Conteúdo da página
ToggleNULL
NULL
“Às vezes o México é um país nefasto, mas às vezes também é um país magnífico”. O resultado das eleições gerais deste domingo (1) nos mostra que o povo mexicano está disposto a fazer do México um país magnífico. Com 44% das urnas apuradas, o progressista Andrés Manuel López Obrador (AMLO), do Morena (Movimento de Renovação Nacional), já é considerado o novo presidente e dá fim aos 90 anos de revezamento do PRI e do PAN no poder. Os três rivais reconheceram a derrota.
Mariana Serafini, no Portal Vermelho
Como era de se esperar, o clima de votação não foi tranquilo e houve várias denúncias de fraudes em muitos pontos do país. Em algumas regiões, curiosamente onde o candidato do Morena era favorito, faltaram cédulas, já em outras localidades as sessões abriram mais tarde do que o horário indicado pelo órgão eleitoral. Houve também compra de votos e listas alteradas — nada diferente de eleições anteriores — mas desta vez, nem a máquina fraudulenta dos conservadores conseguiu deter o avanço da esquerda que chega à presidência com mais de 20% de vantagem sobre o principal opositor, Ricardo Anaya.
O governista Antonio Maede, do PRI, apoiado pelo presidente Enrique Peña Nieto, foi o primeiro a reconhecer a derrota e desejar êxito a Obrador. Ele se pronunciou por volta das 20 horas (22h, horário de Brasília), assim que começaram a sair os primeiros resultados.
Em seguida, o principal opositor, Anaya, do PAN, também reconheceu a derrota. “As informação que tenho é que a tendência eleitoral favorece Andrés Manuel López Obrador. Falei com ele a alguns minutos e reconheço seu triunfo. Expresso-lhe minha felicitação e desejo de sucesso pelo bem do México”, disse Anaya.
O partido de López Obrador, Morena, também tem larga vantagem em diversos estados e no Distrito Federal.
Um progressista nas barbas do imperialismo
“Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”, o México tem sido um dos países mais atingidos pela política hostil de Donald Trump. O presidente estadunidense já dificultou o processo de exportação dos produtos mexicanos, está tratando os imigrantes a ferro e fogo com a expulsão e separação de famílias inteiras e ainda insiste na proposta estapafúrdia da construção do muro na fronteira.
O governo de Enrique Peña Nieto foi marcado pela subserviência e com a chegada de Trump, este posicionamento se tornou insustentável, o que o isolou politicamente e fez a campanha de seu pupilo, Antonio Maede, fracassar. López Obrador tem pela frente uma batalha de Davi e Golias para manter a soberania do povo mexicano que depositou a confiança nele.
Um dos pontos do projeto de governo de AMLO para combater a migração de mexicanos é melhorar as condições trabalhistas no país, a fim de evitar esta busca desenfreada pelo “sonho americano”. O programa do Morena prevê aumento do salário mínimo — que atualmente não passa de US$ 135 — até recuperar o poder de compra perdido com a inflação dos últimos anos, além de igualdade de salários entre homens e mulheres.
Com a instalação de indústrias estrangeiras, principalmente no Norte, nos últimos anos, o país passou a oferecer muitos empregos sem nenhuma garantia e com salários baixíssimos. López Obrador pretende enfrentar estas multinacionais para formalizar os trabalhadores e garantir salários justos, além criar uma instância para que haja negociação coletiva no ramo industrial e, desta forma, defender os direitos trabalhistas.
Principais pontos do Projeto de Governo 2018 – 2024
A profunda crise mexicana mostra que o modelo neoliberal, implementado nos anos 1990, não gerou os resultados prometidos. Desvalorização do trabalho, corrupção exacerbada, crescimento do crime organizado e falência do Estado, assim está o México hoje. De acordo com a organização internacional de direitos humanos Oxfan, os níveis de pobreza do México atualmente são praticamente os mesmos de 20 anos atrás, o que mostra que o sistema neoliberal não conseguiu — se é que tentou — reduzir a lacuna entre as classes sociais.
López Obrador chega à presidência com um discurso nacionalista sólido e defende que as riquezas naturais, principalmente a água e o petróleo, sejam mantidas sob a gestão pública. Seu projeto tem como propostas prioritárias voltar a fortalecer o Estado e ampliar a distribuição de renda, isso sem afetar a iniciativa privada, já bem consolidada no país.
O novo presidente vai apostar no desenvolvimento nacional para garantir crescimento econômico e inclusão social. Neste sentido, está comprometido em ampliar o acesso à educação superior, recuperar o sistema público de saúde e potencializar empresas públicas, principalmente a petroleira Pemex, para garantir soberania energética e rendimentos nacionais.
Atualmente o México é muito dependente de importações de boa parte dos produtos que consome, a fim de recuperar a soberania alimentar, o projeto do Morena prevê o fortalecimento do setor agropecuário. A princípio, contempla a plantação de milho e feijão, além da reestruturação da produção cafeeira e a criação de condições para a produção sustentável de gado.
Para elaborar este projeto, López Obrador se reuniu com camponeses ao longo da campanha e assinou um documento onde reafirma seu compromisso de implementar políticas de produção agrícolas direcionadas aos pequenos produtores e comunidades indígenas.
Há ainda preocupação em impulsionar projetos de obras públicas em infraestrutura com financiamento misto dos setores público e privado. Para fortalecer a soberania energética, o novo presidente propõe a criação de duas novas refinarias, além de uma ampla reforma em uma já existente.
Ainda em busca de gerar mais empregos formais, está prevista a criação de centros produtivos em zonas urbanas periféricas e consórcios de pequenas empresas.
Quem é López Obrador?
Esta foi a terceira vez que o político de 64 anos concorreu à presidência do México. Já havia disputado o cargo em 2006 e 2012, sem sucesso. Um dos fundadores do Morena, López Obrador foi prefeito de Cidade do México entre 2000 e 2005, quando ganhou notoriedade para alçar voo rumo ao Palácio Nacional.
AMLO reivindica o “nacionalismo revolucionário” do ex-presidente Lázaro Cárdenas (1934 – 1940), terceiro a governar o país depois da Revolução Mexicana de 1910. Cárdenas está para o México como Getúlio Vargas para o Brasil e Juan Domingo Perón para a Argentina. Seu governo é marcado por importantes reformas, distribuição de terras para a reforma agrária, nacionalização da indústria petroleira, reconhecimento dos direitos trabalhistas e industrialização estatal.
A militância política de AMLO começou nos anos 1970 no PRI (Partido Revolucionário Institucional), cuja ala de esquerda da época reivindicava o legado da revolução mexicana. Daí vem a linha política do novo presidente. Esta corrente mais tarde formou o PRD (Partido da Revolução Democrática), onde López Obrador foi um destacado dirigente em seu estado, Tabasco. Ele permaneceu na sigla por 25 anos, até fundar o Morena, que só foi registrado em 2014.
Apesar de sua convicção ideológica, para chegar à presidência López Obrador fechou acordos com Deus e o diabo e recebeu apoio de destacados dirigentes da oligarquia mexicana. Uma espécie de “frente ampla” contra o neoliberalismo, a coalizão é formada pelo Morena, pelo Partido Encontro Social (PES) — legenda evangélica de extrema-direita — e pelo Partido do Trabalho (PT), reconhecida por ser uma organização maoísta.
Mas as alianças vão além e a atual coalizão recebeu apoio de dirigentes do PRI, entre eles o ex-presidente Ernesto Zedillo, considerado um dos homens mais influentes da política mexicana. Para completar, a coordenadora de campanha presidencial é uma ex-dirigente do PAN, Tatiana Clouthier.
Com esta composição tão ampla, é difícil dizer como será a governabilidade de López Obrador. Analistas acreditam que seu gabinete ministerial será equilibrado entre as siglas e, mesmo que ao custo de acordos com os setores mais conservadores, será possível avançar nas politicas mais à esquerda, uma vez que as outras opções eram o extremo oposto disso.
López Obrador acaba de furar o cerco da máquina que esteve no poder por 90 anos e tem agora nas mãos um país em colapso. Não será fácil. Mas com a chegada deste herdeiro de Cárdenas no país com uma das maiores economias do continente, mudam as perspectivas para o chamado ciclo progressista da América Latina. Começou um novo capítulo, e por este, o imperialismo não esperava.
*Frase do personagem Tochtli, protagonista do romance “Festa no Covil”, do escritor mexicano Juan Pablo Villalobos.