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Paulo Cannabrava Filho | A quem interessam as manifestações no Brasil

Há no Brasil, claramente, o desenvolvimento de uma estratégia psicossocial, desestabilizadora, aproveitando o descontentamento para gerar o caos
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

A manifestação que tem tomado as ruas brasileiras é legitima, revela uma sociedade indignada e que está raivosa por série de razões, palpáveis todas elas: a má e insuficiente escola; a precariedade da atenção a saúde; a ostentação da riqueza dos 10% agredindo os 90%; os gastos supérfluos em obras suntuárias; os salários baixos e os preços em alta, principalmente dos gêneros de primeira necessidade.

A questão do transporte urbano é emblemática. A Agência Estado publicou matéria revelando que o número de passageiros aumentou 80% nos últimos anos enquanto a frota diminuiu de 14.1 mil em 2004 para 13,9 mil coletivos. Além de escassos os ônibus são ruins, a maioria montados sobre chassis de caminhão. O metrô é insuficiente e o trem urbano absolutamente insuportável.

Há portanto muitas razões que legitimam a indignação popular. O movimento começou por uma insatisfação popular, o aumento nos preços do transporte urbano,  e as reivindicações foram crescendo na medida da percepção de que isso não era um fato isolado mas sim a gota d’água que fez transbordar o descontentamento, a descrença, a raiva diante da impotência, diante de tanta indignidade.

Demorou para que isso acontecesse. A última manifestação de massa que tivemos foi o “Fora Collor” em 1992. Nada parecido com o Movimento das Diretas Já que empolgou o pais, mas, muito semelhante ao que sucede hoje. Semelhante na composição de classe. Em 92 como agora começou como uma manifestação de classe media abastada e estimulada pela Rede Globo.

Até a Rede Globo passa a apoiar as manifestações, mesmo sendo um dos alvos dos protestos, logo após o governo dos Estados Unidos ter se manifestado a favor dos “indignados” daqui. Daqui porque os indignados de lá estão Também recebendo as cacetadas da repressão

Há no Brasil, claramente, o desenvolvimento de uma estratégia psicossocial, desestabilizadora, aproveitando o descontentamento para gerar o caos

Wikipédia
O movimento começou por uma insatisfação popular, o aumento nos preços do transporte urbano

Acontecimento histórico, mas contra o que?

Como diz o grande cineasta pernambucano Rosenberg Cariri, “é um acontecimento histórico importante: o povo nas ruas”.

Contra os megaempresários, as obras da copa, o mercado canibal, o aumento dos transportes, a imprensa manipulada, a violência fascista policial, a falta de escolas e hospitais…?

Contra o que aí está?

“Só falta agora que sejam erguidas as bandeiras de protestos contra os massacres dos índios, dos negros, brancos e mestiços pobres, dos deserdados filhos da terra, que resistem nas periferias, favelas e campos”.

Violência policial e de inflitrados

Foi impressionante ver a violência e a ira  dos policiais nas fotos e nos vídeos. O policial aspergindo pimenta no rosto do cinegrafista. Sua expressão denuncia seu ódio. Outro policial apontando arma de fogo na horizontal.

De onde vem esse ódio? De sua própria situação de excluído e de um treinamento para odiar o inimigo, o próprio povo a que pertence. Treinamento alienante nas técnicas emanadas da doutrina de segurança nacional dos Estados Unidos.

A indignação da classe média, assim como a revolta dos excluídos é legítima, mas não foi o que se viu nesta terça-feira (18). Profissionais com máscaras contra gás, compleição atlética, camisa de grife e coturnos quebrando com violência as grades de proteção da Prefeitura do Município de São Paulo ou da Assembleia Legislativa no Rio de Janeiro. Quem são?

Quem lidera?

O movimento então deixa de ser espontâneo, e passa a ser conduzido por estranhos. Pelo menos boa parte dele. As palavras de ordem agora são contra tudo  e contra todos que estão deixando o povo insatisfeito. 

A profusão e dispersão das bandeiras já não levam a nada, só baderna, confusão, e isso ocorre justamente porque o movimento não tem uma direção, proposta, não oferece alternativa. Por enquanto são uns poucos os que quebram e saqueiam. Até quando?

Coincidentemente, uma profusão de mensagens multimídias circulando por emeios e pelas redes sociais virtuais desqualificando o governo, os políticos, os partidos políticos e, pior ainda, as instituições que fazem funcionar o Estado. E muitas dessas bandeiras já aparecem nas manifestações.

Jogo perigoso ante amplos setores de classe média despolitizada e inculta, sem noção de país, de projeto nacional e sem perspectivas.

“Fora Dilma” | Será que vivemos um pré-64?

Tal qual no início dos anos 1960, com o IPES e o IBAD distribuindo filmes produzidos por profissionais de agências de publicidade exaltando o perigo do comunismo e os males da corrupção, estão sendo distribuídos filmes de alta qualidade, descaradamente produzidos nos Estados Unidos, com as mesmas técnicas psicossociais, exaltando o perigo do petismo, os males da corrupção. Vários desses filmes podem ser vistos no YouTube

Protestam contra a Dilma, contra os “petralhas”, contra a corrupção. O governo agora é o culpado de tudo. “Fora Dilma!”.

Só que, tirando a Dilma, fica quem, cara pálida? Michel Temer, Henrique Alves Neto, Renan Calheiros? São os melhores? Derrubar a Dilma e depois? Vão fazer nova eleição? E os que forem eleitos, vão fazer aliança com quem para governar?

Hoje temos uma aliança de centro-esquerda (esquerda no espectro da democracia que temos) que tem permitido olhar um pouco para o futuro, tentar reativar o processo de desenvolvimento, buscando e promovendo inclusão social… errando muito mas fazendo o possível na correlação de força em que o partido majoritário é o PMDB.

O que virá?

Derrotada essa aliança e essa governabilidade vem o que? O mesmo PMDB majoritário com o PSDB excludente e entreguista. Ou seja, colocar os mesmos caras, só que desta vez capitaneados pela direita. Sim, se hoje temos uma centro-direita capitaneada pela esquerda, amanhã teríamos a direita com os fundamentalistas e os vende-pátrias como foram Fernando Collor de Mello e FHC. Ou teríamos a institucionalização da instabilidade, a permanência do caos. Entre essas três hipóteses, qual a melhor para o Brasil?

Este jogo de desqualificação da política, dos nossos lideres, incentivado pela mídia-partido, leva fatalmente à instabilidade política que, consequentemente gera instabilidade econômica e agravamento das tensões sociais.  Uma situação como esta ou dá espaço para que os interesses mais espúrios tomem conta do poder ou gera o caos.

Veja o que aconteceu com Líbia. As manifestações começaram na classe média dos centros petroleiros e terminou com exército de mercenários. Se era ruim com Kadafi, hoje impera a instabilidade, o desgoverno. E, quem está com o petróleo líbio?

No Egito, as manifestações tinham a legitimidade dos descontentes, com os que sonham por liberdade. O que adveio? Instabilidade e o perigo da hegemonia fundamentalista. E mais, quem está com o petróleo?

Quem quer esta guerra no Oriente Médio?

A quem interessa a desestabilização da Síria? Todo gás consumido pela Europa vem da Rússia através de gasoduto que atravessa a Síria. A chamada oposição síria não é legítima pois são mercenários armados pela OTAN e por Israel. Um jogo perigoso esse de pretender cortar a fonte de recursos que representa o gasoduto para a Rússia. Como reagiria a Rússia sufocada? Perguntem a Napoleão, perguntem a Hitler.

Agora como nos tempos coloniais o Petróleo do Iraque, da Líbia está sob controle imperial. Combustível mais barato e seguro para a Europa sob o controle das empresas que conformam o poder imperial, os senhores de todas as guerras.

Há no Oriente Médio uma revolta legítima contra a opressão, a falta de liberdade. Mas quem está tomando a condução política destes países  o está fazendo de forma contrária aos interesses nacionais. O caos serve aos interesses imperialistas.

Há no Brasil, claramente, o desenvolvimento de uma estratégia psicossocial, desestabilizadora, aproveitando o descontentamento para gerar o caos. Nosso petróleo, num Brasil governado por entreguistas ou, melhor ainda, desgovernado, será presa fácil do Império.

*Paulo Cannabrava Filho é jornalista e editor de Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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