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Thomas W. Lippman*
O conflito aparentemente interminável no Oriente Médio desvia a atenção e os recursos da ameaça mais séria para toda a região a longo prazo, a crescente escassez de água. E a situação vai piorar antes de melhorar, se nada for feito.
Anos de guerra, gestão descuidada das reservas de água, o crescimento populacional descontrolado, políticas agrícolas imprudentes e subsídios que incentivam o consumo transformou uma área estéril do mundo em um consumidor voraz de água. O caminho não é sustentável.
Essas foram as conclusões sombrias, embora não surpreendentes de conferência sobre o tema, realizada em Istambul neste mês. Em um território que se estende desde a Líbia para o Iraque e Iêmen, populações e animais estão utilizando os recursos hídricos para além dos seus limites.
Alguns países onde a urgência é maior, como Síria e Iêmen, são os menos equipados para evitar crises graves.
A Jordânia, sempre com escassez de água, é dominada pelo fluxo de refugiados da Síria. Iraque, que no passado tinha recursos mais do que suficientes, perdeu reservas essenciais devido à guerra e a construção de barragens pela Turquia nos rios Tigre e Eufrates.
Egito, com seus 86 milhões de habitantes, tem hoje duas vezes a população de que 50 anos sem água adicional.
Isolada Gaza enfrenta crise de água há anos. E as poucas reservas do Iêmen são utilizadas na produção descontrolada de gato (Catha edulis), que consome muita água e é cultivada nas regiões tropicais africanas e árabes e que tem zero valor nutritivo. Porém, mastigar o gato – folha ligeiramente narcótica – é passatempo nacional iemenita.
“Se você lhes der mais água, só cultivarão mais gato “, lamentou um participante da conferência.
Mas nem todas as notícias são ruins. Países mais estáveis da região e ??com um monte de dinheiro, liderados pela Arábia Saudita, apresentam um progresso notável de reservas, gestão e educação do consumidor.
Noutros casos, porém, o prognóstico é sombrio. Ninguém atenta de que “guerras da água” ou conflitos armados por reservas, um fantasma que já foi muitas vezes evocado, mas nunca se materializou, acontecerão.
Em algum momento não muito distante a escassez de água poderá causar grandes migrações, maior escassez, más colheitas e uma selecção de prioridades de como os governos irão alocar abastecimento de água.
Tudo isso não passou despercebido. O problema da água no Oriente Médio tem sido alvo de notícias, análise de organizações, como a Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO), e estudos realizados por centros de pesquisa e grupos humanitários há anos.
Na cotação mais recente, cientistas, analistas políticos e acadêmicos de oito países reuniram-se na Conferência de Istambul “A seca: Enfrentar o desafio da água no Oriente Médio”, organizada pelo Centro Hollings e do Programa de Estudos Estratégicos Príncipe Muhammad Bin Fahd University of Central Florida, Estados Unidos.
Mas essas reuniões têm conseguido avançar muito pouco já que a região não tem estabilidade suficiente para uma solução abrangente e multilateral necessária.
De acordo com a análise do Banco Mundial, a maioria dos países definidos como “pobres em água” – com acesso inferior a 1.000 metros cúbicos por pessoa por ano – estão no Oriente Médio e África do Norte.
O Banco Mundial prevê também que as mudanças climáticas vão agravar o problema, já que “provocarão níveis pluviométricos consistentemente menores”
Nenhum governo ou organização internacional pode aumentar chuva. Mas o Congresso Istambul observou que o exemplo da Arábia Saudita, o maior país do mundo sem rios, mostra que os estados com muito dinheiro e tempo suficiente para se dedicar a um assunto pode fazer muito.
O exemplo Saudita
Arábia Saudita centralizou o planeamento e gestão da água na década de 1990. Grande parte da água do país é utilizada para o abastecimento de pessoal e doméstico é feito por usinas de dessalinização, cuja construção começou na década de 70.
Mas a construção e operação de usinas é cara, impraticável e fora do alcance de países como o Iêmen.
A Arábia Saudita também é lider regional na recaptura e reutilização de águas residuais. Uma regra adotada no ano passado, por exemplo, exige que seus pecuaristas leiteiros utilizem apenas água reciclada comprada da Companhia Nacional de Água e não com as águas subterrâneas não como era no passado.
Este país tornou-se o quinto ou sexto exportador mundial de trigo, cuja produção requer grandes quantidades de água. Atualmente porém adotou-se uma legislação que proíbe o cultivo de trigo e determina que a produção agrícola seja reorientada para a produção de frutas e legumes.
A lei proibiu também culturas forrageiras destinadas a alimentação do gado como a alfafa. Os pecuaristas devem comprar forragem importada para alimentar o gado, assinalou um dos participantes da conferência.
A Arábia Saudita perdia até 25 por cento da sua água de vazamentos em suas condutas. Para resolver o problema privatizou sua rede de distribuição e incentivou a participação da engenharia e gestão estrangeira.
O reino elevou o preço da água para empresas e instituições, que é porém subsidiada para as famílias e o consumo doméstico. Assim, o elemento vital é barato e há pouco incentivo para limitar o seu consumo.
Aliás, acabar com este subsídio seria politicamente arriscado em um país onde os subsídios para o consumo de água, gasolina e eletricidade são essenciais para controlar uma população, que não tem voto ou outra influência sobre o governo.
Egito
Já o Egito, de longe, o país mais populoso da região, a gestão e os hábitos são totalmente diferentes .Os egípcios, desde a construção da represa de Aswan nos anos 1970, acreditam que tem disponiblidade e a garantia de disponibilidade de água totalmente garantida. Consequentemente, utilizam o recurso sem qualquer critério e utilizam volumes maiores que os necessários para irrigar seus campos.
A maior preocupação hoje édo Egito é que a Etiópia construa uma hidrelétrica nas cabeceiras do Nilo, o que reduzirá certamente a quantidade de água armazenada no lago Nasser, por trás da represa de Aswan.
Quando perguntado ao ministro das Relações Exteriores egípcio, Nabil Fahmy se seu país estava em negociações sobre a distribuição de água do Nilo, com os países a montante, respondeu “Não. Mas gostaríamos de estar”.
Os participantes da Conferência de Istambul concordaram que não há uma solução única para a crise da água na região e no mundo. O que existem são múltiplas respostas. Algumas simples e óbvias, como a necessidade de educação dos consumidores e instalação de sanitários de baixo fluxo. Outras complexas e caras como o desenvolvimento de usinas de dessalinização movidas a energia solar.
Como é habitual neste tipo de evento, os organizadores elaboraram um documento com recomendações. Todos concordam porém que será difícil de aplicar as soluções em meio a instabilidade política cada vez maior no Oriente Médio. Portanto, não se espere soluções para este grave problema no horizonte próximo.
Thomas W. Lippman é um scholar adjunto do Instituto do Oriente Médio e autor de “A Arábia Saudita on the Edge (Arábia Saudita até o limite).” – tradução> João Baptista Pimentel Neto
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