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Os cárceres secretos encurralam a Polônia

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Claudia Ciobanu*

 

Foto: Flickr/r i am real estate photographer
Foto: Flickr/i am real estate photographer

Uma investigação oficial realizada na Polônia sobre a existência de cárceres secretos, operados pela Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) em seu território, está sendo freada, segundo fontes próximas ao caso, enquanto aumenta a pressão sobre este país para que esclareça a verdade.

Várias fontes públicas, como o informa de Dick Marty de 2007 para o Conselho da Europa ou o mais atual estudo “Globalizing Torture: CIA Secret Detention and Extraordinary Rendition”(Globalizando a tortura: as detenções secretas e entregas extraordinárias da CIA), da Open Society Foundations, asseguram que Polônia manteve centros clandestinos, utilizados no programa de “entregas extraordinárias” da CIA, desde fins de 2002. No marco desse programa, Estados Unidos detiveram e interrogaram a supostos terroristas na Europa.

Porém também há provas de fontes oficiais. Um informe elaborado em 2004 pelo inspetor geral da Cia, que discute o tratamento dado pela agência a presos suspeitos de ter vínculos com a rede extremista Al Qaeda entre 2001 e 2003, detalha o caso de Abd al-Rahim al-Nashiri, suposto líder da Al Qaeda no Golfo. Também se suspeitava que Al-Nashiri esteve na organização do bombardeio contra o barco de guerra estadunidense USS Cole, ancorado no porto iemenita de Adem no qual morreram 17 soldados em outubro de 2000.

O informe assinala que, em novembro de 2002, Al-Nashiri foi detido pela Cia e que seus agentes lhe aplicaram as chamadas “técnicas de interrogatório melhoradas”, até 4 de dezembro desse ano.

Em outra parte, o documento cita: “(…) duas sessões de “waterboarding” (simulação de afogamento) em novembro de 2001, das quais (…) Al-Nashiri foi submetido. Mas depois de ser transferido (…) se pensou que retinha informação”. Esses extratos mostram que o detido foi transladado depois de 4 de dezembro para outro lugar onde voltou a ser torturado. Polônia parece ter sido seu seguinte destino.

Documentos desclassificados pela Guarda Fronteira polonesa à Fundaçao de Helsinki mostram que o voo N63MU aterrissou no aeroporto polonês de Szymany em 5 de dezembro de 2002. Chegou procedente da Tailandia, onde se especula que era para onde transladavam inicialmente os suspeitos de terrorismo, via Dubai, com oito passageiros e quatro tripulantes.

O avião abandonou Polônia só com os quatro tripulantes. Não se descobriu outros voos em que Al-Nashiri pode ter sido transladado, salvo o N63MU, com destino a Polônia.

“De entre 200 e 300 voos suspeitos temos dados exaustivos ou conhecimento de que realizaram entregas extraordinárias, todos aviões privados registrados nos Estados Unidos”, disse o investigador Crofton Black, da organização britânica Reprieve.

“Depois de estudar todos esses aviões, na aparece outro movimento relevante procedente da Tailândia no 5 de dezembro, ou em torno dessa data”, apontou. Porém pode ser que se descubram novos voos, alertou.

Além dessas provas, funcionários de governos e de serviços de inteligência de vários países (entre eles Polônia e Estados Unidos) ressaltaram o fato de que a sede polonesa foi chave para o programa da Cia, quando foram entrevistados por órgãos da ONU e da União Europeia, assim como por organizações não governamentais e jornalistas.

As fontes continuaram falando, mas sob condição de anonimato dado que Polônia e Estados Unidos se negaram a revelar pormenores oficiais do funcionamento das entregas extraordinárias.

Na Polônia, uma investigação da promotoria iniciada em 2008 deu uma reviravolta duvidosa. Até há um ano, a investigação estava a cargo da promotoria de Varsóvia, sob dois procuradores sucessivos. Em 2011, o principal jornal da Polônia, Gazeta Wyrbocza, informou que o primeiro promotor chegou a consultar especialistas legais sobre as implicações que teria o fato de que este país tivesse abrigado uma instalação utilizada por agentes estrangeiros para torturar presos.

A imprensa local informou em 2012 que o segundo promotor disse a Zbigniew  Siemiatkowski, chefe dos serviços de inteligência entre 2002 e 2004, que seja acusado de violar o direito internacional por permitir a detenção ilegal de presos na Polônia, o que foi confirmado pelo próprio implicado.

Não obstante, houve mudanças depois de que o caso saiu à luz pública, foi transferido para o sul, à cidade de Cracóvia. Mikolaj Pietrzak, o advogado de Al-Nashiri, conseguiu ter direito a estar informado sobre o desenvolvimento da investigação depois de 2010, quando as autoridades concederam a seu cliente o status de vítima.

Pietrzak disse que manteve uma boa relação de cooperação com os promotores de Varsóvia, onde o segundo procurador lhe deu acesso ao expediente completo, no qual havia informação classificada.

Contudo, desde que o caso foi transferido a Cracóvia só pude ver documentos não classificados e depois de uma significativa pressão de sua parte. “É extremamente irregular que um caso passe por três procuradores diferentes”, enfatizou Pietrzak. “E o fato de que no último ano nada tenha avançado parece ser um dado muito triste da investigação”, acrescentou.

Piotr Kosmaty, porta-voz da promotoria de Cracóvia, confirmou que o prazo para encerrar o caso, que vencia em fevereiro deste ano se estendeu. Porém frisou que a nova data era informação reservada.

Segundo Adam Bodnar, diretor da divisão legal da Fundação de Helsinki, “todos os passos dados para prolongar a investigação estão encaminhados a não tomar uma decisão formal e conclusiva sobre o caso”. “É uma pedra no sapato para os promotores e dirigentes políticos polacos”, enfatizou Bodnar.

“Não podem simplesmente redimir a Polônia. Geraria um protesto. Mas também é impossível apresentar acusações contra Siemiatkowski ou Leszek Miller (primeiro ministro entre 2001 e 2004) na atual conjuntura política. Então tratam de prolongar a situação o mais possível”, explicou. Não obstante, parece impossível varrer o caso para debaixo do tapete.

Al-Nashiri apresentou ma demanda contra Polônia na Corte Europeia de Direitos Humanos. Também prepararam um caso similar os advogados de Abu Zubayadah, o primeiro “detido de alto valor” do programa da Cia, e que ao que parece foi levado a Polônia no mesmo voo N63MU.

Pietrzak e Bodnar disseram que há suficientes provas para demonstrar que este país violou as Convenções de Genebra, mesmo se Polônia mantém sua negativa de revelar qualquer informação à Corte Europeia de Direitos Humanos. Isso com base em que não ofereceu aos denunciantes proteção em seu território e permitiu seu traslado para os Estados Unidos, onde eram passíveis de ser condenados a morte.

Pietrzak, que em determinado momento teve acesso a todo o expediente da investigação polonesa, garante que “este caso será muito difícil de ser anulado porque ha muitas provas, e não se pode fazer com que aquilo que está nos expedientes dos promotores não existe”.

Segundo o advogado, se a investigação polonesa se encerra sem resultados, como representante de uma vítima terá o direito processual de apresentar uma apelação a um tribunal local. Nesse caso, pode incluir como provas toda a informação confidencial a que teve acesso.

 

*correspondente de IPS em Varsóvia – Polônia – especial para Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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