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Fabíola Ortiz*
Com a ampliação do canal interoceânico, o Panamá pretende triplicar sua participação no comércio marítimo mundial, enquanto muitos de seus habitantes esperam que a megaestrutura de engenharia reduza as desigualdades sociais em um país onde o desenvolvimento segue em diferentes velocidades.
Cem anos depois da inauguração do canal que uniu os oceanos Pacífico e Atlântico, avança-se em uma ampliação cujo coração é o terceiro complexo de eclusas, maiores que as atuais, o que permitirá a passagem de navios de 400 metros de comprimento, 52 de largura e 15 de calado. Atualmente, os 12 mil navios que transitam pelo canal podem ter no máximo 294 metros de comprimento, 32 de largura e 12 de calado, o que permite controlar apenas 5% do comércio mercante do mundo.
A construção, que começou em 2007 e deverá estar terminada em dezembro de 2015, já está completada em 80%, afirmou à IPS a engenheira Ilya de Marotta, encarregada das obras de ampliação pela estatal Autoridade do Canal do Panamá (ACP). Com a ampliação, o Panamá pretende que a via interoceânica atraia 15% do comércio mercante mundial, explicou à IPS o diretor do Instituto do Canal e de Estudos Internacionais, da Universidade do Panamá, Olmedo García.
A obra, com custo de US$ 5,2 bilhões, permitirá que os navios que atravessam os 79 quilômetros do canal triplique o número de contêineres que transportam atualmente. “Agora o canal acrescenta ao orçamento nacional US$ 1,1 bilhão ao ano. A renda bruta é de US$ 2,3 bilhões, mas o funcionamento absorve US$ 1,2 bilhão”, explicou García. “Logo que terminarmos esta ampliação, já teremos de pensar na construção de um quarto jogo de eclusas, que custaria US$ 12 bilhões”, detalhou, acrescentando que o canal “é e será a principal atividade econômica e comercial do país”, de 3,8 milhões de habitantes.
Marotta pontuou que “a ampliação era indispensável porque o canal estava atingindo sua capacidade máxima de navios que podiam passar. A demanda de navios maiores é a tendência mundial, como os graneleiros e os de gás natural liquefeito, clientes que não temos porque são navios maiores”. A engenheira destacou que “este é um bom negócio que agora podemos capturar. A ideia é não perder vigência no comércio mundial. Com as novas eclusas, um porta-contêiner poderá transportar de 12 mil a 14 mil navios”, ressaltou.
Para 2019, as projeções apontam que a renda com o canal aumentará para US$ 2,5 bilhões, e em 2025 será de US$ 6 bilhões, afirmou García. “A grande vantagem é que temos não só o Canal do Panamá, mas também o centro logístico, que juntos representam 40% do nosso produto interno bruto (PIB). Teremos a maior logística de conectividade na América Latina, portos em cada oceano, ferrovia e a zona de livre comércio. Podemos criar um comércio multimodal com os portos de distribuição de mercadorias”, apontou.
Desenvolvimento social, em outro nível
Mas as prioridades do Panamá deverão se transformar para que as promissoras perspectivas econômicas com a ampliação do canal reduzam a dívida social no país. O PIB cresce em torno de 7% ao ano, mas a desigualdade se traduz em 36,8% da população vivendo em situação de pobreza e 16,6% em pobreza extrema, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), que destaca que o país é o sexto mais desigual do continente.
É uma pobreza com marca rural. Nesse meio, 54% da população vive na pobreza e 22% na miséria, enquanto na área urbana 20% e 4%, respectivamente, estão nessa situação. Além disso, números oficiais de agosto mostram que 38,6% da população economicamente ativa sobrevive no setor informal, aos quais se somam milhares de famílias que carecem de água potável e serviços de saúde ou transporte.
Alfredo Herazo, de 29 anos, mora na capital e todos os dias vai de ônibus até Colón, para trabalhar em uma oficina de soldagem que tem com seu pai. “Não gosto dessa vida, mas não tenho outra oportunidade”, contou à IPS enquanto terminava uma longa jornada de trabalho e se preparava para regressar à Cidade do Panamá.
Colón fica na ponta do Mar do Caribe, na entrada do canal, e está rodeada pelo que foi a Zona do Canal do Panamá enquanto esteve sob domínio dos Estados Unidos. A passagem marítima só foi para controle soberano pleno do Panamá no começo de 2000, como remate dos tratados Torrijos-Carter, assinados pelos dois países em 1977.
A cidade tem um porto e a Zona Livre de Colón (ZLC), a segunda do mundo do seu tipo, após a de Hong Kong, com 2.500 negócios que importam e reexportam, em uma triangulação cujo volume de negócios é de aproximadamente US$ 30 bilhões anuais em seus 450 hectares, embora em 2013 tenha havido uma queda, por diferenças com Colômbia e Venezuela, seus maiores clientes.
Colón, com 50 mil habitantes e 79 quilômetros ao norte da capital, recebe a cada ano 250 mil comerciantes. “Como qualquer panamenho, gostaria de trabalhar no canal ou na zona livre por causa do salário. O canal é nosso orgulho. Se tivesse a oportunidade, seria um soldador”, contou Herazo. Para o jovem, “o problema do canal, do ponto de vista do cidadão comum, é que os ganhos que proporciona não são vistos. Os recursos não são distribuídos às pessoas”.
O abandono de seus edifícios históricos imprime uma decadência à cidade que contrasta com a ZLC, como um espelho da diferença entre o entusiasmo no canal e nos centros financeiro e comercial e a desesperança dos excluídos da pujança.
Há sete anos, Cesar Santos, de 32 anos, vive em Colón e ganha a vida como vendedor de frutas e legumes no Mercado Municipal, no centro urbano. A cada dia, bem cedo, monta sua barraca em frente ao Parque Municipal. “Isso dá apenas para viver como pobre. A vida em Colón não é boa”, disse à IPS. Ele enumera as carências da cidade, destacando a falta de saneamento e drenagem da água. “Quando chove, tudo inunda, não se pode andar pelas ruas, a cidade fica paralisada. Cai um aguaceiro e tudo fica inundado”, contou.
Além da falta de infraestrutura urbana, o que mais desagrada este pequeno comerciante é a situação da maioria da população da cidade. “As pessoas aqui vivem em muita miséria. Moram em casas condenadas. Sem contar os assaltos, que são muitos, esta é uma cidade esquecida pelos governos, menos mal que esteja na zona livre, do contrário haveria mais miséria”, lamentou, enquanto três clientes concordavam.
“Os enclaves financeiros têm que transferir parte de suas riquezas. Há uma grande fratura social. O canal não pode ser apenas uma via para o comércio, a comunicação e a paz no mundo. Os panamenhos necessitam que sejam saldadas as dívidas sociais e que se transfira riqueza para este povo”, enfatizou García.
*IPS de Ciudad de Panamá para Diálogos do Sul – – Editado por Estrella Gutiérrez