Muitas mostras de insensibilidade nos têm dado o segmento social que atesoura 90% da riqueza nacional e que tem em suas mãos desde sempre as chaves do Poder no nosso país. A crise sanitária que hoje se abate sobre a República, tem servido para pôr em evidência essa característica que alguns nunca perceberam, e outros ocultaram com dissimulo para não enfrentar a vida, nem chamar as coisas pelo seu nome.
O tema do imposto solidário às mais altas rendas foi o primeiro toque. Anunciado com ceticismo pelo Presidente do Conselho de Ministros, foi recebido friamente pelos meios de comunicação a serviço da classe dominante. Imediatamente depois, foi iniciada a campanha para desmerecê-lo.
Primeiro foram as declarações do Presidente da Diretoria do Banco Central de Reserva, o senhor Velarde, que considerou errada a proposta e, além disso, impraticável. Disse, aleatoriamente, que era uma proposta populista.
Populistas têm sido consideradas todas as iniciativas orientadas a ajudar a população mais necessitada: conceder um bônus para as pessoas com menor renda, ou sem ela; combater a especulação com os artigos de primeira necessidade; controlar os preços; exigir que as empresas paguem seus impostos; oferecer resistência às dispensas de trabalhadores.
Tudo foi considerado “populista”, e, portanto, recusado como se fossem palavras do inferno. A campanha contra esse imposto e a pressão exercida pela CONFIEP -que assume o papel de cão fiel em custódia de bens dos mais privilegiados – tem bloqueado até hoje esse imposto, que poderia dar em nada.
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O governo aceitou uma a uma, todas essas exigência. Inclusive a faculdade para rescindir contratos com seus trabalhadores
Mas depois viveram outras expressões do mesmo tipo. Com o pretexto de “salvar a economia”, os grandes empresários exigiram “apoio do Estado”, esse mesmo estado ao que desmerecem sempre e consideram subsidiário e ornamental; esse Estado que de repente se converteu na ubre mais desejada pelo Grande Capital.
Para ele exigiram um “programa reativador”, apoio para completar as folhas de pagamento, facilidades tributárias e até créditos para investimentos. Pediram, inclusive, um “tratamento especial” para o setor de mineração, e lhes foi outorgado, razão pela qual hoje há meio milhar de trabalhadores mineiros infectados pela Covid-19.
Adicionalmente, exigiram ao Estado um aporte financeiro avaliado em 31 bilhões de soles, e o direito de despedir trabalhadores de maneira “perfeita”, utilizando um recurso idealizado nos anos de Fujimori, por quem foi então seu ministro, o economista Jorge Gonzales Izquierdo.
O governo aceitou uma a uma, todas essas exigência. Inclusive a faculdade para rescindir contratos com seus trabalhadores, com a condição que fosse “o recurso extremo”. Extremo ou não, em poucos dias foram apresentadas mais de cinquenta mil solicitações para acolher-se à norma. Os empresários não estavam dispostos a “prejudicar sua renda” seja por que conceito for.
E agora, quando do que se trata é de recomeçar a atividade econômica, o governo quer fazê-lo dispondo elementares medidas de segurança e proteção para os trabalhadores, a presidenta do CONFIEP rechaça os protocolos propostos argumentando que são “excessivos”, próprios da Europa.
É curioso, eles que falaram tanto na necessidade de “ajustar a economia” para “promover o desenvolvimento” e converter-nos em um país “do primeiro mundo”, agora lembram que somos apenas um país do terceiro mundo no qual não é possível desperdiçar dinheiro protegendo os trabalhadores. Até Angela Merkel os chamou de “sovinas”.
A mesma coisa acontece no plano setorial. Na área da educação, onde têm feito os negócios mais lucrativos, se negam a baixar o preço das mensalidades para situá-las no nível do serviço que prestam com a educação virtual.
E exigem que o Estado pague a diferença, para que os montantes não caiam sobre os pais de família e tampouco afetem os ganhos dos colégios privados. Algo assim está acontecendo no sistema universitário.
E na saúde a coisa é simplesmente inacreditável. Fazer uma raspagem com cotonete para constatar a existência de vírus, que é gratuita no Estado, custa entre 150 e 500 dólares em uma clínica privada. E um tratamento da doença se situa por volta dos 30 mil dólares. Os cidadãos peruanos de baixa renda e sem outros recursos podem financiar um serviço de saúde desses?
É claro que é preciso reativar a indústria.
A da construção, por exemplo, mas com elementares medidas sanitárias e de segurança. Não se pode permitir que os trabalhadores continuem caindo dos andaimes, que não tenham implementos de segurança, que sofram acidentes cotidianos. Centenas de casos desse tipo se produzem no Peru a cada ano.
E na indústria manufatureira, os trabalhadores também têm requisitos pontuais, mas quando se pede que uma empresa com menos de 20 trabalhadores tenha um enfermeiro que cuide deles, e outra de 100, um médico, a CONFIEP se horroriza e diz que isso “custa muito”.
Por certo é insensibilidade manifesta. E mesquinharia extrema, certamente.
Gustavo Espinoza M., Colaborador de Diálogos do Sul desde Lima, Peru
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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