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Para evitar contágio pelo coronavírus, Povo Yanomami se refugia no interior da floresta

A confirmação de que a morte um jovem da etnia foi causada pelo coronavírus, os Yanomami decidiram se isolar na floresta para se proteger da xawara (pandemia)
Ana Amélia Hamdan
Amazônia Real
São Gabriel da Cachoeira

Tradução:

A floresta protege porque ela tem um cheiro muito saudável, isso é a proteção que a floresta dá para nós Yanomami. A floresta tem mais proteção porque o ar não é contaminado. Muitos já foram para se proteger na floresta porque evitam pegar gripe e outras doenças aqui na comunidade. Estão por lá se alimentando com caça, pesca, agora é muito açaí e muita fruta que está tendo na floresta”.

É assim, como se vê na fala da liderança Yanomami, José Mário Pereira Góes, que os indígenas estão se protegendo contra o coronavírus. Ele é presidente da Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (Ayrca), no Amazonas. Tal como os mais velhos fizeram para fugir de epidemias já enfrentadas no passado, como sarampo, gripes e coqueluche, os indígenas dessa etnia estão se refugiando no interior da floresta amazônica para se afastar do risco de contrair a Covid-19, a doença que causa uma pandemia no mundo e é responsável pela morte de um jovem da etnia.

A Terra Indígena Yanomami tem 9.664.975 hectares, localizada entre os estados do Amazonas e Roraima. São 380 comunidades e uma população de 28.148 pessoas, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde. A nova invasão de garimpeiros, que é um risco eminente da disseminação do novo coronavírus no território, foi denunciada pelo líder Davi Kopenawa Yanomami, em 2019.

A confirmação de que a morte um jovem da etnia foi causada pelo coronavírus, os Yanomami decidiram se isolar na floresta para se proteger da xawara (pandemia)

Christian Braga/Midia Ninja/2014
Imagem da Expedição Yanomami Okrapomai

Na comunidade Maturacá, localizada em São Gabriel da Cachoeira, no noroeste do Amazonas, pelo menos 12 famílias partiram para o interior da floresta. Outros grupos familiares se preparam para seguir o mesmo caminho. “O nosso povo Yanomami está alerta. A hora que chega em São Gabriel essa doença, vamos nos deslocar e estamos fazendo farinhada para a gente se isolar os 40 dias no mato. E a hora que tiver três casos, quatro casos, não vai ficar ninguém na comunidade. Só vai ficar pelotão, missão. Só isso que vai estar aqui na comunidade”, diz José Góes.

Assembleia para discutir turismo no Pico da Neblina, em Maturacá
(Foto: João Claudio Moreira/Amazônia Real)

Em Boa Vista, capital de Roraima, o vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, Dario Vitório Kopenawa explica que esse movimento de isolamento no interior da floresta amazônica não é uma tarefa fácil para os Yanomami. Muitas das comunidades se fixaram perto de locais onde há posto de saúde. É por isso que há divisão entre quem se refugiou na floresta e quem permaneceu na comunidade. “Algumas minorias foram para o isolado. A maioria ainda está na comunidade, ficando isolado na maloca”, explica.

Dario acompanha a movimentação dos Yanomami para dentro da floresta, recebendo informações via radiofonia, da sede da Hutukara, e relata que a ida para o mato vem acontecendo no Marauiá (região do Rio Marauiá); Parawa-u e Demini, todos no Amazonas. Em Roraima, é o subgrupo Ninam que segue a mesma estratégia. A família de Dario – inclusive seu pai, a liderança e xamã Yanomami Davi Kopenawa -, está na região Demini, buscando proteção na floresta.

Também via rádio, o vice-presidente da Hutukara tem notícias de que os xamãs vêm trabalhando na tentativa de conhecer a doença. “Pandemia coronavírus para nós é xawara. Os Yanomami pajés e médicos da floresta estão trabalhando reconhecendo essa doença. Assim os xamãs me falaram”, diz Dario Kopenawa.

Fiscais orientam população em São Gabriel da Cachoeira na terça-feira, 28 de abri
(Foto: Paulo Desana/Dabakuri/Amazônia Real)

O isolamento em São Gabriel

A viagem da sede de São Gabriel da Cachoeira para Maturacá leva cerca de 10 horas, dependendo das condições da estrada e de navegação pelo Rio Negro e seus afluentes. No domingo (26), a prefeitura do município confirmou os dois primeiros casos de coronavírus e, no dia seguinte, houve a confirmação outros dois. É grande a possibilidade de já estar havendo a transmissão comunitária. Desses quatro pacientes, três são indígenas e um é militar do Exército.

José Mário Góes, presidente da Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (Ayrca), está em Maturacá e respondeu à reportagem da Amazônia Real por meio da mensagem de áudio de WhatsApp. O acesso à internet é possível porque durante parte do dia eles conseguem captar o sinal pela proximidade com o 5º Pelotão Especial de Fronteira do Exército.

“Quando uma família vai, outras famílias vão, a vizinhada vai. Porque na comunidade somos todos parentes, então eles levaram toda a família”, disse a liderança indígena. Cada grupo está construindo pequenos abrigos para morar por cerca de 40 dias. Além de se manterem com frutas, caça e pesca, levam alimentos. Se for necessário, voltam à comunidade para reforçar os mantimentos. “Levaram alimentos principais como farinha, banana, tapioca, beiju, e também café, açúcar, arroz, feijão e materiais de caça e pesca. E quando acaba os alimentos eles vêm buscar banana, pegar estoque de farinha”, relata Góes.

“Deixar as casas e ficar por um tempo na floresta é uma estratégia que algumas famílias já estão fazendo. Diferente de nós que estamos enfrentando pela primeira vez uma epidemia, os Yanomami têm experiências recentes que dizimaram comunidades inteiras e os sobreviventes foram os que se isolaram no mato”, explica o assessor do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA), Marcos Wesley de Oliveira.

Essa estratégia pode ser comparada ao isolamento social recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde, aponta Marcos Wesley. “Os Yanomami sabem que até o momento não há remédio ou vacina eficazes contra a Covid-19”, reforça.

O município de São Gabriel da Cachoeira tem uma população de mais de 45 mil habitantes, a maioria indígenas de 23 etnias, segundo a taxa atualizada do Censo do IBGE. Desse total, 25 mil moram nas aldeias e comunidades, em territórios demarcados, segundo a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn). 

Para evitar que os indígenas de Maturacá, cuja população total é de cerca de 2.000 pessoas, façam a viagem até São Gabriel para fazer compras, o ISA e a Foirn enviam cestas básicas e kits de higiene para a comunidade. Esse material será levado por avião do Exército, segundo protocolo de higienização e distribuição para evitar a contaminação da Covid-19. 

Em artigo publicada na Amazônia Real, o antropólogo francês Bruce Albert citou um trecho do livro A queda do Céu, escrito em conjunto por ele e pelo xamã e líder Davi Kopenawa Yanomami, para falar sobre a morte do jovem, em Boa Vista. O adolescente foi sepultado sem o conhecimento dos pais e sem o respeito aos rituais de seu povo. Ao tratar do tema funeral, o antropólogo sugeriu ao leitor “reler A queda do Céu, pp. 267-68, onde Davi Kopenawa conta como sua mãe morreu numa epidemia de sarampo trazida pelos missionários da Novas Tribos do Brasil (aliás, Ethnos360) e como estes sepultaram o cadáver à revelia num lugar até hoje desconhecido: Por causa deles, nunca pude chorar a minha mãe como faziam nossos antigos. Isso é uma coisa muito ruim. Causou-me um sofrimento muito profundo, e a raiva desta morte fica em mim desde então. Foi endurecendo com o tempo, e só terá fim quando eu mesmo acabar. ”

Bruce Albert, que trabalha com os Yanomami desde 1975, também escreveu em sua rede social sobre a saúde do adolescente Yanomami, de 15 anos, da aldeia Helepe, no Rio Uraricoera (RR), antes dele morrer vítima da Covid-19.

Movimento nas ruas de São Gabriel da Cachoeira na manhã de segunda-feira (27/04/2020)
(Foto: Paulo Desana/Dabakuri/Amazônia Real)

O alerta das epidemias do passado

A morte do adolescente Yanomami despertou o temor desse povo, inclusive em Maturacá. “Essa morte traz alerta para que isso não acabe com povo Yanomami. Como aconteceu na região do Irokae, morrendo adultos, jovens e crianças, os idosos, como aconteceu isso não queremos que aconteça mais. Por isso estamos alerta por aqui”, afirma José Mário Góes.

Irokae é o primeiro acampamento para o Pico da Neblina, denominado pelos Yanomami de Yaripo, a Montanha de Vento. Essa trilha seria reaberta para o turismo em abril, mas foi adiada devido à pandemia. Anos atrás, na tentativa de fugir da coqueluche, os grupos seguiram por esse caminho, mas alguns acabaram morrendo.

“Essa doença de agora, o coronavírus, aqui em Maturacá, representa epidemia de coqueluche como aconteceu na região de Irokae. O que está acontecendo com os napë (forasteiro, homem branco), isso já aconteceu aqui para nós Yanomami na região do Irokae, onde fica a trilha do Yaripo”, relata José Mário. “Nossos avós já tiveram outra doença, como epidemia de coqueluche, que matou muitas crianças e os mais velhos. Eles não querem que repita essa história. Morreu até um pajé nessa epidemia. Então como fizeram agora, eles foram para a floresta, na região do frio, chegaram até lá no pico. É lá que ficam os restos mortais dos nossos parentes e por isso que nós falamos que temos histórias no caminho do Yaripo”, relata José Góes.

Outro problema enfrentado no passado foi o sarampo. “Aqui na comunidade, em Maturacá, onde está situado o polo base de saúde. Então era um xapono (casa coletiva) onde tivemos epidemia de sarampo. Também nós fizemos o movimento como estamos fazendo hoje aqui, mas não teve jeito. Pessoas fugiram, mas teve óbito nas crianças. Morreu muita criança e adulto. É a mesma história que eles não querem que repita. ”

Para os Yanomami, o vírus é um tipo de envenenamento. “Nós observamos que o próprio napë faz envenenamento no ser humano para dizer que é vírus. Isso é epidemia, é um vírus que afeta qualquer ser humano e acaba com a vida do ser humano. Isso tem na nossa realidade como aconteceu com nossos antepassados o que está acontecendo hoje no mundo inteiro. Até no Brasil e no exterior”, diz José Góes.

Em busca de proteção, os Yanomami recorrem a ensinamentos de seus antepassados. Após a confirmação dos casos em São Gabriel, as lideranças tradicionais iniciaram a chamada “recura’ para que a doença saia do lugar e seja levada pelo vento para onde não tem ser humano.

Expedição Yanomami Okrapomai (Christian Braga/ Midia Ninja/2014) 

Ana Amélia Hamdan, especial para Amazônia Real 


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Ana Amélia Hamdan

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