Com uma série de atos em todo o país, será prestada homenagem a Hebe de Bonafini, presidenta da Associação de Mães da Praça de Maio, enquanto continuam a chegar mensagens de governos e instituições de direitos humanos. Na capital, Buenos Aires, o adeus será na quinta-feira (24), numa ronda de mães, avós, filhos de detidos desaparecidos, familiares e representantes de vários setores políticos e movimentos sociais, como a líder da luta contra a impunidade, pela memória, verdade e justiça fez todas as quintas-feiras.
Os restos mortais de Bonafini serão cremados num cemitério na província de Buenos Aires e as suas cinzas serão semeados na Praça de Maio, onde também estão enterradas as de Azucena Villafor, fundadora das Mães, que foi sequestrada juntamente com Esther Ballestrino de Careaga e María Bianco, com duas monjas francesas e mais oito pessoas em Dezembro de 1977, depois de terem sido escolhidas pelo tenente da marinha infiltrado, Alfredo Astiz, que operou na força de intervenção da Escola de Mecânica da Armada (ESMA), onde as três mães foram levadas, torturadas e lançadas vivas ao mar a partir de um avião da marinha.
As mães da Associação divulgaram uma carta enviada pelo Papa Francisco, direto de Roma, que reza pelo “descanso eterno” de Bonafini, ressaltando que “nos momentos onde imperava o silêncio, ela impulsionou e manteve viva a busca da verdade, memória e justiça”, além de dizer que quer estar “perto de todos aqueles que choram a sua partida”.
Ele acrescenta que “nesta, a sua última marcha”, “acompanha Bonafini em oração, pedindo ao Senhor que lhe dê o descanso eterno e não permita que todo o bem que ela fez se perca” e que “a conforte e a acompanhe para continuar a ser as Mães da Memória”.
Stella Calloni: Hebe de Bonafini se solidarizou com todos os povos em luta
O sumo pontífice, que teve um encontro memorável com Bonafini e sempre se comunicava com ela, salientou “a sua bravura e coragem, e referiu-se à busca da verdade que a levou a impedir que o esquecimento se apoderasse das ruas e da história, e que estas palavras foram “o antídoto para as atrocidades que foram sofridas”.
Hebe “soube transformar a sua vida, como a sua, marcada pela dor dos seus filhos e filhas desaparecidos, numa busca incansável pela defesa dos direitos dos mais marginalizados e invisibilizados”, observou o Papa, recordando “a paixão que me transmitiu, por querer dar voz àqueles que não a tinham (…) Rezo por todas; por favor não se esqueça de rezar por mim. Que Jesus vos bendiga e que a Virgem Santa vos proteja”.
Entre o vendaval das mensagens, destaca-se hoje a da Presidenta das Mães Fundadoras da Praça de Maio, Nora Cortiñas, que lamentou a morte de Hebe, a quem se referiu como “uma grande lutadora que nunca baixou os braços” e lutou “como tantos milhares de Mães contra a ditadura sangrenta” (1976-1983) que nós tivemos”.
Ela destacou que houve diferenças, que levaram a uma separação entre as Mães desde 1986, quando estas formaram uma Associação presidida por Hebe e as Mães Fundadoras, onde Nora Cortiñas está presente. “Este não é o momento” para falar de “controvérsias” e “o jornalismo deve ser discreto”, advertiu ela.
A mensagem de Cortiñas é muito importante. “Cada uma das Mães lutou o melhor que pôde. Havia um grupo de nós que partiu por causa de algumas diferenças e nada mais. Tem de haver respeito pelas famílias”, recordou, observando que elas conseguiram construir juntas “o coletivo mais impressionante que o mundo dos direitos humanos tem experimentado até agora. Um coletivo de mulheres que só estavam habituadas a cozinhar, a cuidar da família e a mandar as crianças à escola, e de repente isto aconteceu”.
Ministério da Cultura da Argentina
Uma das lutas de Hebe de Bonafini se deu em dezembro de 2001, quando liderou o grupo de Mães na Praça de Maio durante a rebelião popular
Ela se referiu a “pessoas que querem controvérsia e na realidade têm de pensar no que estavam a fazer durante os piores anos do terrorismo de Estado”, advertindo contra aqueles que tentam usar estes momentos para “lançar o ódio ao mundo” no meio do luto pela líder falecida.
Cortiñas considera que existe um ódio “mal-entendido” que quer minar a democracia e os bons costumes. “Nós, argentinos, temos de começar a querer viver melhor, sem ódio e a amarmo-nos um pouco”.
Foi uma lição face aos chamados “meios de comunicação de ódio”, em referência aos grupos de comunicação que tentaram referir-se a Bonafini da mesma forma que “deturpam aqueles que têm sido a maior defesa da verdade, a recuperação da Memória para alcançar a justiça”. Cortiñas apelou a não usar mentiras, insultos “e não tentar destruir” a unidade, e tudo o que foi construído numa altura em que a oposição política faz apologia às ditaduras.
Entretanto, entre as muitas imagens de Hebe de Bonafini, uma das memoráveis é quando liderou o grupo de Mães na Praça de Maio durante a rebelião popular de 19 e 20 de dezembro de 2001, sob um estado de sítio, ordenado pelo presidente Fernando de la Rua, que finalmente se demitiu, quando tentaram evitar esta violência extrema contra os jovens, quando já havia mortos.
A polícia não só as cercou e espancou, como também enviou a polícia montada que acusou estas mulheres indefesas as quais, devido à sua idade, não podiam fugir enquanto Hebe as chamava à razão e exigia respeito. Esta imagem permanecerá para sempre como aquele grito “não com as Mães”. Face a essa cena, que o mundo repudiou, De la Rúa entrou num helicóptero e deixou a casa do governo.
Stella Calloni | Colunista na Diálogos do Sul, direto de Buenos Aires.
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