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PEC acoberta lavagem de trilhões de papéis podres acumulados pelos bancos privados

O valor desse negócio bizarro será de R$972,9 bilhões, como informado pelo presidente do Banco Central aos senadores brasileiros
Maria Lúcia Fattoreli
Auditoria Cidadã da Dívida
São Paulo (SP)

Tradução:

Se o Banco Central de fato estivesse preocupado em socorrer a economia, viabilizar a sobrevivência das empresas e manter empregos, deveria colocar em prática as suas atribuições de autoridade monetária do país: emitir e injetar moeda na economia, e exigir que os bancos criem linhas de crédito a juro zero e prazo de carência enquanto durar a pandemia.

Assim deveria agir uma autoridade monetária séria, dando total transparência das operações e controlando a atuação das instituições financeiras para garantir o cumprimento dos objetivos do programa.

Em vez de isso, foi criada a PEC 10/2020, que rebaixa o Banco Central a mero agente independente do mercado de balcão, desvirtuando completamente as atribuições daquela autoridade monetária.

O Banco Central será uma das pontas do desregulado mercado de balcão, adquirindo derivativos sem lastro e debêntures, sem limite de valor, sem identificar os beneficiários, sem obedecer os “Procedimentos Mínimos” recomendados pela Anbima, sem a possibilidade de investigação efetiva, sem limitar o prazo dos papéis, sem a exigência de contrapartida alguma ao país, e mais: pagando tudo isso com títulos da dívida pública, cujo peso recairá sobre o povo brasileiro!

O valor desse negócio bizarro será de R$972,9 bilhões, como informado pelo presidente do Banco Central aos senadores em 09/04/2020, demonstrando que já naquela data ele tinha conhecimento preciso do conteúdo do pacote de créditos privados.

O valor informado pelo presidente do BC ao Senado coincide com o valor divulgado em matéria de capa do Estadão dia 11/11/2019, que cita levantamento feito pela IVIX Value Creation e revela que a “carteira podre” dos bancos chegava ao valor de quase R$ 1 Trilhão, sem considerar a correção monetária! Se computada essa correção, chegaremos a vários trilhões, pois esses ativos privados vêm sendo acumulados nos bancos há 15 anos, segundo o levantamento!

O valor desse negócio bizarro será de R$972,9 bilhões, como informado pelo presidente do Banco Central aos senadores brasileiros

Banco Central do Brasil
A PEC 10 rebaixa o Banco Central a mero agente independente do mercado de balcão, desvirtuando as atribuições da autoridade monetária

Global NPL

A autora desse revelador levantamento, IVIX Value Creation participou do grande evento do mercado financeiro Global NPL em Londres, dedicado à busca de oportunidades de negócios em tempos de crise com os denominados Non-Performing Loan (NPL): termo utilizado para empréstimos bancários realizados que não tenham sido devidamente pagos (nem o valor principal, tampouco os juros) ao longo dos últimos 90 dias, classificados como default ou próximos a default, isto é, calote! NPL é sinônimo de crédito podre.

Quando o levantamento feito pela IVIX Value Creation foi divulgado, a expectativa era de que a economia entraria em fase de retomada do crescimento, como divulgado na matéria. Em vez disso, veio a crise da pandemia e novas oportunidades de negócios.

Os créditos podres acumulados nas carteiras dos bancos ao longo dos anos não afetaram em absolutamente nada seus lucros, tendo em vista que bancos se ressarcem de suas perdas ao deduzir o seu montante na apuração do lucro tributável, tanto é que os bancos têm batido recordes de lucros a cada trimestre, apesar da crise que abala a economia brasileira desde 2015.

O que os bancos podem fazer com seus créditos podres?

Segundo a Enforce, do BTG Pactual, “Os bancos têm dois caminhos: ou eles mesmos correm atrás desses créditos, ou contratam empresas especializadas nisso”, afirmou Alexandre Câmara, presidente da Enforce 8, grupo que também participou do evento Global NPL em Londres 9

Reparem que o representante do BTG não menciona o caminho de “venda” desses créditos. Dá para imaginar por quê? Simplesmente porque ninguém compraria, a não ser empresas que usam esses créditos como base para o lançamento de derivativos de alto risco que ficaram conhecidos como pirâmides financeiras responsáveis pela crise de 2008. É a esse tipo de empresa que a PEC 10 quer equiparar o Banco Central do Brasil?

Se a PEC 10 for aprovada, os bancos irão vender esses créditos diretamente para o Banco Central pelo preço que quiserem! E receberão, em troca, títulos da dívida pública brasileira e seus generosos juros!

Será que os parlamentares que estão votando essa PEC 10 têm noção do tamanho do dano ao erário que estão autorizando?

Antes de autorizarem tal operação, parlamentares teriam que solicitar ao Banco Central a completa discriminação dos beneficiários, o detalhamento dos riscos envolvidos e demais informações sobre cada um dos créditos privados englobados no valor de R$972,9 bilhões(10) informado pelo presidente do BC aos senadores em 09/04/2020, sob pena de assumirem a corresponsabilidade sobre tal operação às cegas.

A nova versão do texto aprovado no Senado incluiu pequenas modificações superficiais que não alteram em absolutamente nada a essência da bizarra autorização para o Banco Central comprar derivativos e debêntures no mercado de balcão, sem limite de valor, sem divulgar o beneficiário do dinheiro público, etc. e pagar com dinheiro público, provocando o crescimento exponencial da dívida pública que o povo terá que pagar!

O relator no Senado, senador Antonio Anastásia (PSDB/MG) simplesmente cortou do texto a necessidade de autorização do valor da operação pelo Tesouro Nacional, que constava da versão votada na Câmara. Não houve voto específico nem debate no Senado sobre essa parte do texto que simplesmente sumiu!

Foi suprimida também a parte que mencionava que o Tesouro faria o aporte de pelo 25% do valor da operação, tornando o texto mais coerente com o que acontecerá na prática, pois o Tesouro assumirá 100% do valor da operação!

Os títulos da dívida pública a serem entregues em pagamento dos papéis podres são emitidos pelo Tesouro Nacional. Ademais, segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal, o Tesouro Nacional arca com todos os prejuízos do Banco Central (LRF Art. 7 o § 1 o).

O Senado discriminou os tipos de créditos privados que o Banco Central passará a comprar, caso a PEC seja aprovada, confirmando o que temos denunciado desde a primeira versão da PEC 10, pois a lista mostra que serão adquiridos derivativos e debêntures de alto risco: a) debêntures não conversíveis em ações; b) cédulas de crédito imobiliário; c) certificados de recebíveis imobiliários; d) certificados de recebíveis do agronegócio; e) notas comerciais; e f) cédulas de crédito bancário.

Ora, porque o mercado não compra esses papéis? E o Banco Central irá comprar?

O texto aprovado no Senado admite que os ativos que serão adquiridos pelo Banco Central tenham classificação em categoria de risco de crédito no mercado local equivalente a BB- ou superior, ou seja, coloca na Constituição que o BC poderá comprar ativos de “GRAU ESPECULATIVO”, que é o significado de BB-!

A inclusão no texto da PEC de que haveria avaliação do crédito privado por uma agência internacional de risco soa como uma enganação para induzir parlamentares a achar que estariam aprovando algo seguro! As agências classificadoras têm tido a sua conduta seriamente questionada, em especial desde a Crise de 2008, por atuarem a favor de seus próprios contratantes, ou seja, os bancos, com evidentes conflitos de interesses. Também têm sido acusadas de grosseiros erros de avaliação, denúncias de venda de pareceres e até fraudes denunciadas pelo Governo dos Estados Unidos da América do Norte 11 . Ademais, será altamente questionável a avaliação, por uma agência internacional de risco, de derivativos privados emitidos por empresas não-financeiras, sendo que tais ativos sequer são negociados em bolsas de valores! É evidente a impossibilidade de uma avaliação minimamente séria!

Cabe ressaltar o que recomenda a Anbima em relação à avaliação de risco de créditos privados 12:

(vii) utilizar o rating e a respectiva súmula do ativo ou do emissor, fornecido por agência classificadora de risco, quando existir, apenas como informação adicional à avaliação do respectivo risco de crédito e dos demais riscos a que devem proceder, e não como condição suficiente para sua aquisição.

Assim, além de sequer existir avaliação de rating para diversos desses créditos privados, a recomendação da Anbima é no sentido de que tal avaliação, quando existir, deve ser usada apenas como informação adicional e não como condição suficiente para a aquisição do derivativo.

A menção a um preço de referência também não reduz em absolutamente nada a temeridade da operação, pois a PEC diz “preço de referência publicado por entidade do mercado financeiro”. Tal entidade pode ser, por exemplo, a própria portadora do título podre que está sendo vendido para o Banco Central? Qual a segurança disso? Normalmente, o preço de referência é construído com base na análise do conjunto de operações, por isso a maioria dos títulos privados sequer possui tal referência de preço. Em período de crise esse fato é ainda mais grave, pois as negociações desse tipo de papel simplesmente param de acontecer.

A PEC cita ainda que seria dada preferência à aquisição de títulos emitidos por micro, pequenas e médias empresas. Tal afirmação denota desconhecimento quanto ao tipo de empresa que pode emitir papéis financeiros (debêntures e derivativos que a PEC 10/2020 menciona). Somente grandes empresas – S/A – podem emitir tais papéis, a não ser no caso de empresas de fachada, fantasmas, ou as novas empresas estatais não dependentes que têm sido criadas para operar esquemas financeiros fraudulentos da denominada Securitização de Créditos Públicos (estas costumam ser criadas com capital reduzido e emitem debêntures com garantia estatal elevadíssima).

Adicionalmente, o próprio relator no Senado afirmou que nenhuma empresa seria beneficiada com recursos dessas aquisições feitas pelo Banco Central, e chegou a usar essa afirmação como argumento para rejeitar emendas de senadores que pediam contrapartidas (manutenção de empregos e não distribuição de lucros aos sócios). Os bancos é que serão os maiores beneficiários.

Todo ato administrativo exercido por instituição pública exige explicação quanto à sua motivação e justificativa. No caso da PEC 10, não foi apresentada qualquer justificação aceitável, minimamente plausível, para a aquisição, pelo Banco Central, de títulos podres da carteira de bancos, no valor de trilhões de reais, às custas do Tesouro Nacional, sacrificando ainda mais o povo brasileiro.

A alegação de que seria para ajudar a economia não se sustenta! Está escancarado – e inclusive mencionado pelo relator da PEC no Senado – que a medida só beneficiará bancos!

A alegação de que outros países estariam fazendo esse mesmo tipo de operação não pode sustentar a aprovação de uma modificação constitucional dessa monta. Essa semelhança de atuação decorre da subserviência do Banco Central do Brasil e de diversos países à instituição privada BIS, de onde emanam as determinações para essa atuação dos bancos centrais de vários países a serviço da banca privada. O Congresso Nacional concorda com mais essa entrega de soberania?

Em resumo, o texto da PEC 10/2020 aprovado no Senado mantém a geração de trilhões de reais de Dívida Pública completamente ilegítima, resultante da transformação de carteira podre de bancos em decorrência da atuação do Banco Central como um mero agente do mercado de balcão! Como se não bastasse, essa aberração da PEC 10, batizada de “PEC do Orçamento de Guerra”, está feita em momento excepcional de calamidade pública, equiparado às excepcionalidades mencionadas no Art. 60, § 1º da Constituição que proíbe emendas à Constituição e impossibilita a devida participação social e democrática.

Será uma vergonha se essa aberração que consta da PEC 10 (13) vier a fazer parte da Constituição brasileira!

Maria Lúcia Fattorelli é auditora e coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Maria Lúcia Fattoreli

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