma. Israel não é obrigado a fazer essa distinção em termos de tribunais. Israel diz que foi além dessas leis para “proteger” os adolescentes palestinos, certo?

“O que nós fizemos foi buscar documentar o que de fato acontece. Quer dizer o que está acontecendo independente do que diz a propaganda”

O que nós fizemos foi buscar documentar o que de fato acontece. Quer dizer o que está acontecendo independente do que diz a propaganda.

O que acabamos descobrindo é que com esses tribunais “especiais” nada ficou diferente. No geral não existe julgamento. O juiz autoriza sempre a continuação da detenção até que as autoridades da ocupação decidam o destino do detido. A ordem chega e é executada pelo juiz que age como um carimbo.

Caio – É um teatro então.

Primeiro, a decisão geral da Corte é que o réu deve permanecer preso até o final do processo. Além disso, as pessoas são levadas a assinar documentos admitindo a culpa. Porque está é a única forma do processo acabar. A pessoa que estava para ser julgada paga a pena correspondente e depois fica livre.

Cortes militares da ocupação

Porém, caso mantenha a alegação de inocência, o processo pode se estender por muito tempo.

A pena corresponde a uma negociação entre o detido – sempre sob intensa pressão – e o militar da ocupação. O que comporta ao juiz fazer, é aprovar essa barganha.

Reginaldo Melhado – Há limites para esse tratamento com relação a crianças?

Olha o regime é muito duro, mas há algumas restrições. As crianças abaixo dos dez anos. São detidas em estações de polícia e liberadas depois de uma a duas horas. Mas, mesmo isso, é totalmente ilegal. Imagine o trauma que é, para uma criança, ser levada por policiais e ficar presa por um tempo sem saber o que lhe vai acontecer.

Nathaniel – E quanto ao “grande negócio” do “Plano de Paz” de Trump?

É “um grande negócio” de fato. Em primeiro lugar, está claro para todo mundo que não se trata de um plano de paz, de forma alguma. Ele simplesmente verifica a situação atual e a torna algo formalizado.

Plano de Trump

Não levam em consideração se os palestinos apreciam este plano, que não lhes dá um Estado, apenas torna permanente o Estado de Apartheid. É isso que este plano significa. Em termos das condições sob as quais as pessoas já estão vivendo, não faz nenhuma diferença, em termos práticos.

Para os israelenses também não muda, apenas legaliza aquilo que os israelenses já estão fazendo nos territórios ocupados. Colonos constroem onde e o que querem, casas palestinas são demolidas onde se quer, se prende quem se quer prender e por aí vai…

Portanto, até mesmo em termos práticos, se fosse aceito, não faria nenhuma grande diferença para os palestinos.

Mas então, quais são as diferenças do ponto de vista de Israel e dos Estados Unidos?

Do ponto de vista de Israel. Continuaria fazendo o que quer, apenas precisa pagar o preço de dizer que admite o Estado da Palestina.  Negociação, concessões, mudanças, isto não está na cabeça do governo israelense.

Diz aos palestinos:  -É assim. Se quiserem é isso a coisa vai ser assim.

“O plano Trump institucionaliza um apartheid que já estava em andamento há 52 anos. Mas o termo usado para isso é ‘acordo'”

O plano Trump institucionaliza um apartheid que já estava em andamento há 52 anos. Mas o termo usado para isso é “acordo”.

Esse plano tem a discordância de parte da oposição.

Do lado norte-americano, isso quer dizer que, do ponto de vista da política internacional dos Estados Unidos, está tudo bem com o apartheid imposto sobre os palestinos. O mais incômodo e mesmo aterrorizador é que o país mais forte do planeta está dando seu de acordo para que qualquer um possa atormentar outros dessa forma. Total violação das normas e leis internacionais.

Esse tipo de coisa é inaceitável. Está errado aqui, está errado na Índia. Fazer isso está errado no Brasil, enfim, em qualquer lugar.

Violações das leis internacionais

A filosofia por trás dessa proposta de Trump é a seguinte: a razão pela qual alguém ou algum país pode fazer algo, não é porque seja justo ou correto; é porque é poderoso. Não tem nada a ver com o que é certo, nada a ver com leis internacionais.

As lições da Segunda Guerra, a decisão de que coisas como aquelas não poderiam mais acontecer estão para ser anuladas se isso prevalecer.

Nathaniel – O que acabou acontecendo foi uma divisão entre as condições dos palestinos: temos palestinos em Israel; palestinos em Gaza; palestinos que vivem na Cisjordânia e outros espalhados pelo mundo. Corresponde ao interesse da política israelense que isto aconteça?

Sim. Isto nos lembra a velha palavra de ordem de “dividir e conquistar”; se aplica aqui. Dentro da Cisjordânia os palestinos, além dessa divisão de seu povo, têm que enfrentar um processo de bantustanização com a construção de mais de 160 assentamentos judaicos que dividem também o seu território.

Essa divisão tira ou pelo menos retrai as possibilidades físicas de se unificarem. Além disso, os palestinos são colocados, todo o tempo, em condição temporária, sempre tendente a uma piora.

Um exemplo interessante sobre como funciona essa condição temporária é a situação dos palestinos na Jerusalém Oriental.

Com a anexação desta parte a Israel, os moradores dessa cidade não receberam cidadania israelense. Receberam vistos de residência permanente. Assim, eles podem caminhar livremente pela cidade, podem votar para candidaturas à Prefeitura, mas não podem votar para o parlamento israelense, o Knesset. Além disso, apesar do nome ser ‘visto permanente’, diferente da cidadania, ele pode ser revogado a qualquer momento. Fica como um aviso, como já vimos, a demandar dos palestinos sob ocupação que se “comportem”, para não perderem o visto.

Família Idris junta seus pertences depois de ter a casa demolida pela força de ocupação isralense – foto B’Tselem 

Inversão

Isso quer dizer que os palestinos, que estão aqui desde tempos imemoriais, agora passam a ser moradores sujeitos a uma situação temporária, que pode ser revogada a qualquer momento. É como se os imigrantes – sendo judeus – possam ter cidadania plena e os que nasceram aqui e estão aqui a gerações sejam agora reduzidos à condição próxima a de imigrantes.

Gabriel Melhado – Além disso, há os que nem mesmo esta condição de residente permanente possuem. Como é o caso dos que vivem nos territórios…

Então nós temos esta situação que criou uma nova diferença os palestinos que são da mesma Cisjordânia, mas que estão deste lado do muro, quer dizer, os de Jerusalém e os que estão do outro lado do muro e dos postos de controle e que precisam de visto para chegarem a sua principal cidade, que é Jerusalém.

Além disso, mesmo os que têm este visto permanente, e que podem transitar livremente por Israel, não lhes é permitido atravessar fronteiras, seja para a Jordânia ou qualquer lugar do mundo, sem autorização israelense.

Quer dizer, mesmo sem serem cidadãos israelenses, precisam de permissão por parte de Israel para circularem pelo mundo.

Reginaldo – De que formas podemos ajudar desde o Brasil?

Brasil é um país muito importante, do ponto de vista internacional, tanto por conta da trajetória diplomática brasileira, que existiu até a pouco. Eu penso que o mais importante é que vocês, falem sobre aquilo que viram. Vocês têm credibilidade para falar sobre o que viram e ainda vão ver em sua passagem por aqui. Vocês estarão falando não como alguém que comenta o que leu em jornais, mas como quem viu, quem veio até aqui. Isso pode ser propulsor de reflexões. Também podem ecoar, se concordam, sobre a forma como falamos da situação por aqui.

Investigar é preciso

Dessa forma, vocês podem levar o testemunho de vocês acerca de uma política determinada e não – como sempre é relatado, como surge na imprensa – na forma de incidentes isolados.

É preciso que isto seja investigado. Divulgado. Pois o que ocorre aqui é a opressão de um povo. Dessa forma, a opinião pública não apenas no Brasil, mas nos mais diversos países, pode mover os respectivos governos e organizações sociais a dar mais importância ao que está acontecendo aqui.

*A reprodução é livre, desde que citados os apoios e o autor.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Nathaniel Braia

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