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Os Chicaneiros do STF

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

O ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou no último dia 20 de abril, que a presidente Dilma Rousseff e a sua defesa cometem um “gravíssimo equívoco” ao tratar o processo de impeachment como um golpe.

Wlademir Righetto*

mendes-mello-stf-nelsonjr-stf“Ainda que a presidente veja a partir de uma perspectiva pessoal a existência de um golpe, na verdade há um gravíssimo equívoco, porque o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal já deixaram muito claro o procedimento de apurar a responsabilidade política da presidente”, disse o ministro.

Segundo Celso de Mello, o processo de impedimento está respeitando, até o presente momento, todo o itinerário estabelecido na Constituição e tem transcorrido em um clima de “absoluta normalidade jurídica”.
Questionado sobre as declarações de Dilma a jornalistas estrangeiros, entre as quais a de que o país tem um “veio golpista adormecido”, o magistrado respondeu que é “no mínimo estranho” esse posicionamento, “ainda que a presidente da República possa, em sua defesa, fazer aquilo que lhe aprouver”. “A questão é ver se ela tem razão”, completou.
Gilmar Mendes, para variar, foi atrás do decano ao dizer que as decisões tomadas pelo Supremo sobre o rito do processo indicam que as regras do Estado de Direito estão sendo observadas. “Trata-se de um procedimento absolutamente normal dentro de um quadro de normalidade”, disse ele.
O senhor José Celso de Mello Filho, decano do STF, no passado já pregou coisa bem diversa. Na década de 80, em sua obra “Crime de Responsabilidade: Processo e Julgamento de Governador do Estado”, o então promotor de justiça Celso de Mello, afirmou: “O brocardo nullum crimem sine typo também se aplica, por inteiro, no campo dos ilícitos político-administrativos. A tipificação de tais infrações, no entanto, deve emanar de lei federal, eis que o Supremo Tribunal Federal tem entendido que a definição formal dos crimes de responsabilidade se insere, por seu conteúdo penal, na competência exclusiva da União.” (obra citada, página 98).
Como o próprio hoje ministro do STF, então promotor, sustenta que crime de responsabilidade no campo dos ilícitos políticos-administrativos é matéria de conteúdo penal, nenhuma conduta pode ser considerada criminosa sem lei anterior ao fato que assim estabeleça.
Lei, e não decisões do Tribunal de Contas e do STF, pedaladas fiscais, decretos suplementares e leis aprovadas pelo Congresso Nacional, que não são tipificados como crime de responsabilidade.
Sem conduta descrita anteriormente em lei como crime inexiste ação criminosa por falta do “tipo” penal e também não pode haver a existência de um processo porque se a conduta não está tipificada inexiste causa para a instauração de um processo.
Nenhum dos fatos alegados no pedido de impeachment da presidenta da República Dilma Roussef é tipificado como crime de responsabilidade. Logo, o processo de impedimento em trâmite agora no Senado é, além de flagrantemente ilegal, um verdadeiro golpe de Estado institucional.
Todos os ministros do STF sabem disso. Todos os juristas que defendem o pedido de impeachment em tramitação sabem disso, embora façam ginásticas jurídicas para justificar sua adequação. Não o reconhecem por inconfessáveis interesses políticos. Assim, tornaram-se além de golpistas, meros chicanistas, ou chicaneiros.
Explicam os dicionários que chicanista, ou chicaneiro, é aquele que faz chicanas, que se aproveita de detalhes ou aspectos técnicos da lei ou de um regulamento para criar situação vantajosa ou se livrar de adversidades. Diz-se do que é ou resulta de chicana(s), de ardis, maquinações, trapaças, manobras jurídicas. No âmbito jurídico é a dificuldade criada, no decorrer de um processo judicial, pela apresentação de um argumento com base em um detalhe ou ponto irrelevante; abuso dos recursos, sutilezas e formalidades da justiça; o próprio processo judicial (de forma pejorativa); manobra capciosa, trapaça, tramóia.
Celso de Mello se refere ao “procedimento de apurar a responsabilidade política da presidente” e Gilmar Mendes fala sobre “sobre o rito do processo”, “um procedimento absolutamente normal”.
Ambos confundem deliberada e desavergonhadamente processo com procedimento.  Processo é o meio, o instrumento por intermédio do qual se obtém a prestação jurisdicional, o caminho formado pelos atos processuais que devem obedecer a uma regra que culminará numa sentença. Procedimento é o modo, a maneira pela qual se executa esses atos processuais indispensáveis à formação do processo.
Inexistentes na lei as condutas da presidenta da República, apontadas no pedido de seu impedimento, tipificadas como crime, inexiste ação criminosa por falta do “tipo” penal, do que decorre a impossibilidade de existir um processo porque não há conduta tipificada em lei como crime, resultando na inépcia do pedido de impeachment, ou da denúncia que o formulou.
Não havendo base legal para instauração do processo, evidentemente, não há razão para se falar em “procedimento”, pois, sem possibilidade de haver processo, por óbvio impossível haver procedimento.
Essa é a diferença entre o que Dilma falou aos jornalistas estrangeiros e o que disseram Celso de Mello e Gilmar Mendes. Dilma não atacou o procedimento do pedido de impeachment (embora pudesse fazê-lo com sobras de razões jurídicas tais as manobras e a vergonha mundial que representou a votação da Câmara dos Deputados no último dia 17/4), mas afirmou (com toda razão, aliás) que o processo de seu impedimento é um golpe político-jurídico institucional. E, de fato, É GOLPE!
“Gravíssimo erro” cometeram os dois ministros do STF ao permitir que seguisse adiante uma denúncia inepta e se instaurasse um processo político-jurídico sem base legal e jurídica.
“No mínimo estranho” é dizer que o processo de impeachment de Dilma “trata-se de um procedimento absolutamente normal dentro de um quadro de normalidade”, porque isso é usar um detalhe técnico irrelevante para esconder o real propósito, que é admitir como legal e juridicamente possível o que é inadmissível legalmente e impossível juridicamente. Em termos diretos: chicana.
Os Ministros do STF, Celso de Mello e Gilmar Mendes não são meros sofistas (que usam de argumentos capciosos para enfraquecer o verdadeiro, dando-lhe aparência de verdadeiro). São cínicos e desonestos intelectuais mesmo.
Wlademir Righetto*


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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