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Orlando Senna: O futebol de cada um

Orlando Senna

Tradução:

Orlando Senna*

Orlando Senna. Perfil DiálogosO futebol está celebrando 150 anos de existência e há muita festa por toda parte. O aniversário de século e meio se refere aos ingleses que, em 26 de outubro de 1863, estabeleceram regras para um jogo de bola com uso de todas as partes do corpo com exceção de braços e mãos, para diferenciá-lo do rúgbi, jogado com as mãos. Celebramos o nascimento do futebol como conhecemos e jogamos hoje, não do jogo com uma bola, que esse se perde na bruma da memória da humanidade. Costumo pensar que todo mundo tem sua história particular com o futebol, porque tenho a minha e porque esse esporte faz parte da vida de bilhões de pessoas e, de uma forma ou outra, outros bilhões tiveram, têm ou terão contato com ele.

Minha história pessoal começa nos últimos minutos da final da Copa do Mundo de 1950, na tarde do dia 16 de julho. Era o Brasil/Uruguai no Maracanã recém inaugurado, a partida mais importante, mais estudada, mais dramática da história do futebol. Brasil jogando pelo empate, perdendo de dois a um, jogo chegando ao fim, 200 mil pessoas abarrotando o estádio e os brasileiros ao pé do rádio. Eu, entrando nos meus dez anos de idade, em minha cidadezinha do interior baiano, estava ao pé do rádio e a cena que ficou impregnada na minha memória é meu avô falando em direção ao rádio, gritando, como se estivesse diante de um grande microfone, tentando ser ouvido pelo principal jogador brasileiro, Ademir Menezes, lá no Maracanã: “Ademir, meu filho, faça esse gol pelo amor de Deus”. Gritou a frase várias vezes, como uma prece, como um mantra.
Só isso, um flash, nenhuma memória do que aconteceu antes ou depois da cena. Mas foi a partir dessa desoladora derrota para o Uruguai que me interessei pelo assunto, comecei a jogar, ganhei chuteira e uma bola de couro, escolhi meu time. Virei peladeiro, joguei durante muitos anos, entendi que os times atuavam a partir de estratégias. Quando comecei a jogar, a maioria das palavras usadas era inglesa (minha posição era half, meio campista) e era um futebol altamente ofensivo. A armação, ou esquema tático, era 2-3-5, ou seja, sempre cinco atacantes, não importava quantos gols o time sofria e sim quantos fazia.
Há uns oito anos fui com Pelé ao Festival de Cannes, em uma missão de promoção do cinema brasileiro, e ele, que também começou a jogar no 2-3-5 (temos a mesma idade) disse que esse é um esquema impensável no futebol moderno. Nessa viagem aconteceu outro fato marcante na minha relação com o futebol. Foi uma visão, um choque. Fomos a uma reunião em um barco atracado no cais do porto de Cannes. Eu estava em uma sala de onde podia ver Pelé no convés. De repente notei que ele estava bêbado, cambaleando, com expressão angustiada. Pelé bêbado?! O Atleta do Século embriagado, caindo pelas tabelas?! Impossível! Acordei do rápido transe quando notei alguém tentando ampará-lo e fui ver o que se passava. Dois marinheiros o levaram para terra firme, descendo uma escada estreita, e eu rezando para que nenhum fotógrafo flagrasse o herói naquela situação. Não estava bêbado, claro. É que o Rei do Futebol sofre de enjôo em barcos, depois confessou que cometera uma imprudência, pensou que não ficaria mareado em um barco atracado.
Voltando às minhas habilidades com a bola: eram poucas, mas consegui chegar às seleções da minha cidadezinha e do Colégio Marista de Salvador, onde batia bola todo santo dia. Como muitos adolescentes, sonhava ser um grande jogador e achei que tinha ganho uma oportunidade quando o time do Marista foi jogar uma preliminar estudantil na Fonte Nova. Acreditava com toda fé que ia ser escalado, ia jogar no tapete sagrado da Fonte Nova. No vestiário houve um problema com a chuteira do nosso melhor jogador, o Salomão. O técnico (um Irmão Marista com batina e tudo) perguntou quem calçava número 39 e apontou para mim: “dê suas chuteiras ao Salomão”. Decepção atordoante.
Nunca joguei na Fonte Nova, mas minhas chuteiras jogaram. Ali, no banco de reservas e descalço, entendi que meu destino não era ser um deus dos estádios. Me acostumei com essa realidade pouco a pouco, mas nunca abandonei o prazer de jogar. Ainda hoje topo um racha nas categorias da Terceira Idade. Eduardo Galeano, citando Fernando Birri e perguntando-se porque tentamos alcançar o horizonte (a utopia) se sabemos que ele sempre se afasta à medida que avançamos, responde “para caminhar”. Parafraseio: para jogar. Assim como no futebol é na vida.
Por Orlando Senna


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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