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Pensando a América Latina com Raúl Prebisch

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Alicia Bárcena y Antonio Prado* 

Raúl Prebisch (1901-1986) Economista argentino, dirigiu a Cepal desde sua fundação em 1948. Com Celso Furtado promoveu teoria do planejamento estratégico para o desenvolvimento com base nos abundantes recursos nacionais.
Raúl Prebisch (1901-1986) Economista argentino, dirigiu a Cepal desde sua fundação em 1948. Com Celso Furtado promoveu teoria do planejamento estratégico para o desenvolvimento com base nos abundantes recursos nacionais.

“Antes de pensar, observe”, recomendava o senhor Raúl Prebisch em uma de suas frases mais emblemáticas. Esta ideia, que representa um desafio para os que interpretam a América Latina de seu tempo, mantém grande vigência hoje na hora de enfrentar os problemas atuais de nossa região.

Até a crise dos anos 1930, o paradigma do pensamento liberal tinha dominado os corações e as mentes dos formuladores e gestores das políticas econômicas da América Latina. O protagonismo do Estado até a década de 1970, com raízes no pensamento keynesiano e de Prebisch, tinha guiado o desenvolvimento na América Latina através do impulso à diversificação produtiva, a industrialização e, em alguns casos, a construção de um mercado de trabalho organizado e de emprego com direitos.

Não obstante, a preocupação de Prebisch e a Cepal pela distribuição do ingresso, a reforma do sistema fiscal, a educação e a concentração da terra geralmente não encontrou eco nas políticas efetivamente adotadas na região. Estes temas ficaram como disciplinas pendentes.

A crise da dívida dos anos 1980 rompe este modelo de crescimento, gerando um estancamento do desenvolvimento e a regressão dos progressos alcançados no mercado de trabalho e na luta contra a pobreza. O PIB per cápita só volta aos níveis de 1980 quinze anos mais tarde e os índices de pobreza 25 anos mais tarde.

As políticas de ajuste estrutural dos anos 1980 e 1990, com base na reativação política do pensamento liberal, trazem uma nova ordem `América Latina, agora com o dólar como âncora monetária, mais a abertura comercial e financeira, e a redução do papel do Estado na economia. Esta internacionalização supôs um desarme dos instrumentos de proteção das economias da região diante das crises internacionais. Se a moeda está ancorada ao dólar e os fluxos de capitais são livres, a política monetária não tem nenhum grau de liberdade. E se a regra do jogo é um ajuste fiscal, não nenhum amortecedor da transmissão dos choques esternos na economia interna. Esta armadilha neoliberal é a que determina o crescimento medíocre e a regressão social que avança dos anos 1980 aos 1990.

Trata-se de um tema bem próximo a Prebisch que identificava como um dos principais problemas das economias latino-americanas sua vulnerabilidade externa intrínseca. De seu ponto de vista, a propensão a importar devido aos aumentos do ingresso interno é maior que a propensão a exportar devido aos aumentos do ingresso internacional. Assim, a semente do desequilíbrio na balança de pagamentos está sempre presente, o que só poderia se mudado com a industrialização. A propensão a importar se comporta assim por que se copiam os padrões de consumo dos países industrializados e não se produz tecnologia de processos internamente. Por isso, quando cresce o ingresso interno, aumentam as importações de bens de consumo e de bens de capital.

Prebisch foi o pioneiro em dar-se conta da importância das assimetrias tecnológicas entre países, e como afetavam suas estruturas de produção. Através delas também se afetavam a balança comercial e o crescimento. Essa relação entre estrutura produtiva, tecnologia e crescimento, que hoje se discute amplamente na literatura é uma preocupação central de sua obra.

Hoje, quando os preços dos produtos básicos estão muito acima da média histórica, são muitos os que, sobre a base dos paradigmas do pensamento das universidades anglo-saxãs, defendem o conceito de vantagens comparativas estáticas, de que é melhor para a região explorar suas vantagens na produção de insumos básicos e matérias primas do que criar uma estrutura de produção mais diversificada e com capacidade tecnológica para participar em mercados mais dinâmicos, que absorvem inovações de produtos e processos.

Desde a perspectiva cepalina isto é um erro, já que o grande motor da concorrência internacional é a geração de assimetrias através das inovações de produtos, processos, insumos e suas fontes e novos mercados..

Nosso desafio está em construir uma nova governança dos recursos naturais que possa financiar uma mudança estrutural produtiva, ampliar a diversificação econômica e a capacidade de inovação. Isto já estava na mira de Prebisch que nunca deixou de considerar a importância do setor primário na capacidade de geração de excedentes para construir economias com menos heterogeneidade estrutural e tratar o problema da desigualdade em suas raízes fundamentais.

*Secretaria executiva e secretario executivo adjunto da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal). 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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