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Com um nó na garganta, penso nas milhares de crianças que também crescerão na miséria e na exploração e que em suas vidas rotas também se converterão em homens adultos, com olhares perdidos nos vazios do tempo e do esquecimento.
Ilka Oliva Corado*
Estou no supermercado e vou para os balcões de frutas buscando abacaxi. No balcão da frente onde estão as laranjas e limas, está um homem mexicano colocando fruta fresca; tem o olhar vazio e as mãos cansadas, como a maioria dos indocumentados.
Pego dois abacaxis e uma dúzia de bananas e volto o olhar para onde está o homem, seu olhar vazio faz com que me aproxime e tente tirá-lo momentaneamente dos seus pensamentos; conheço essa agonia, conheço a profundidade da desolação.
Eu me aproximo e lhe digo, como se fosse meu amigo de toda a vida: nós queríamos o Norte, não é? Nos seus olhos brilham duas lágrimas, instantaneamente lhe acaricío a mão e lhe digo que não se preocupe, a nós todos acontece.
Começa a falar sem parar, as palavras saem uma atrás da outra, eu abaixo a sacola e a coloco junto aos meus pés e me apoio no balcão para escutá-lo pacientemente; poucos momentos depois já estamos rodeados de outros empregados que também colocam frutas e verduras, e todos começam a falar, praticamente ao mesmo tempo, em uma espécie de catarse coletiva.
Todos são mexicanos, de aldeias remotas, falam de seus povoados, da saudade e da migração forçada; de quando em quando eu os interrompo para guiar a terapia: por que emigraram? Há trabalho em seus povoados? Sentem saudades da sua terra? De quê? O que estariam fazendo nestes momentos se não tivessem emigrado? O que sentem? Como é viver sem documentos? Que sabor recordam mais? Lembram do cheiro da terra molhada? Como é sentir fome?
Enquanto alguns falam, outros cuidam para que não chegue o supervisor e os repreende por não estar fazendo seu trabalho. A vida de um indocumentado nos Estados Unidos é um degrau acima, mas a tragédia está em seus países de onde são obrigados a migrar por falta de oportunidades de desenvolvimento.
Foi uma terapia coletiva de não mais do que cinco minutos, na qual todos expressaram aos borbotões a agonia da migração e da saudade.
São homens com idades médias de 40 anos, mas devido ao trabalho árduo desde crianças parecem ter 60.
Não sou estranha para eles, há anos frequento esse supermercado, talvez o mesmo tempo que levam trabalhando ali. Agradeço por esses cinco minutos de conversa e caminho para a estante dos cereais, e penso nesse instante de catarse em que todos sem querer, sem se propor, se expressaram e também momentaneamente aliviaram a carga emocional.
Saio do supermercado, com um nó na garganta, pensando nas milhares de crianças que também crescerão na miséria e na exploração e que em suas vidas rotas também se converterão em homens adultos, com olhares perdidos nos vazios do tempo e do esquecimento.
*Colaboradora de Diálogos do Sul, de território estadunidense