Na última sexta-feira, 7 de setembro, o juiz de Execução Penal de Salto de Guairá, Claudio Martínez, concedeu a liberdade condicional a Rubén Villalba por ter já cumprido mais de dois terços da pena do chamado “Caso Pindo”, pelo qual havia sido condenado a sete anos de prisão por “invasão de terras” no Paraguai.
Com a decisão, o último prisioneiro político do caso Curuguaty – pelo qual havia sido absolvido no final de julho, após ser condenado por um tribunal de exceção a “30 anos de prisão e mais cinco como medidas de segurança” – estará oficialmente livre a partir da próxima quarta-feira.
Conforme demonstrou a Coordenação de Direitos Humanos do Paraguai (Codehupy), naquele país “não existem penas acumuláveis” e uma vez que a pessoa seja condenada por duas causas, as penas são cumpridas de forma simultânea. Sendo assim, destacou a Codehupy, os seis anos de prisão de Villalba serviram para cobrir integralmente a sentença do caso Pindo e sua manutenção atrás das grades era uma demonstração de que o estado paraguaio vinha utilizando “o sistema penal de maneira repressiva e sistemática” contra os que lutam por uma justa distribuição de terras.
Os protestos dos movimentos sociais por justiça também deixaram claro que o Tribunal de Sentenças de Assunção, que havia imposto a decisão totalmente arbitrária, foi conformado pelo mesmo juiz Ramón Trinidad Zelaya, bastante conhecido por vender sentenças a latifundiários e narcotraficantes.
A defesa de Rubén Villalba foi feita pela advogada Sonia Von Lepel, da Codehupy, e pelo advogado Diego Terrazas, que haviam apresentado ao Tribunal de Execução de Salto de Guairá, em agosto passado, um pedido de liberdade condicional para que o líder camponês deixasse a penitenciária de Tacumbú.
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Para o Partido Comunista Paraguaio (PCP), organização a que Rubén Villalba é filiado, “a resolução da Justiça é outro enorme passo, outra ressonante vitória popular que completa a alegria da absolvição de todos os camponeses pelo caso Curuguaty”. “Celebramos junto a Rubén, sua família e todas as organizações nacionais e no exterior que lutam pela liberdade dos presos políticos paraguaios. Esta vitória vem a tempo de colocarmos ênfase na necessidade de investigar os verdadeiros responsáveis materiais e políticos pelo massacre golpista de 2012”, sublinha o PCP.
Histórico
No dia 15 de junho de 2012, seis policiais e 11 trabalhadores rurais morreram após um “confronto” provocado pela ação de franco-atiradores – com as digitais dos EUA – no acampamento sem-terra de Marina Kue, em Curuguaty. No local, havia uma disputa entre o Estado e a família do senador Blas Riquelme, um dos grandes beneficiados pela ditadura pró-estadunidense de Alfredo Stroessner (1954-1989), que acusava os camponeses de terem invadido uma propriedade que não era sua.
Na fatídica data, 324 policiais – dispondo de helicóptero, cavalos e fuzis – cercaram menos de 60 camponeses – metade mulheres, crianças e idosos. Os trabalhadores rurais não portavam armas de grosso calibre – das quais ficou comprovado que partiram os projéteis que provocaram as mortes – e as garruchas que dispunham sequer foram disparadas. Para completar a manipulação, engrossada pela mídia que contribuiu para a derrubada do presidente Fernando Lugo uma semana depois da carnificina, no dia 22 de junho, a polícia fez com que “desaparecesse” a filmagem do helicóptero sobrevoando o acampamento, da mesma forma que uma série de provas e indícios favoráveis à equipe de advogados dos sem-terra. Utilizados para a deposição de Lugo, os camponeses de Curuguaty transformaram-se em presos políticos de um processo viciado de fio a pavio pela camarilha de Stroessner.
Abismo
Enquanto isso, o abismo que separa os mega latifundiários dos pequenos agricultores é gritante, confirmado até mesmo pelo Banco Mundial em suas “Notas de Políticas 2018”, que aponta o Paraguai como o país de maior desigualdade de terras no planeta, com mais de 70% das suas áreas produtivas nas mãos de somente 1% dos grandes proprietários. Vale lembrar que, sob um controle de uma casta, 94% das terras são voltadas exclusivamente à exportação, de produtos primários e baixo valor agregado, como é o caso da soja em grãos, que ainda contamina o solo com o uso de herbicidas e sementes transgênicas. Vale também citar o absurdo das imensas extensões de terra transformadas em pastagem para o gado, a ser enviado como carne congelada para bem distante dos pratos paraguaios.
Já para os pequenos produtores rurais, as linhas de crédito e a assistência técnica prometida não saem do discurso, fazendo com que o preço dos alimentos dispare e, dos seus sete milhões de habitantes, um terço esteja desnutrido e mais de 1,5 milhão passe fome. Enquanto o país exporta alimentos para 60 milhões!
É esta a irracionalidade que os camponeses de Curuguaty trouxeram à tona, provocando toda a fúria dos que temem a reforma agrária e a luta por justiça. É isso o que explica, demonstra o jornalista Rodolfo Walsh, o por que “para os jornais, para a polícia, para os juízes, estas pessoas não têm história, têm prontuário”.