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<<Cléo Vieira – especial Diálogos do Sul>>
Aqui em Paris, enquanto converso com minha cabeleireira, um peruano entra para cortar o cabelo. “Nossa, parece o Chávez”, disse eu. No salão a gente diz tudo, ou quase tudo.
-Ah! O horrível ditador colombiano!, retruca o barbeiro.
Pronto, em que pese à confusão de identidade, bastou para me convencer: a mídia francesa faz lavagem cerebral ao privilegiar a crítica, senão claramente a desqualificação, quando se trata do que se passa na Venezuela. A incompreensão é demais e o método consiste em propor a França como referência.
Agora, vamos aprofundar? Assim, para o Express (7/10/12) “para obter um alojamento ou entrar na Universidade pública, é preciso ter a carta do partido de Chávez”. Depois, em certo momento, o jornal faz um rápido balanço social do governo, sem, contudo, preocupar-se em pesquisar minimamente a acusação proferida. Porque não dizer que a pessoa ouvida pelo jornalista é branca e, muito provavelmente, pertencente à oligarquia, a que votou na oposição? Por que não fazer a menor alusão à “Misión Vivienda” que tem como objetivo fornecer habitação digna a cada venezuelano, desafio de gigante, já que o déficit habitacional está estimado em mais de 2 milhões de unidades? Ou relatar que, segundo a promessa do governo, 400.000 alojamentos estão hoje em obras a que 3 milhões devem estar prontos daqui a três anos,?
Para o sério e renomado Le Monde (8/10), “Chávez esmaga os dirigentes que o cercam” (será brasileiro o jornalista que assina o artigo, Paulo Paranaguá?). O artigo “Portrait en cinq thèmes” (Retrato com cinco facetas, de 6/10) vai mais longe: “Chávez revive a herança militar em seus discursos, nos símbolos e nas instituições criadas… boina vermelha e uniforme de combate, ele adora ser chamado de ‘comandante’”. Seguramente, quanto aos símbolos externos, à aparência. Mas que instituições quase militares são essas? Tratar-se-ia dos Conselhos Comunitários, criados em 2006 para se tornarem os principais atores da política local? Eles são hoje mais de 20 mil, permitindo que 200 a 400 famílias se unam para desenvolver projetos diretamente financiados pelo poder central. Uma crítica de esquerda consequente veria neles um meio de contornar o papel do Estado e um sério risco de clientelismo e de corrupção, nos moldes das ONGs, no Brasil. O The New York Times classifica o Presidente bolivariano como “um ardoroso inimigo de longa data de Washington” sem, contudo, dignar-se esclarecer minimamente como e porque faz escola. Pudera, com seus 1.000 repórteres, suas 26 agências pelo mundo e seus 80 prêmios Politzer, o diário norte-americano merece ser imitado.
No mesmo tom superficial, o Le Monde International (8/10) destaca a declaração de um empresário: ”Os comunistas ganharam de novo, não há nada mais que se possa fazerabandono o país, vou-me embora”. A mesma caricatura quando se diz e repete que “quem não vota em Chávez não consegue trabalho, pois ele controla tudo. Só resta emigrar”.
Evidentemente, sabemos que os problemas na Venezuela são muitos e enormes: falta de infraestrutura elétrica que ocasiona apagões gigantes; uma criminalidade que faz do país um dos mais violentos do mundo; dependência extrema da economia do petróleo, único e soberano recurso (95% das receitas de exportação e 50% do orçamento nacional), ou seja, basicamente, a economia permanece sendo a de um mercado comprador. Mas, seguramente, a França não é um modelo isento de crítica e falar de ditadura… Quanto à corrupção, a que existe no sistema financeiro de qualquer rica potência ocidental é incomparavelmente maior. Não deve o autoritarismo ser visto no contexto da Venezuela no cenário internacional?
No final, ronda uma inquietação, insistente. Para que dar-nos tanto trabalho para informar-nos sendo que, nesse ritmo, o risco é morrer idiota à vista de tanta parcialidade e dos absurdos publicados? A desinformação é grande demais e faz parte da luta de classes. O poder da mídia faz parte do poder das classes dominantes. E isso só vai mudar quando a relação de poder entre as classes mudar também. Quando isso mudará?