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Foto ilustrativa: Chelms Varthoumlien

Ossada de mais de 400 corpos no Quênia acende alerta sobre seitas apocalípticas e abuso religioso

Segundo autoridades do Quênia, vítimas teriam sido orientados a passar fome até a morte, mas muitas podem ter morrido em decorrência de agressões, asfixia e estrangulamento
Julio Morejón Tartabull
Prensa Latina

Tradução:

Ana Corbisier

No Quênia, especialistas forenses encontraram um lugar transformado em ossário de centenas de fiéis do Good News International Ministries (Ministérios Internacionais das Boas Notícias) de Paul Nthenge Mackenzie, identificada como seita suicida.

Detido pelas autoridades, o chefe do culto Shakahola responderá a graves delitos contra a integridade física e mental de seguidores.

As versões da imprensa queniana deram mais detalhes acerca de um processo de convencimento ideológico sobre a possibilidade do fim do mundo para cujo advento se requeria um jejum até a morte.

Caso se negassem a obedecer, os seguidores de Nthenge Mackenzie poderiam receber golpes e até mesmo morrer em consequência deles, o que desmente o suposto livre consentimento de pelo menos 436 integrantes do grupo para passar fome.

“O pastor enfrenta acusações de crueldade com crianças, sequestro e assassinato, além de terrorismo. A maioria de suas vítimas morreu de fome, mas diz-se que outras foram asfixiadas, estranguladas ou golpeadas até a morte”, cita julieroys-com.

Suicídio coletivo, um problema social

O suicídio é uma decisão autodestrutiva individual, mas quando é um ato coletivo assume outra conotação, a de perigoso problema social, quando desideologização e religião disputam a primazia global. 

Nas últimas quatro décadas a África registrou um notável aumento de grupos religiosos, que acadêmicos associaram à variação ideológica causada pela ausência de modelos com vitais conteúdos sociais suplantados por formas neoliberais de vida.

Persistem ainda fenômenos pontuais que engrossam este processo, entre outros a crise da convivência tradicional que ainda enfrenta comunidades etno-confessionais adversas, mas com notórias gestões proselitistas.

“Alguns destes agrupamentos carecem das características que (definem) uma igreja. Acabamos de vê-los surgir. Não sabemos a que escolas teológicas assistiram seus líderes. Só os vemos emergir e buscarem ser glorificados”, opinou Joachim Omollo Ouko, sacerdote católico da arquidiocese de Kisumu, no ocidente do país

Segundo ele, tais “líderes deveriam ser interrogados e controlados”; a proposta induz a decantar nesse universo o aceitável e o que não é, para evitar tristes sequelas. Unida à proibição das sessões do culto de Mackenzie as autoridades também prescreveram o Centro de Oração Nova Vida, de Ezekiel Odero, pregador que a polícia suspeita de estar vinculado com lavagem de dinheiro e outros delitos.

Também excluíram a Igreja de Cristo Helicóptero na capital, Nairobi, missão dirigida por Thomas Wahome; e a Kings Outreach Church, filiada ao Ministério do Arrependimento e Santidade do tele-evangelista David Owuor.

A de Wahome é ligada à apropriação ilegal de terras, que, caso comprovada, trasladaria o assunto do âmbito religioso para o judiciário, afirmam juristas.

Na África há graves precedentes de crimes massivos convocados por chefes religiosos, que para seus propósitos particulares invocaram a divindade.

Liberdade religiosa e risco à vida

Uma seita terrorista denominada Restauração dos Dez Mandamentos de Deus causou a morte de mais de 900 pessoas, conforme lembrou o site digital infobae.com sobre o fato ocorrido em março de 2000 em Uganda.

Para fiéis e historiadores, este foi o pior crime deste tipo ocorrido no país e evidenciou a insegurança a que poderia levar uma interpretação incorreta da liberdade religiosa.

As vítimas foram queimadas no interior do templo do qual previamente os homicidas taparam portas e janelas. O fogo arrasou o lugar e muitos cadáveres ficaram calcinados, asseguraram os forenses, depois de encontrar mais uma fossa comum.

Fontes da Polícia consideraram muito difícil determinar o número de mortos naquele evento, que identificaram como um dos maiores suicídios massivos na história recente africana.

Em Uganda ganhou força o Movimento do Espírito Santo – messiânico – que da serenidade litúrgica passou à violência antigovernamental (1986-1987); mas a tendência destes grupos formados sobre plataformas religiosas chegou a um alto grado de perigosidade com o agressivo Exército de Resistência do Senhor (LAR, na sigla em inglês).

Em 2004, os partidários do ex-catequista Joseph Kony “o messias”, com sua filosofia da crueldade massacraram mais de 200 deslocados no acampamento de Barlonyo. Durante três horas de terror os atacantes destruíram também cerca de 480 cabanas.

O LAR, agora em fase terminal e saqueando vilas na vizinha República Democrática do Congo, dedicou-se ao sequestro de crianças e adolescentes para recrutá-los como soldados, usá-los como impedimento ou escravos sexuais.

Esta aberração uniu ignorância com interpretações torcidas de preceitos cristãos, em meio à tormentosa transformação dos principais paradigmas sociopolíticos e de reações falidas junto à falta de equidade humana.

Também os defeitos na construção ideológica deixam vazios tendentes a serem preenchidos com empenhos doutrinários extremistas forjados pela realidade imediata ou que emergem na luta pelo poder, como na Nigéria, com o integrismo de Boko Haram.

O fanatismo religioso pode confluir com o terrorismo quando suicidas carregados com explosivos se fazem explodir em lugares públicos para destroçar a confiabilidade dos padrões de segurança dos Estados e assim – dizem – apressar o Apocalipse.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Julio Morejón Tartabull

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