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Países "desenvolvidos" versus BRICS: Realinhamentos na política mundial?

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Josep Xercavins Valls*

josep-xercavins Josep Xercavins Valls

Além de que minha realidade mais local (catalã, espanhola, do sul da Europa) me faz ver e viver tudo ainda com mais preocupação, é muito evidente que já estamos instalados há mais de 5 anos em uma das crises mundiais mais graves e duras da história.

Foi dito, escrito, lido e prognosticado de tudo em torno dela. Mas, por ora, a metáfora do túnel do qual ainda não se vê a saída continua sendo o único resumo correto e adequado. Além, é claro, daquela sobre a incapacidade dos instrumentos políticos internacionais existentes (o Fundo Monetário Internacional – FMI, por exemplo), ou que se tentaram criar (o G20 – não podemos esquecer nem suas primeiras e prepotentes declarações, nem seu desmantelamento final em mais um fórum mundial), que foram incapazes de dar uma resposta unitária, coerente e, sobretudo, contundente e eficaz. Só vemos vacilações, desentendimentos, … e uma espécie de “salve-se quem puder” que busca a “salvação” particular, independentemente da do conjunto, incapazes todos os atores de enfrentar politicamente o “cassino global”, onde a névoa financeira é cada vez mais densa.

Estas linhas de hoje não pretendem, neste caso, voltar a girar em torno do assunto e sim analisar alguns movimentos estratégicos que parecem estar a ponto de ocorrer, e mediante os quais alguns, mais ou menos poderosos ainda, estados-nação começariam a reposicionar-se, priorizando claramente seus interesses a médio prazo e fugindo (e isto é o que quero criticar duramente) da responsabilidade de dar respostas coletivas e globais a uma crise que é claramente global e que, provavelmente é, definitivamente, a grande crise da globalização econômica neoliberal e da correspondente e última fase expansiva do capitalismo mundial, iniciada nos anos 1980.

Do bloqueio da Rodada de negociações comerciais de Doha ao alinhamento protecionista do “mundo rico”

kalscartoonQuando toda a dinâmica neoliberal globalizadora começava a tingir o mundo inteiro com sua cor, a criação da OMC e suas propostas de máxima liberalização comercial eram uma espécie de pedra angular que coroaria o edifício de um mundo neoliberalmente globalizado, onde o “’livre’ mercado” seria o único governo real de todo o mundo.

Além do fracasso da operação, foi precisamente no contexto destas negociações que começou a forjar-se uma nova aliança que, no fim de poucos anos, deu lugar ao BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Naquele momento, ainda de forma bastante incipiente como grupo, o Brasil e a Índia, fundamentalmente, conseguiram dar uma guinada muito importante naquelas negociações. Se o mundo “rico” queria liberalizar os mercados mundiais de bens e serviços, antes tinha que acabar com o escândalo do protecionismo (e correspondente dumping) à exportação, totalmente desleal e injusta, de seus produtos agrícolas. E, de fato, assim chegaram a assiná-lo na reunião de Hong Kong de 2005, mas para que não se cumprisse nunca, e menos ainda depois do começo da crise atual.

Ao contrário, esse proteccionismo parece estender-se agora a todo tipo de realidade econômica, dividindo o mundo em dois grandes blocos comerciais e provavelmente financeiros (às vezes parece que só “sabemos viver” buscando equilíbrios instáveis de “mundos bipolares”).

As novas propostas comerciais dos E.U.A.

Efetivamente, hoje, os E.U.A impulsionam dois grandes acordos comerciais plurilaterais.

Por um lado, o “Transpacific Partnership”, que incluiria seus sócios latino-americanos do TLC (Tratado de livre comércio) e seus melhores aliados asiáticos (Cingapura, Malásia, Austrália etc.).

E, de outra parte, acaba de anunciar sua intenção de promover um novo “Tratado Transatlântico”, tipo novo TLC entre os E.U.A. e a Europa.

Ou seja, os Estados Unidos estão apostando, claramente, na construção de um super bloco comercial-financeiro que, calcula-se, abarcaria 60% do comércio e dos investimentos mundiais, e que é claramente identificável com aquilo que ainda chamamos de mundo “rico”.

Temos o direito e o dever de perguntar-nos o que pode dar de si, concretamente, este novo bloco, quando, precisamente os E.U.A. acabam de assumir, na prática, a pregação sempre neoliberal das políticas austeras de ajuste estrutural que já reinam em toda a Europa. Não estaremos diante de propostas de alianças de fracassos e de proteção e tentativa de enfraquecimento de outros blocos emergentes, para manter a todo custo hegemonias caducas?

Provavelmente, a resposta seja que esta não é, efetivamente, uma proposta para ir “para a frente” e sim para defender-se, comercial e economicamente, dos atuais condutores do crescimento da economa mundial: as economias emergentes, o BRICS, principalmente.

Os possíveis resultados da próxima reunião de alto nível do BRICS (no fim deste mês de março de 2013): O Banco de desenvolvimento BRICS

Já foi anunciado na reunião correspondente do ano passado, mas agora já se concretizou bastante, e são tantos os detalhes conhecidos da proposta que estará na mesa da reunião que, no mínimo, anunciam uma probabilidade muito grande de que esta seja a grande notícia deste começo de ano.

Poder-se-ia criar o BRICS Development Bank (Banco de Desenvolvimento do BRICS). Muitas razões o explicariam. Muitas consequências haveria, sem dúvida.

Entre as razões, o permanente fracasso na pretensa reforma do FMI que devia dar um peso real, e correspondente às realidades do mundo atual, aos países em desenvolvimento, por meio, fundamentalmente – é preciso ser bem claro – do aumento, por outra parte lógico, dado o grande incremento de sua importância econômica relativa no mundo, do peso do BRICS dentro da organização

Quanto às consequências, por um lado, ao criá-lo, o BRICS estaria se pondo à frente das ajudas e dos investimentos nos países do sul que, primeiro, deixariam de depender do FMI e de suas condicionalidades e, segundo – de novo, é preciso ser bem claro -, garantiriam o incremento das dinâmicas comerciais, de investimento e de ajuda “sul”-“sul” que, obviamente, seriam lideradas pelos próprios países do BRICS. Tanto a cooperação “norte” – “sul” como os investimentos estrangeiros diretos “norte” – “sul” passariam claramente ao segundo plano e estaríamos diante de uma mudança muito notável no que às vezes chamamos de “ordem mundial”. Neste sentido, por exemplo, é claramente uma operação necessária: a crise faz com que o “mundo rico” esteja muito em baixa em suas políticas de cooperação e investimentos no sul.

O tema monetário poderia não ficar à margem desta opção. E a criação do novo banco poderia estar ligada, a médio prazo, à internacionalização de uma moeda “BRICS” que, então sim, daria uma volta radical na referida ordem mundial atual.

Comentários finais

contexto destas negociações que começou a forjar-se uma nova aliança que, no fim de poucos anos, deu lugar ao BRICSSobre tudo o que acabo de comentar no último item deste texto seria, para mim, uma boa notícia, na medida, principalmente, em que creio que pode contribuir para tirar muitas pessoas do mundo da pobreza mais dura e de condições de vida inaceitáveis, humanamente falando.

A vertente negativa, para mim, é, uma vez mais, a incapacidade de encontrar e dar saídas globais a crises globais e que, além disso, têm consequências muito importantes em outras crises mundiais, como a climática e ambiental em geral, ou como a do multilateralismo, que poderia ficar em  muito piores condições ainda do que está atualmente. Como é possível conceber que o mundo não  volte a analisar as propostas da Comissão Stiglitz que, frente à crise, as Nações Unidas tentaram aprovar – sem êxito devido ao boicote do G20 – em junho de 2009?

Temo portanto que, finalmente, estejamos entrando em uma fase claramente pós G20 mas também, claramente, fora das Nações Unidas, onde, no momento, as “guerras” “financeiras” e “comerciais” seriam as receitas para, quem sabe: sair mais rapidamente do túnel ou ficar muito mais tempo dentro dele.

Quão difíceis os tempos de crises paradigmáticas, onde, enquanto não emerge “o novo” paradigma, continua sendo aplicado mais da mesma receita, como aquele que quebra pedra já sem nenhuma capacidade de rompê-la.

* Presidente da associação projeto Governança Democrática Mundial, apGDM. Professor da Universidade Politécnica da Catalunha, UPC


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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