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A presidenta Dilma Roussef assinou decreto autorizando as forças armadas a atuarem como polícia no Rio de Janeiro, para controlar a rebelião no complexo urbano da Favela da Maré (15 favelas). E tem gente aplaudindo. Aliás, até tem gente pedindo a volta do regime militar. São bobos. Não percebem a realidade do país.
Paulo Cannabrava Filho*
As forças armadas foram criadas para defender a soberania nacional.
Façamos uma reflexão sobre os significados dessas palavras. Nacional vem de Nação e, Nação é conformada pelo povo, sua cultura, as riquezas que possui em seu território e as riquezas que produz. Depreende-se, portanto, que soberania nacional é a preservação de todos esses valores.
Defender a soberania nacional, obrigação precípua das forças armadas, deve ter como primeira prioridade a defesa do povo, pois sem o povo não existe Nação, portanto se perde o conceito de nacional. Diz a Constituição que é para defender a soberania nacional de ameaças externas e internas. Esse conceito, mal interpretado, tem levado as forças armadas a desviarem de sua função precípua.
O exército, marinha e aeronáutica, as três armas sob o comando do Ministério da Defesa, são treinadas para guerra com objetivo de defender o território nacional, o que pressupõe a terra com tudo que existe sobre ela, povo inclusive.
Para manutenção da ordem social nos Estados da União, existem as Polícias, que deveriam ser instituições civis, sob o comando das Secretarias de Segurança e/ou Secretarias de Justiça. No âmbito federal, a União conta com a Guarda Nacional Guarda Florestal e a Polícia Federal, ligada ao Ministério da Justiça.
Ocorre que em nossos estados, herança do coronelismo oligárquico e dos regimes autoritários e militares, a Polícia que deveria ser civil é também Polícia Militar. Elas possuem armamento pesado e são consideradas reservas estratégicas a serem incorporadas às forças armadas.
Essa militarização das polícias estaduais é uma grande deformação que os constituintes de 1988 não conseguiram mudar.
E a utilização das forças armadas como força policial é uma deformação maior ainda, muito mais grave, que nem a Constituinte, nem o Congresso Nacional e menos ainda o governo do Partido dos Trabalhadores conseguiram mudar. Ao contrário, a presidenta acaba de corroborar com a reafirmação dessa deformação, ao autorizar a utilização do Exército e das outras armas contra o povo no complexo da Maré.
Nos anos 1960-1970 e 1980, o regime militar deformou ainda mais o conceito de militarização das polícias e da repressão nos Estados. As forças armadas, atuando como gendarme às ordem do Comando Sul dos Estados Unidos, utilizaram as forças e polícias estaduais como guardiãs de uma falsa ordem e implantaram o terror de Estado.
Nesses dias, em que transcorrem 50 anos do Golpe de 1o de Abril, estão sendo rememorados os fatos consequentes dessa militarização, dessa fusão e confusão entre atividade policial e atividade militar, entre ameaça externa e ameaça interna. Aquela que é a ameaça externa utilizou a força militar para submeter o povo e sujeitar o Estado e a Nação em função de seus interesses.
Foi dolorosa a experiência da militarização do Estado em todos os seus âmbitos e níveis – municipal, estadual, federal; executivo, legislativo, judiciário – Diálogos do Sul tem disponível série de artigos e reportagens que dão uma pálida ideia do que foram os anos de chumbo, mais propriamente, as décadas perdidas. Ha artigos interessantes de pessoas que viveram aquela época e até de quem era criança e cresceu na escuridão desses anos sombrios. E ha farta biografia sobre o tema. E também os jornalões e as televisões estão contribuindo para que se conheça nos mínimos pormenores o que foi esse período. Período que não constituem páginas viradas.
Nosso exército foi atuar como gendarme dos Estados Unidos na República Dominicana em 1965 e recentemente no Haiti. Enquanto Cuba enviou um “exército” de médicos, sanitaristas, professores, as nossas forças armadas foram atuar como polícia contra o povo haitiano. Depois de aprendida a lição, foram atuar como polícia na Favela do Alemão e da Penha, em 2010, e agora repetirão a façanha no complexo da Maré.
Essa guerra civil não declarada no Brasil tem produzido quase 150 assassinatos por dia, mais de 50 mil por ano. Sete por dia em Alagoas, 3 em São Luís, 10 por dia em Fortaleza, 14 em São Paulo. Estão matando nossos jovens. Não as menininhas e menininhos da classe média, daqueles que compõe o 1% da população mais rica, nem mesmo aqueles mais aquinhoados que compõe os 10% da população que vivem em condições razoáveis de moradia, educação, atenção à saúde.
Estamos falando de mais de 100 milhões que vivem em condições precárias, fundamentalmente nas periferias das metrópoles, mas também, hoje em dia, nas periferias de qualquer das cidades brasileiras, todas inchadas pela evasão do campo. Uma periferia de excluídos que está tomando iniciativas com vistas a inclusão. É contra essa gente que está voltado o estado militarizado e repressor.
Uma nova Constituinte tem que estar atenta a essas distorções. Além da Reforma Política, tem que resgatar todas as reformas que foram engavetadas após o golpe de 1964: as reformas Agrária, Urbana, Bancária, Tributária e a redefinição do papel das forças armadas. Tem que definir também um projeto nacional de desenvolvimento, pois, sem inclusão, sem vida digna para esse sofrido povo, não haverá paz, haverá submissão pela força, que é a realidade das Ocupações Pacificadoras.
Tem que ser uma Assembleia Constituinte exclusiva por uma simples razão: o atual Congresso e o Judiciário (Supremo) já deram provas de que são arautos da regressão.
*Jornalista, editor de Diálogos do Sul