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ToggleIdolatrado por uns e repudiado por outros, tanto dentro como fora da Rússia, Mikhail Gorbachev, o último presidente da União de Repúblicas Socialistas Soviéticas, morreu na noite desta terça-feira (30), aos 91 anos, em um hospital de Moscou, segundo reportaram todas as agências noticiosas.
O homem que – ao ser eleito secretário geral do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) em 1985, quando tinha 54 anos e assumiu as rédeas do país, sumido em um período de estancamento após 20 anos de liderança de Leonid Brezhnev, Yuri Andropov e Konstantin Chernenko –, quis reformar o sistema soviético com sua política de perestroika (transformação), glasnost (transparência) e novoye mishleniyia (novo pensamento), acabou seus dias retirado da cena política, sobretudo nos anos recentes em que começou a debilitar-se seu estado de saúde.
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Gorbachev será recordado por sua decisão de reabilitar as vítimas da repressão estalinista, por combater a corrupção dos funcionários do PCUS, por seus esforços para pôr fim à guerra fria e impulsionar o desarmamento nuclear com os Estados Unidos, pelo decisivo papel que desempenhou na reunificação da Alemanha, o que lhe valeu ser reconhecido com o prêmio Nobel da Paz em 1990, entre muitas áreas nas quais teve admiradores e também detratores, segundo se queira ver.
Para uns, Gorbachev traiu a causa do socialismo, é culpado da desintegração da União Soviética e é o ingênuo que acreditou que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) nunca ia se expandir “nem um centímetro” para o leste.
Mas outros creem que o modelo socialista soviético morreu ao poder levar-se a cabo sua necessária transformação, que o colapso soviético foi consequência direta da luta pelo poder entre Gorbachev e Boris Yeltsin e sustentam que Gorbachev não é responsável pelo fato de a Otan não cumprir sua palavra, pois quando aceitou a reunificação alemã ainda existia o Pacto de Varsóvia e, dissolvido este, a expansão começou com Yeltsin à frente da Rússia e nada fez para revertê-la.
Uns o acusam de tirar proveito de sua popularidade fora da Rússia ao haver-se prestado a fazer comerciais de um consórcio de refrescos que vende pizzas, em troca de um milhão de dólares, ou de cobrar somas exorbitantes para dar conferências. Outros revelam que, quando Yeltsin se afiançou no Kremlin, cancelou a financiamento à Fundação Gorbachev, Gorbachev não teve mais remédio e anunciou bolsas de desenho e publicação de artigos em jornais de meio mundo para pode pagar o salário de dezenas de pessoas que dependiam diretamente dele.
Gorbachev será enterrado junto à tumba de sua esposa Raisa, no cemitério moscovita do mosteiro de Novodevichy
Yegor Ligachev
Em seu afã de somar adeptos para mudar o anquilosado sistema soviético, Gorbachev se enfrentou ao setor mais conservador da planta maior do PCUS, encabeçado por Yegor Ligachev, mas também teve influentes aliados como Aleksandr Yakovlev e, em meio a esse pulso ideológico, protegeu a um então defenestrado Boris Yeltsin, que terminou sendo seu grande adversário na batalha pelo poder, o que teria nefastas consequências para a própria existência do país.
O novo pacto federal proposto por Gorbachev e que estavam a ponto de firmar a maioria das repúblicas soviéticas – salvo as três bálticas que se incorporaram à URSS, produto do vergonhoso protocolo adicional secreto do pacto Molotov-Ribbentrop antes da Segunda Guerra Mundial e, nesse momento, agosto de 1991, já tinham um pé e a metade do outro fora de um projeto de convivência comum – se frustrou com um intento de golpe de Estado.
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O falido putsch fracassou três dias depois, e enquanto Gorbachev estava sequestrado pelos golpistas na Criméia, fortaleceu a figura de Yeltsin, que soube aproveitar a conjuntura para encabeçar a resistência, mobilizar seus seguidores e contribuir para que um setor do exército trocasse de bando.
Apenas uns meses mais tarde, proscrito o PCUS, Yeltsin forçou a criação da Comunidade de Estados Independentes, junto com os líderes da Ucrânia e da Bielorrússia, o que levou Gorbachev a se demitir no natal desse ano, em um emotivo discurso de despedida, enquanto se içava a bandeira vermelha com a foice e o martelo no grande palácio do Kremlin.
Semanas mais tarde, quando já se haviam separado as três bálticas, se aderiram as repúblicas centro-asiáticas e caucásicas, o que deu fim à União Soviética, dissolvida em doze países independentes que começaram um caótico período de transição para desmontar o sistema socialista e, após repartirem injustamente as riquezas do país, substituí-lo pelo atual modelo de capitalismo de Estado.
Desde 25 de dezembro de 1991, enquanto no exterior Gorbachev ainda era uma figura reclamada até há alguns anos, dentro da Rússia começou a estar cada vez mais relegado, sobretudo a partir do golpe que sofreu com a morte por leucemia de sua esposa, Raisa, em 1999. Três anos antes, havia feito uma última tentativa de participar na política russa e apresentou sua candidatura nas eleições presidenciais de 1996, tentativa que se recorda por dois fatos: a bofetada que lhe deu uma mulher em um ato de campanha e o resultado que obteve, mal chegando a 1% dos votos.
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Gorbachev morava sozinho – com uma enfermeira, uma cozinheira e um assistente que cuidavam dele – em sua dacha, casa de campo que lhe correspondia por haver sido presidente do país, e era acionista do jornal Novaya Gazeta, agora fechado por denunciar os escândalos de corrupção na Rússia.
Até seus últimos dias, conforme aumentavam suas dificuldades para mover-se, manteve a lucidez e, embora cada vez fossem menos frequentes suas entrevistas ou declarações, advertiu o perigo de uma guerra nuclear e a necessidade de sentar-se para negociar as divergências por maiores que estas sejam.
Gorbachev será enterrado junto à tumba de sua esposa Raisa, no cemitério moscovita do mosteiro de Novodevichy, não longe de onde repousam os restos de seu nêmesis, Boris Yeltsin.
Juan Pablo Duch, correspondente do La Jornada em Moscou.
Tradução: Beatriz Cannabrava.
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