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Os países devem compartilhar os recursos marinhos oceânicos

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Palitha Kohona*

Palitha Kohonam é embaixador do Sri Lanka junto à ONU, copresidente do Grupo de Trabalho Especial Sobre a Diversidade Biológica Fora da Jurisdição Nacional junto com Liesbeth Linzaad, dos Países Baixos.
Palitha Kohonam é embaixador do Sri Lanka junto à ONU, copresidente do Grupo de Trabalho Especial Sobre a Diversidade Biológica Fora da Jurisdição Nacional junto com Liesbeth Linzaad, dos Países Baixos.

 

Depois de quase dez anos de negociações frequentemente frustrantes, o Comitê Especial da ONU sobre a Diversidade Biológica Fora das Zonas de Jurisdição Nacional decidiu, por consenso, iniciar um processo que redigirá um instrumento internacional juridicamente vinculante para a conservação e o uso sustentável dessa diversidade.

Em consequência, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) adotaria uma resolução no verão boreal de 2015, para a criação de um comitê preparatório para começar a trabalhar em 2016. Esse comitê proporá os elementos de um tratado em 2017, que seria adotado por uma conferência intergovernamental.

O Grupo de Trabalho Especial, criado em 2006, se reúne periodicamente desde então. Pela primeira vez, em 2010 adotou uma série de recomendações elaboradas metodicamente até a decisão transcendental do dia 24 de janeiro. Essa decisão terá um impacto significativo na maior fonte de biodiversidade do planeta.

O compromisso político da comunidade mundial com a diversidade biológica fora das zonas de jurisdição nacional (BBNJ) está claramente expressa no O Futuro Que Queremos, o documento final da conferência Rio+20 adotado em 2012, em grande parte devido à insistência de um grupo de países que incluiu Argentina, Sri Lanka, África do Sul e os do bloco da União Europeia.

O mesmo reconheceu a importância de um mecanismo mundial adequado para o manejo sustentável da BBNJ. Em 2013, a resolução A/69/L.29 da Assembleia Geral autorizou o Grupo de Trabalho Especial a apresentar recomendações sobre o alcance, os parâmetros e a viabilidade de um instrumento internacional em virtude da Convenção sobre o Direito do Mar (Convemar).

Nos últimos anos, nossa compreensão da BBNJ avançou de exponencialmente. A imperiosa necessidade de conservar e utilizar de maneira sustentável essa vasta e incalculável base de recursos agora é universalmente reconhecida.

A água cobre 70% do planeta. O meio marinho constitui mais de 90% do volume da biosfera terrestre e nutre muitos ecossistemas complexos que são importantes para manter a vida na terra. Dois terços desse meio estão em zonas fora da jurisdição nacional. A contribuição dos oceanos para a economia mundial é calculada em milhares de milhões de dólares.

Um tipo de plâncton desconhecido visto de um submarino no Golfo do México, em 2005. Foto: Dr. Mijaíl Matz/domínio público
Um tipo de plâncton desconhecido visto de um submarino no Golfo do México, em 2005. Foto: Dr. Mijaíl Matz/domínio público

Embora haja centenas de milhares de formas de vida marinha conhecidas, alguns cientistas sugerem que haveria outros milhões que nunca conheceremos. Estas, incluídos os recursos genéticos, poderiam proporcionar enormes benefícios à humanidade no desenvolvimento de medicamentos vitais, entre outros exemplos.

Com o aumento da pesquisa e da exploração dos recursos genéticos marinhos, cada vez mais patentes se apresentam anualmente referidas aos mesmos, com um valor estimado em milhares de milhões de dólares. É evidente que a humanidade deve conservar os recursos dos oceanos e de seus ecossistemas e utilizá-los de forma sustentável, o que inclui o desenvolvimento de novas substâncias.

Ao mesmo tempo, o meio marinho enfrenta desafios sem precedentes. Sobrepesca, contaminação, mudança climática, clareamento do coral e aquecimento e acidificação dos oceanos, para citar alguns, representam uma grave ameaça para os recursos biológicos marinhos. Muitas comunidades e meios de vida que dependem deles estão em risco.

Enquanto 2,8% dos oceanos do mundo são zonas marinhas protegidas, apenas 0,79% das mesmas estão fora da jurisdição nacional. Nos últimos tempos, essas áreas se converteram em um ativo importante nos esforços mundiais para conservar as espécies, os habitats e os ecossistemas em perigo. Enquanto a gestão das zonas dentro das jurisdições nacionais é um assunto que cabe principalmente aos Estados, as áreas externas são o centro do desafio que o Grupo de Trabalho Especial da ONU enfrenta.

Os países do Sul em desenvolvimento insistem em que os benefícios, incluídos os financeiros, dos produtos desenvolvidos a partir dos recursos genéticos marinhos extraídos das zonas fora da jurisdição nacional devem ser compartilhados equitativamente. Pode-se dizer que a ideia que sustenta essa proposta é uma evolução do conceito de patrimônio comum da humanidade incorporado na Convemar.

O Grupo de Trabalho Especial reconheceu que a Convemar, qualificada com a Constituição dos oceanos, serviu de marco jurídico geral para os oceanos e os mares. Evidentemente, havia muita coisa que o mundo ignorava quando essa convenção foi aprovada, em 1982.

Dada à compreensão consideravelmente melhor que a humanidade tem dos oceanos atualmente, sobretudo nas zonas fora da jurisdição nacional, a maioria dos participantes do Grupo de Trabalho Especial defendeu um novo instrumento juridicamente vinculante que abordasse a questão da BBNJ. A decisão do dia 24 de janeiro insiste que não se deve prejudicar os mandatos dos instrumentos e marcos internacionais e regionais existentes, que se evite a duplicação e se mantenha a coerência com a Convemar.

O desafio que aguarda a comunidade internacional na próxima etapa é identificar com cuidado as áreas que o instrumento proposto abarcará, com o fim de otimizar o objetivo da conservação da biodiversidade marinha. Deve contribuir para aumentar a resiliência oceânica, proporcionar uma proteção integral para as áreas ecológica e biologicamente importantes, e dar tempo aos ecossistemas para sua adaptação.

É necessário redigir com delicadeza o contexto para compartilhar os benefícios da pesquisa e os avanços em relação aos organismos marinhos. As empresas privadas que investem neste âmbito preferem a segurança jurídica e normas viáveis claras. O instrumento internacional deve fixar um contexto que inclua uma visão estratégica que contenha as aspirações dos países industrializados e em desenvolvimento, particularmente na área da distribuição de benefícios.

Facilitar o intercâmbio de informação entre os Estados será essencial para alcançar os mais altos padrões na conservação e no uso sustentável da biodiversidade marinha, especialmente para os países em desenvolvimento. Estes necessitarão de uma constante capacitação para contribuírem eficazmente com a meta do uso sustentável desses recursos e para se beneficiarem dos avanços científicos e tecnológicos.

*IPS das Nações Unidas especial para Diálogos do Sul – Edição de Kitty Stapp / Tradução do Inglês de Álvaro Queiruga


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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