A Frente de Todos (FdT), coligação governista peronista na Argentina, tardiamente, após 3 anos de governo e já no corrente ano eleitoral 2023, põe a Justiça, explicitamente a Corte Suprema de Justiça, no banco dos réus. Enquanto a programada Reforma Judicial nas eleições de 2019 estacionou no Congresso por falta de maioria, um grupo de senadores e deputados da FdT, apoiado pelo presidente da República e vários governadores, decidiu acionar uma Comissão de Julgamento Político à Corte Suprema, como previsto na Constituição, com 14 pedidos de destituição por mal desempenho nas suas funções, delitos no exercício da função e crimes comuns. Leia mais detalhes. Tal julgamento político poderá levar à requisitada destituição dos 4 únicos juízes da reduzida e antidemocrática Corte Suprema argentina: Horacio Rosatti, Juan Carlos Maqueda, Carlos Rosenkrantz e Ricardo Lorenzetti.
Representantes dos organismos de Direitos Humanos, as mães da Praça de Maio, como Nora Cortiñas, ou a sobrevivente Patricia Isasa, dão elementos à Comissão para denunciar tais juízes por aplicar a já revogada Lei 2×1 beneficiando genocidas da ditadura, e também serem responsáveis na lentidão dos processos contra os crimes de lesa humanidade, engavetados há mais de 50 anos. Recordemos que o governo Macri, após colocar por decreto (sem o Congresso) os juízes Rosenkrantz e Rosatti na Corte Suprema, tentou aprovar a já revogada lei 2×1 aos casos de repressores de lesa humanidade. Só uma maré humana de mais de 400 mil rumo ao Congresso, em 2016, pôde impedir por unanimidade (com uma abstenção) a aprovação da lei. Não obstante, esta Corte Suprema vem transgredindo o Congresso e a vontade popular.
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Vários fatos culminaram, em fins de 2022, expressando tentativas golpistas e desestabilizadoras contra o governo de Alberto/Cristina Fernandez. O mais grave: a tentativa de magnicídio contra Cristina Kirchner. Isso, seguido da escandalosa viagem e reunião ao Lago Escondido na mansão do magnata inglês, Joe Lewis, com a implicação de juristas da Corte, agentes da grande mídia e políticos, afins a um Estado paralelo mafioso defensor de altos interesses econômicos, com evidências de conspiração e ilegalidades.
A equipe de advogados de defesa de Cristina, dirigida por Juan Manuel Ubeira, apelou contra a juíza da causa do atentado, por sua inoperância, parcialidade, encobrimento das provas e dos reais mandantes políticos de uma gravíssima tentativa de magnicídio. Pergunta-se porque todas as causas levantadas pelo peronismo, como a do Lago Escondido, saem da esfera local, e terminam no tribunal da capital federal, dito Comodoro Py, ocupado por membros afins ao macrismo? Ou porque morrem no “buraco negro” da Corte Suprema? É essa mesma que está no banco dos réus.
A vice-presidenta, Cristina Kirchner, vítima de atentado, no dia 1 de setembro passado, posteriormente condenada a 6 anos e proscrita perpétua a exercer qualquer cargo público, encera seu discurso de defesa (citado no artigo anterior) com palavras de renúncia à candidatura presidencial-2023. Mas, além da sentença ter uma pendência judicial em março, há expectativas de que a sua renúncia pode não ser uma decisão política, nem pessoal, nem definitiva; provável que seja um sinal realista à militância da FdT (conhecendo as manobras e os prazos calculados por uma “Justiça” golpista); ou, por aí, um sinal para arrefecer a fúria golpista, antes e depois das eleições. Fúria que continua com ameaças recentes do Partido Judicial-Midiático de desengavetar outras 2 causas sem provas contra a vice-presidenta, e montar novos shows midiáticos com fins eleitorais e de proscrição.
Reprodução – Twitter
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O que suas palavras indicam, sim, é sobretudo uma orientação para seu governo e a militância da FdT, de que o peronismo não deve renunciar, deve reagir unido, acionando medidas concretas, diante da condenação a um modelo de desenvolvimento econômico. Como dito, Cristina desnuda a máfia judicial-midiátia e sacode o peronismo, não para reduzir o debate da FdT a candidaturas eleitorais. Como já dito, o seu enfoque não são as eleições, mas a urgência em sanar um problema estrutural de dependência à economia neoliberal, herdada da era Macri e sustentada por esta máfia.
Debater internamente na Frente de Todos sobre como em todos os níveis de poder do governo assumir medidas econômicas – redirecionadas pelo novo ministro da economia, Sérgio Massa – que têm, entre várias medidas, reativado a indústria nacional, reduzido o desemprego de 7% a quase 1%. Recentes medidas de “Preços Justos” integram 482 empresas alimentícias, atingindo congelamento para 49.832 produtos, incluindo cesta básica escolar e prestações de escolas privadas. É hora de ativar e visibilizar o controle estatal e da sociedade (sindicatos e bairros) sobre os produtos de “preços justos”, a distribuição dos alimentos e produtos de primeira necessidade, energia, moradia e transportes, paritárias sindicais justas. Medidas decisivas para recuperar apoio social e garantir continuidade; e enfrentar a campanha midiática, de fundo eleitoral, já iniciada por JxC e a oposição.
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Antes de iniciar o debate sobre candidaturas presidenciais, incluindo a da líder de maior peso popular, Cristina Kirchner, a FdT deve priorizar, na sua Mesa de Trabalho, não aceitar sua proscrição, ao mesmo tempo que, como governo, ativar urgentes soluções econômicas com inclusão social, e reverter a Justiça para que funcione, que restitua todos os direitos para sua elegibilidade. Hugo Yasky, deputado (FdT) y dirigente sindical (CTA), deixa claro: “Cristina Fernández de Kirchner é quem tem que encabeçar a fórmula eleitoral do oficialismo” e disse que a sua “não proscrição tem que ser o tema central nos debates da mesa política”. É hora de pôr um freio ao lawfare que levou ao sangrento golpe contra Pedro Castillo no Peru, e levou ao exílio, Rafael Correa, cujo retorno está conclamado nas urnas do povo equatoriano.
No dia 1 de fevereiro, os organismos pelos direitos humanos, os sindicatos e movimentos sociais organizaram uma manifestação diante da Corte Suprema de Justiça exigindo a destituição de quatro dos juízes que a compõem. Intervém juízes democráticos como Ramos Padilla, as mães Nora Cortiñas, Tati Almeida, e integrantes da Linha Fundadora da Mães da Praça de Maio, encabeçando: “Basta de máfia judicial!”. Foram recordados Hebe de Bonafini, Santiago Maldonado e o caso de Milagro Salas.
No próximo 24 de março, histórico dia pela Memória, Verdade e Justiça, prepara-se uma multitudinária manifestação. Uma das palavras centrais há de ser “Não à proscrição de Cristina Kirchner!”. Agora, mais do que nunca deve reabrir-se o debate pela democratização da Justiça, para que os juízes sejam eleitos por voto popular (com revogabilidade de mandatos), como os membros de outros poderes: Legislativo e Executivo.
A expectativa é que, com mobilização popular os objetivos desta Comissão de Julgamento Político à Corte Suprema rendam frutos. É hora da mídia progressista atuar, como atuou cobrindo cada passo do processo do bárbaro assassinato do jovem Fernando Báez Sosa, dando eco à pressão popular e a uma Justiça local, na cidade de Dolores, província de Buenos Aires. A mídia progressista, tipo C5N, e o governo, através das cadeias nacionais nas TVs e rádios, devem conscientizar o povo, explicar de que o problema da Justiça tem a ver com o seu prato de comida.
O olhar argentino se dirige ao Brasil, onde a revisão do STF sobre injustiças, cometidas no passado com a Lavajato contra o presidente Lula da Silva e o PT, trouxe à tona medidas contundentes de juízes como Alexandre de Moraes e Lewandowski contra golpistas bolsonaristas, defendendo a democracia e uma justiça verdadeira. Com uma justiça contaminada por projetos golpistas, as eleições de 2023 na Argentina arriscam enterrar novamente a democracia como nos anos mais nefastos da ditadura. Cristina, candidata ou não, o certo é que não deverá ser presa, nem proscrita!
Helena Iono | Colaboradora da Diálogos do Sul em Buenos Aires.
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