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Paraisópolis: a dinâmica de uma favela que pode inspirar metrópoles a serem mais cidades

Em entrevista com Eduardo Pizarro, doutor em Arquitetura e Urbanismo destaca que, apesar das carências, a comunidade ensina a própria São Paulo a ser melhor
patricia-fachin
Revista IHU On-line
Porto Alegre (RS)

Tradução:

A favela de Paraisópolis, em São Paulo, está nas manchetes de todo o Brasil em decorrência da morte de nove jovens depois de uma ação da polícia militar num chamado em um baile funk ao ar livre. O triste episódio revela a esquizofrenia das ações policiais em regiões onde vivem populações mais pobres das grandes cidades. Como questão de fundo, fica o desafio de compreender as dinâmicas sociais próprias desses espaços.

Alguns pesquisadores, como Eduardo Pizarro, destacam que, apesar de muitas carências, a favela de Paraisópolis ensina a própria São Paulo a ser mais cidade. “É importante que entendamos e respeitemos esse espaço porque, apesar da carência de infraestrutura, habitação, saneamento, temos muito a aprender com a favela no que diz respeito a potenciais de vida urbana, de articulação entre dentro e fora, de escala humana”, aponta o arquiteto e urbanista.

Eduardo pesquisou Paraisópolis e indica a forma como os espaços entre as construções, embora erguidas em lógicas próprias, dando a ideia decerto desordenamento, dão belas lições sobre ocupações de lugares comuns. São os espaços que chama de interstícios urbanos, espaços estes que ficam entre as edificações e que na favela têm seus usos de forma muito singular. “Sem tentar romantizar essa realidade, esses espaços intersticiais na favela são diferentes do resto da cidade: se compararmos as ruas e as calçadas de Paraisópolis com as do Morumbi, dá medo de ficar nesses espaços no Morumbi, porque as calçadas de lá têm muros altos, não tem ninguém olhando nem usando aquele espaço.

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Consequentemente, aquele espaço tem uma vida urbana muito baixa e desqualificada”, observa. Realidade diferente dos becos e vielas de Paraisópolis, que “têm um desenho mais interessante, e permitem que a pessoa vá descobrindo e vivenciando os espaços”. E o arquiteto ainda acrescenta que muitas pessoas gostam de cidades com arquitetura medieval, “mas se formos olhar essas cidades, morfologicamente, elas são muito parecidas com os territórios das favelas”.

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Na entrevista, concedida via WhatsApp à IHU On-Line, Eduardo ainda recupera a história de ocupação de Paraisópolis. Diferente das lógicas de outras favelas que se conhece, esse local conta com certa infraestrutura e aparelhos de atenção à população. “Pensando arquitetônica e urbanisticamente, uma característica que diferencia Paraisópolis das demais favelas paulistanas é o traçado reticulado das vias do loteamento preexistente à ocupação informal”, observa.

Eduardo Pizarro (Foto: Felipe Félix)Assim, mesmo com as carências que lá existem, percebe na rede de becos e vielas “uma oportunidade, por conta da sua diversidade e pela forma como permite e estimula a passagem de pessoas, o uso dos espaços, a conexão entre o dentro e o fora”.

Eduardo Pizarro é doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo – USP, com estágio de pesquisa na ETH Zurich, na Suíça, mestre em Arquitetura e Urbanismo também pela USP, com estágio de pesquisa na Architectural Association Graduate School, AA, de Londres. Atua como professor da disciplina de Conforto Ambiental e Projeto Urbano na Universidade São Judas Tadeu. Pesquisou a realidade de Paraisópolis, trabalho que deu origem à dissertação intitulada “Interstícios e interfaces urbanos como oportunidades latentes: o caso da Favela de Paraisópolis, São Paulo”. Sua pesquisa de doutorado deu origem à tese “Uma São Paulo para o futuro: a produção de infraestruturas intersticiais a partir de parâmetros morfológicos, ambientais e sociais”. Ambas as pesquisas foram apoiadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp.

Em entrevista com Eduardo Pizarro, doutor em Arquitetura e Urbanismo destaca que, apesar das carências, a comunidade ensina a própria São Paulo a ser melhor

Revista IHU On-Line
Favela de Paraisópolis

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual é a situação urbanística de Paraisópolis? Pode nos contar como se deu o processo de habitação e urbanização do bairro desde a sua origem até os dias de hoje?

Eduardo Pizarro – De acordo com a Secretaria Municipal de Habitação do Município de São Paulo, a área que hoje é ocupada por Paraisópolis começou a ser urbanizada na década de 1920, quando estava começando a ser implantado ali um loteamento por uma construtora, em parte da fazenda do Morumbi. Esse loteamento tem uma especificidade interessante: as ruas são largas e, num traçado ortogonal, conformam quadras grandes de 100 metros por 200 metros, com cerca de dois mil lotes.

O loteamento não foi para frente e a infraestrutura não foi completamente instalada, mas ficou ali o traçado do viário e das quadras, e os compradores dos lotes não chegaram a tomar posse efetiva dos terrenos, mas mesmo assim era uma área de propriedade privada. Este loteamento ficou, basicamente, abandonado. Assim, na década de 1950 começou uma ocupação informal dessas terras que estavam sem uso. Na década de 1960, por causa da implantação dos bairros de alto padrão no entorno, como Morumbi, intensificou o interesse em ficar na região, porque é um foco de trabalho e, consequentemente, as pessoas começaram a ir para lá. De acordo com conversas informais com moradores antigos da comunidade, a ocupação iniciou em meados da década de 1960.

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Naquele momento, o acesso a serviços ainda era muito precário e na década de 1970 foram construídos barracos de madeira – que são vistos pelas fotos aéreas da época. Esse fluxo migratório ficou maior na década de 1980, e na década de 1990 muitas pessoas migraram para Paraisópolis por conta de remoções que ocorreram em áreas próximas e elas habitaram áreas mais sensíveis com questões de segurança topográfica e de inundações, a parte do Grotão e do Grotinho. De acordo com a União de Moradores, cem mil pessoas moram ali. Se compararmos essa localidade com outras cidades do estado de São Paulo, grande parte das cidades têm menos de cem mil habitantes. Então, em termos populacionais, Paraisópolis é equivalente a uma cidade paulista.

Que diferenças há entre Paraisópolis e outras favelas e bairros periféricos paulistas em termos urbanísticos e de desenvolvimento territorial?

Um dos diferenciais de Paraisópolis é o nível de consolidação do assentamento, além de sua escala territorial e populacional. A população é muito grande e a maior parte das habitações é de alvenaria, com uma média de três pavimentos, podendo chegar a até cinco pavimentos ou mais. Também existe infraestrutura instalada, energia elétrica apesar dos gatos, esgoto, água. Mas, assim como outros assentamentos informais na cidade de São Paulo, hoje em dia eles têm um alto nível de consolidação e não se imagina a possibilidade de que esse território seja derrubado para a construção de novos edifícios. Pelo contrário, é preciso urbanizar! Paraisópolis também teve um processo de regularização fundiária para que alguns trechos e lotes fossem regularizados e assim as pessoas tivessem acesso ao termo de posse.

Outra peculiaridade específica de Paraisópolis é a inserção urbana: é uma grande área no meio de um bairro importante, que dá emprego, tem serviços, tem transporte e isso fez com que Paraisópolis se consolidasse. Pensando arquitetônica e urbanisticamente, uma característica que diferencia Paraisópolis das demais favelas paulistanas é o traçado reticulado das vias do loteamento preexistente à ocupação informal.

Outro fator, também, é que, assim como Heliópolis, Paraisópolis tem lideranças comunitárias muito fortes e, com certeza, grande parte das ações que já foram feitas na comunidade são resultado da luta de décadas das lideranças comunitárias, principalmente do Gilson Rodrigues, que está lá até hoje.

Favela de Paraisópolis (Foto: Acervo Quapá-FAUUSP)

Quais foram os principais investimentos públicos e os avanços urbanísticos que ocorreram em Paraisópolis?

A principal intervenção pública feita em Paraisópolis foi o programa de urbanização de favelas, que consistiu em levar infraestrutura, habitação, reduzir áreas de risco, levar saúde e educação à comunidade. Esse programa de urbanização de favelas foi um programa do município de São Paulo, principalmente da Secretaria Municipal de Habitação, com a Elisabete França, superintendente da Sehab.

Esse programa iniciou em 2005, com investimento total de quase quatro bilhões de reais que permitiram a instalação de infraestrutura de água, esgoto e espaços públicos, como o projeto de um parque público. Mas depois, a partir de 2012, com a mudança de gestão, a comunidade começou a reclamar da paralisação das obras de urbanização. Até houve um esforço de retomada de obras nestes últimos dois anos, mas a comunidade quer mais. De qualquer forma, muita coisa foi feita e várias unidades habitacionais foram construídas.

De outro lado, quais são as principais demandas e carências urbanísticas do bairro?

Hoje em dia, a comunidade diz que gostaria de ter um hospital, gostariam que fossem retomadas as obras da escola de música. Há várias demandas, como o parque, assim como a atenção às áreas de risco tanto de inundação quanto de desmoronamento, reivindicações constantes da comunidade. Paraisópolis reivindica a posição de Bairro, e não mais de favela. É claro que apesar de ter sido instalada uma série de infraestruturas durante a urbanização, isso ocorreu há cerca de dez anos. Como o assentamento cresce e se desenvolve irregularmente, hoje em dia essa infraestrutura provavelmente já não é mais suficiente ou precisa ser requalificada. Durante o programa de urbanização, inclusive, existia um programa de zeladoria que tomava conta disso e zelava pela manutenção dos espaços.

A sua dissertação de mestrado tratou das oportunidades urbanas latentes em Paraisópolis. A partir da sua pesquisa, como avalia que seria possível desenvolver urbanisticamente a região? Quais são as oportunidades urbanas latentes em Paraisópolis?

Em relação à minha pesquisa desenvolvida no mestrado, quando falo que os interstícios urbanos são latentes, é preciso esclarecer o que são interstícios urbanos: é uma rede invisível, composta pelas ruas, calçadas, becos, vielas, lajes, coberturas, varandas, ou seja, todo o espaço não ocupado pelas edificações, tudo que está entre as edificações. Esses espaços têm conflitos, porque ainda hoje eles carecem de infraestrutura, não têm acessibilidade universal: Paraisópolis é íngreme e as calçadas têm degraus ou uma declividade muito alta e, portanto, uma pessoa com uma cadeira de rodas ou uma pessoa com um carrinho de bebê tem dificuldade de se deslocar por aquele território, seja andando na calçada ou no leito carroçável.

Além disso, esses são espaços escuros, ainda mais à noite, e não garantem segurança para as pessoas. Então, os interstícios urbanos de favela têm conflitos e desafios para serem discutidos e requalificados, mas, ao mesmo tempo, eles têm uma série de potencialidades latentes.

Morumbi e Paraisópolis

Sem tentar romantizar essa realidade, esses espaços intersticiais na favela são diferentes do resto da cidade: se compararmos as ruas e as calçadas de Paraisópolis com as do Morumbi, dá medo de ficar nesses espaços no Morumbi, porque as calçadas de lá têm muros altos, não tem ninguém olhando nem usando aquele espaço. Consequentemente, aquele espaço tem uma vida urbana muito baixa e desqualificada. Agora, os becos, calçadas e vielas de Paraisópolis, morfologicamente, têm um desenho mais interessante, e permitem que a pessoa vá descobrindo e vivenciando os espaços.

Além disso, esses espaços têm uma escala muito mais próxima da escala humana. Então, quando a pessoa anda por esses espaços, ela se sente muito mais confortável: existe sombra, acesso ao sol, e isso varia ao longo do percurso. Por exemplo, muitas pessoas gostam de cidades medievais, europeias, mas se formos olhar essas cidades, morfologicamente, elas são muito parecidas com os territórios das favelas. Então, essa rede de becos e vielas é uma oportunidade, por conta da sua diversidade e pela forma como permite e estimula a passagem de pessoas, o uso dos espaços, a conexão entre o dentro e o fora: os becos têm várias janelas que abrem para a rua e têm gente passando, gente sentada, gente observando o que está acontecendo.

Então, a principal questão do meu mestrado foi entender como podemos minimizar os conflitos e tirar o máximo partido das questões ambientais, sociais, humanas e morfológicas que estão dadas nesses espaços, entre as edificações.

Favela de Paraisópolis (Foto cedida pelo entrevistado) 

Quais são as propostas desenvolvidas na sua tese de doutorado para pensar uma “São Paulo do futuro”?

Na tese “A São Paulo para o futuro” eu basicamente entendo que a cidade de São Paulo é produzida pela lógica das edificações, fazendo com que os espaços intersticiais sejam uma mera decorrência, e isso é uma pena. A contrapelo desta situação, a minha tese comprova a hipótese de que esses espaços intersticiais que permeiam toda a cidade são fundamentais e devem ser tomados como elementos primários no planejamento e projeto da cidade. Esses espaços são os espaços em que as pessoas estão, onde acontecem encontros coletivos, manifestações, são lugares onde tem sol, onde passa o vento, onde tem som, cheiros etc.

O objetivo, portanto, é entender esses interstícios urbanos em diferentes contextos espaciais da cidade de São Paulo e, a partir disso, decifrar quais as regras, as lógicas que norteiam esses espaços e então inserir essas lógicas ambientais, morfológicas e sociais em políticas públicas, em estratégias de planejamento urbano e em diretrizes de projeto. Essa minha “São Paulo para o futuro”, em que trago até algumas imagens na minha tese (que pode ser baixada no link do Teses USP), é uma cidade que é pensada a partir dos espaços entre as edificações, efetivamente. Eu proponho pegar esse espaço – que, apesar de ser invisível (porque não vemos o espaço entre as edificações assim como vemos os edifícios) – e transformá-lo numa efetiva infraestrutura de qualificação da cidade, seja para garantir o sol e a salubridade para as unidades habitacionais, seja para garantir a ventilação, garantir a conexão e usos urbanos desses espaços públicos.

Deseja acrescentar algo?

Vale a pena sempre reforçar que a favela é um território singular na cidade, mas não deixa de ser parte da cidade, parte fundamental da cidade. Assim, é importante que entendamos e respeitemos esse espaço porque, apesar das carências remanescentes de infraestrutura, de habitação, de saneamento, temos muito a aprender com a favela no que diz respeito aos seus potenciais de vida urbana, de articulação entre dentro e fora, de escala humana. Precisamos ter respeito e pensar, como sociedade e como profissionais, de que forma podemos contribuir com o entendimento desses desafios, com a melhoria desses conflitos da comunidade, mas também podemos aprender muito com a questão de vida urbana que já existe naquele contexto, sem romantizá-lo.

*Por: Patricia Fachin | Edição: João Vitor Santos

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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