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Os danos nucleares nunca se extinguem

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Emilio Godoy*

nuclear1Durante décadas o silêncio carcomeu a Yasuaki Yamashita sobre sua vivencia como sobrevivente do ataque nuclear que os Estados Unidos perpetrou sobre a cidade japonesa de Nagasaki em 9 de agosto de 1945.

Yamashita, artista plástico de 74 anos que reside no México desde 1968, rompeu os lacres que fechavam sua boca em 1995, para contar o que tinha vivido naquela manhã que mudou o destino de Nagasaki e do mundo inteiro.

“Tinha seis anos e vivíamos a 2,5 quilômetros de distância do ponto zero (lugar de detonação da bomba). Normalmente ia à montanha próxima para caçar insetos com meus amigos, mas esse dia está só diante de minha casa, perto de minha mãe que preparava a comida”, relatou este homem de fala pausada, cabelo branco e traços bem delineados.

Yamashita, que em 1968 veio para ao México como correspondente para cobrir os Jogos Olímpicos e ficou, se submerge no passado para resgatar a cena de sua mãe chamando para entrar no refúgio instalado na casa.

“Quando entramos, veio uma tremenda luz enceguessedora. Minha mãe me empurrou para o chão, me cobriu com seu corpo, veio um tremendo ruído, escutávamos voar muitas coisas sobre a gente”, descreveu.

Ao redor só tinha desolação, tudo ardia, não havia médicos, enfermeiras nem comida. Era apenas o princípio de uma tragédia que ainda perdura.

Com vinte anos Yamashita começou a trabalhar no hospital de Nagasaki que tratava dos sobreviventes da bomba e do qual renunciou anos depois.

Este homem tremeu com seu relato aos assistentes da Segunda Conferência sobre Impacto Humanitário das Armas Nucleares, que transcorreu em meados de fevereiro em Nuevo Vallarta, centro turístico no noroeste do estado de Nayarit, com a participação de delegados de 140 países e de mais de 100 organizações não governamentais de todo o mundo.

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A Segunda Conferência sobre Impacto Humanitário das Armas Nucleares, transcorreu em meados de fevereiro em Nuevo Vallarta, México.

Há pelo menos 19 mil ogivas atômicas pelo mundo, a maioria em mãos da China, Estados Unidos, França, Grã Bretanha e Rússia – autorizados a possuí-las pelo Tratado sobre Não Proliferação das Armas Nucleares-, além da Coréia do Norte, Índia, Israel e Paquistão.

A Secretaria (ministério) de Relações Exteriores do México estima que ha mais de duas mil armas nucleares em “alerta operacional alta”, prontas para serem lançadas em questões de minutos.

“Estas armas são inaceitáveis. Devem ser proibidas, como ocorreu com as armas biológicas e químicas. Não há capacidade de resposta nacional ou internacional para enfrentar os danos”, disse o pesquisador e ativista Richard Moyes, do Artigo 36, uma entidade sem fins lucrativo com sede na Grã Bretanha que denuncia os efeitos indesejáveis de certos armamentos.

Em fevereiro de 2013, a instituição divulgou um estudo sobre o impacto que teria uma detonação nuclear de 100 quilotões na cidade britânica de Manchester que, com sua área metropolitana, abriga uns 2,7 milhões de pessoas.

A explosão provocaria a morte imediata de pelo menos 81 mil pessoas, mais de 212 mil feridos e lesionados, a destruição de pontes e estradas e um prejuízo severo aos serviços de saúde. Isto tornaria impossível ações de socorro com graves derivações a longo prazo.

A Cidade de México e sua zona metropolitana, em que vivem mais de 20 milhões de pessoas, também realizou uma medição similar. A explosão de um artefato de 50 kilotoes afetaria uma área de 66 quilômetros em torno da zona zero, com uns 22 milhões de prejudicados, entre mortos e feridos, pois a conflagração se estenderia a pontos contíguos no centro do país.

“As consequência seriam graves: perda de faculdade operacional do sistema de emergência, eliminação de recurso humano de resgate, de saúde, hospitais, clínicas”, explicou o funcionário Rogelio Conde, diretor geral de Vinculação, Inovação e Normatização em Matéria de Proteção Civil da Secretaria de Governo (Ministério do Interior).

“Necessitaríamos ajuda de outros estados mexicanos e internacional com equipes de pessoal altamente especializado”, advertiu.

O desastre ecológico e os danos à infraestrutura equivaleriam a uma perda de 20 por cento da economia do país.

Os lugares do planeta que se converteram em laboratórios atômicos, como as ilhas Marshall no oceano Pacífico, tem sofrido numerosos danos.

Esse conjunto de dezenas de atóis de coral e ilhas suportou 67  provas nucleares entre 1946 e 1958.

“Tem havido problemas ambientais e de saúde ainda que não haja estimativas. Muitos de nossos sobreviventes se converteram em cobaias humanas nos laboratórios e quase 60 anos depois ainda estamos sofrendo”, denunciou o senador das ilhas, Jeban Riklon.

O legislador tinha dois anos de idade e vivia com sua avó no atol Rongelap, quando Estados Unidos realizou a prova Castle Bravo no atol Bikini, em 1o de março de 1954: uma bomba de mil vezes mais poderosa que a detonada em Hiroshima em 1945.

Além disso, imediatamente Estados Unidos iniciou um estudo médico secreto para investigar as consequências da radiação em seres humanos.

Um relatório especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU constatou, em 2012, violações ao direito à saúde, a uma medicação efetiva e à reabilitação ambiental, além do deslocamento forçado e outras graves omissões dos Estados Unidos.

Os promotores da conferência do México aspiram que o Tratado para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina e Caribe, firmado em 1967, seja a base de uma futura convenção mundial contra esses dispositivos, mesmo sabendo que terão que vencer décadas de imobilismo diplomático.

Em virtude desse tratado criou-se nesta região a primeira das cinco Zonas Livres de Armas Nucleares (ZLAN), que abarca atualmente a 114 países.

As outras quatro ZLAN correspondem ao Pacífico Sul, África, o Sudeste asiático e Ásia Central.

A Comissão Preparatório da Organização do Tratado de Proibição Completa dos Ensaios Nucleares pretende ter um roteiro claro que conduza a um mundo livre desse armamento até 2020.

Ese tratado já tem 161 países membros, mas sua entrada em vigor depende da assinatura e ratificação por parte da China, Coréia do Norte, Egipo, Estados Unidos, Índia, Irã, Israel e Paquistão.

Na conferência de Nuevo Vallarta não houve representantes da cinco grandes potencias nucleares: Estados Unidos, China, França, Grã Bretanha e  Rússia.

“Não sei quantas gerações terão que passar para que isto termine. Por que fazer sofrer tanta gente inocente? Não há necessidade alguma… por isso temos que faze muitos esforços para abolir as armas nucleares”, concluiu Yamashita.

*IPS de Nuevo Vallarta, México, para Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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