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Pedro Díaz Ortiz, homem de letras

Winston Orrillo

Tradução:

“Por que tão alegre/ – perguntaram-lhe ao dia-/ se teu destino é a noite? / Carpe diem, respondeu     o  día”.  “Desenha a vida/ sua estranha vocação/ de fruta proibida”·

Winston Orrillo*

OLYMPUS DIGITAL CAMERA“Gaudeamus” (do latim: alegremo-nos, vivamos, gozemos) é o idôneo nome do último livro de poemas de Pedro Díaz Ortiz, a quem denominamos, como gostavam de chamar a D. Alfonso Reyes: um homem de letras. Porque nosso autor, atualmente Decano da Faculdade de Humanidades e Línguas Modernas da Universidade Ricardo Palma, é uma avis rara: um homem dedicado em corpo e espírito, ao cultivo, visceralmente, delas, uma vez que é Doutor em Letras pela Universidade Nacional Maior de San Marcos, Diretor da série “Letras Francesas” e da Revista de sua Unidade Acadêmica, bem como Fundados e Membro de Número do Instituto Ricardo Palma.

gaudeamus1Seu primeiro livro de poemas, porque o que resenharemos é o segundo, teve o sintomático nome de “Um não rompido sonho”, com o que nos leva à vocação pela estética clássica de seu autor quem, à parte dos avatares criativos, é um ensaísta notável, com estudos fundamentais como “A estética teatral de  Valle Inclán” e a valiosíssima edição crítica da Primeira Série de Tradições Peruanas. Sua especialidade também se acha na literatura francesa (“Albert Camus, Teatro e Sociedade”) da qual é conspícuo tradutor, com impecáveis versões ao espanhol de textos de Georgette Philippart de Vallejo, e um volume de poesia de Blaise Cendrars.
O livro sobre o qual versa esta coluna é um exercício de lirismo absoluto, incursão na poesia breve, densa, profunda: “O ofídio lento esquadrinha/ o olhar do momento final”, “Entardece a cor/e surgem/ em seus olhos/pássaros escuros”. “No equinócio do sonho/o grito perpendicular do silencio”, na qual se podem reconhecer ecos de Montale, Ungaretti y Quasimodo; mas, sobretudo, um adentrar-se em uma poética que, terebrante, nos leva a essências filosóficas, como as que podemos assinalar nos seguintes textos: “volto com o tempo às costas/no dorso do dia tardio/A duras penas sou o mesmo/enquanto o outro/os outros/ esquivam de esguelha as miradas”.
A grande poesia, como nos ensinara Heidegger, sempre arranha o metafísico: o poeta radical desvela a superfície do aparente para, como no seguinte texto, levar-nos às perguntas persistentes, perpétuas, onde o tempo e o devir são personagens questionadores. Por exemplo: “Imagine.// Imagine que o tempo não é o tempo/ que não somos o que parecemos/ Imagine que o dia é um veleiro solar/ que navega à deriva//Imagine que todas  as rotas/ não conduzem a nenhuma  Ítaca// Imagine que só somos / um espasmo de vida/ e nada mais.”
É preciso mencionar também o rico uso das imagens por parte do autor.
A grande poesia é isto: a interrogação permanente, irreversível (o que nosso Rubén Darío denominava o “não saber aonde vamos/ nem de onde viemos”).
Pedro Díaz Ortiz o diz deste modo: “Uma vez no escuro / vértice do olor e do gozo, / do jogo e do mistério…/ Quanto caminho ainda/na epiderme da esfinge!” Ou neste outro que parece seu estribilho: “Deixei a margem/das dunas amarelas/ para voltar à sílaba/ à escalada vertical/ à espuma da origem”.
O ser e o tempo, o ser e o nada, o arcano, o sonho: mas a vida sempre trepida no amor.
Não há grande poesia que não preencha seu horizonte com o amor. Não é diferente no presente caso. “Esperei o signo/ e vieste tu, mulher de pele ebúrnea/ e alento de areia.// Estou no meio do caminho/ como diria Dante do mezzogiorno-/ O horizonte se nubla imperturbável/ ¡Teu alento me queima!”. Mas o poeta está também em guarda contra a miragem que se quer fazer passar por amor: caminho da autenticidade,  poderíamos chamar isto: “Fugaz maçã do desejo/falso ouropel do instante/ fusa da íris arcádica/ fundilho de seu biquíni oloroso”.
Embora a esta poesia, que poderíamos qualificar de difícil em sua arquitetura de escavar as essências, não é fácil encontrar-lhe o que poderíamos chamar de uma poética, nos atrevemos a escolher a seguinte: “Busco no silencio a palavra/ a palavra no silencio/ invertebrado o axioma/no vértice do ângulo/ a solidez do líquido/ a miragem no olho vertical/ busco a fenda na espessura/ busco no silencio a palavra”.
O volume é outro belo lançamento da Editorial Universitária da URP.
*Da equipe de colaboradores de Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Winston Orrillo

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