De um modo solapado, o sistema imposto pelo grande capital internacional sobre os países falsamente chamados “em desenvolvimento” calou fundo nas bases de suas instituições e do imaginário coletivo a respeito da democracia, da independência e da liberdade, até o extremo de condicionar de maneira absoluta suas expectativas de futuro.
É como o mito de Sísifo: um esforço sobre-humano, com saldo de integridade e vidas perdidas, para retroceder justo quando se está a ponto de alcançar a vitória. O plano é manter as esperanças, mas não soltar as rédeas e conservar assim o arremedo de justiça e democracia.
Os povos latino-americanos conhecem muito deste incerto destino; a maioria, por haver-se enfrentado a algumas das piores e mais cruéis ditaduras, seguidas por tentativas de reconstruir o tecido institucional. No entanto, estas tentativas de mudança são toleradas unicamente quando não pretendem mudar de maneira rotunda as regras do jogo, mas sobretudo se não representam a ameaça de estabelecer autênticos projetos de independência. Os esforços da cidadania, traduzidos em protestos nas ruas e organização de setores sociais inconformes com o status e com o desempenho das autoridades, resultam em música dissonante aos ouvidos daqueles que possuem as rédeas do poder e também todos os meios para a calar.
Reprodução: Winkiemedia
Os protestos no Chile garantiram ao a eleição de uma nova constituinte
Se nossos países estivessem seriamente caminhando pelas “ vias do desenvolvimento” seria impensável a indiferença dos setores político e econômico diante da real situação das grandes maiorias.
Na aparência, algumas nações do continente possuem um status privilegiado por suas impressionantes cifras e sua posição em alguns dos mais importante indicadores socioeconômicos.
Mas na realidade, atrás da maquiagem só existe um abismo profundo de iniquidade, discriminação e miséria onde estão refletidos os autênticos índices, aqueles que jamais remontarão sem a abolição das estruturas que hoje impedem as capas mais desfavorecidas de sair da pobreza.
O sacrifício de vida humanas na busca de novos horizontes para os povos se choca uma e outra vez contra um esquema elaborado e fortalecido pelos grandes capitais internacionais, com o férreo suporte dos governos do primeiro mundo.
Os sonhos de independência, portanto, não têm a menor oportunidade de se consolidar enquanto essas estruturas não o permitam.
A maneira como se enganam os povos com medidas cosméticas de governos espúrios, cuja obediência a consignas alheias aos interesses nacionais é, mais que uma traição à pária, um retrocesso históricos às suas esperanças de desenvolvimento; incompreensivelmente se têm transformado em um estilo de governo.
Diante desta realidade, o Sísifo que levamos por dentro decide sair às ruas para oferecer seu flancos à força brutal dos corpos repressivos e termina por sacrificar sua integridade só para comprovar como lhe enganaram com a ilusão da vontade popular.
Uma e outra vez volta à carga e, uma e outra vez, a verdade lhe explode na cara. As mudanças indispensáveis para reparar os imensos vazios da autoridade cidadã não dependem das redes de poder inseridas nas instituições, mas sim de sua completa substituição por um contingente político e jurídico ético e comprometido com a mudança.
Em outras palavras – essas que a muito provocam calafrios – para retomar a rota da democracia é necessário romper as estruturas e iniciar uma autêntica revolução, uma reviravolta à política nefasta que nos governa.
Uma verdadeira rebelião só funciona quando provoca mudanças de fundo.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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