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Batalha de Ayacucho (óleo sobre tela, por Martín Tovar y Tovar [1827–1902])

Peru: 200 anos da Batalha de Ayacucho, a última guerra pela independência da América

A Batalha de Ayacucho demonstrou que era possível erguer na América uma bandeira própria e unir povos em torno de um objetivo: acabar com o colonialismo
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Beeatriz Cannabrava

A Batalha de Ayacucho, em 9 de dezembro de 1824, no Peru, foi o último e decisivo episódio das guerras pela independência da América, travadas para libertar nossas terras do domínio colonial espanhol. Inaugurou um ciclo histórico que ainda permanece em aberto. Por ocasião de seu bicentenário, é necessário evocá-la.

E é preciso recordar que diversos acontecimentos influenciaram a consciência dos povos americanos para se libertarem do domínio ibérico. A independência dos Estados Unidos, em 1776; a Revolução Francesa, 13 anos depois; e a crise da monarquia espanhola, significativamente enfraquecida nos debates de Cádiz, foram fatores decisivos. Em nossa terra, a gesta de Túpac Amaru foi a semente de vitória.

Ali se deu o início da gesta emancipadora, em 1810, pelos exércitos libertadores que, vindos do sul e do norte, convergiram na capital do vice-reinado mais importante da América. A contenda não foi, portanto, uma confrontação local. Tampouco teve uma conotação nacional. Foi a culminação de uma guerra que, embora em sua última etapa tenha começado em 1810, remontava aos primeiros anos da dominação espanhola na América.

A insurreição de Manco II no Vale do Cusco e a sublevação dos “Marañones” na região amazônica, em 1580, foram elos de uma luta iniciada nos primeiros anos do regime colonial. Depois viria a rebelião de Juan Santos Atahualpa, entre 1742 e 1756, que teve como cenário a serra central do Peru, desde os vales do Cusco até os contrafortes andinos entre os rios Vilcanota e Apurímac, além de outra em Huarochirí.

Posteriormente, veio a gesta de José Gabriel Tupac Amaru, que colocou a Coroa em xeque e foi acompanhada por Túpac Katari na Bolívia, assim como por outros setores da população Quechua e Aymara.

A luta decisiva

Essa luta foi decisiva para a afirmação da consciência americana. Demonstrou que era possível erguer na América uma bandeira própria, sustentar uma luta capaz de mobilizar diversos segmentos da sociedade da época e unir povos em torno de um objetivo: acabar com o colonialismo na América.

Como registra Luis Antonio Eguiguren, desde os primeiros anos do século XIX a ação emancipadora começou a surgir em nosso território. Em 1805, ocorreu o sacrifício, no Cusco, de Gabriel Aguilar e Manuel Ubalde, que se levantaram contra o poder espanhol; e, em 1809 e 1810, as ações de Pardo e Saravia, perto de Lima.

Não há nada para ser comemorado no bicentenário da (in)dependência peruana

Graças a isso, o Peru seguiu o exemplo das Juntas de Quito e Chuquisaca, ambas expressões de um pensamento marcado pelas novas ideias, após a crise europeia do século anterior. Nesse mesmo período, a insurreição de Francisco de Zela, em 1811, em Tacna, e a sublevação de Crespo e Castillo, em 1812, em Huánuco, marcaram episódios singulares da confrontação e facilitaram a rebelião de Mateo Pumacahua e dos Irmãos Angulo, em 1814, que abalou grande parte do sul andino.

Luta pela libertação

Naquela época, já havia começado em todo o continente a luta pela libertação. Os exércitos de San Martín e Bolívar haviam iniciado suas campanhas patrióticas, derrotando as tropas realistas em duras batalhas na Argentina, Chile, Venezuela e Colômbia. Cancha Rayada, Maipú, Chacabuco, Carabobo e Pichincha tornaram-se, a partir de então, nomes emblemáticos que confirmavam a vigência dos ideais libertários. Depois, a guerra se estendeu ao Equador e chegou ao Peru a partir de 1820. Nesse momento, já estavam dadas as condições para proclamar a libertação de todo o continente, mas ainda faltavam batalhas decisivas: Junín e Ayacucho.

Dias antes dessas batalhas, desde Magdalena Vieja, Bolívar havia feito um apelo aos governos da Colômbia, México, Rio da Prata, Chile e Guatemala, instando-os a se reunirem no que viria a ser chamado na história de Congresso Anfictiônico do Panamá, com o objetivo de forjar uma unidade “que seja o escudo de nosso novo destino”. Pouco depois, Bolívar, em carta a Santander, escreveu, referindo-se aos acontecimentos de Ayacucho: “A vitória devolveu-me ao meu estado inicial de alegria e aos meus primeiros sentimentos” e acrescentou sua homenagem ao Marechal de Ayacucho: “Sucre conquistou a mais brilhante vitória da guerra americana”.

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O ciclo iniciado nessa etapa da história está vigente e projeta-se sobre cada um dos países da América. Hoje, afirma-se nas jornadas vitoriosas travadas contra o novo opressor: o imperialismo norte-americano.

Em cada canto da América surgem desafios que podem ser enfrentados a partir da mais ampla unidade dos povos. Não se pode esquecer, então, o que Bolívar afirmou em 1812: “Nossa divisão, e não as armas espanholas, nos trouxe de volta à escravidão”.

Como no antigo poema das crianças da escola uruguaia de Jesualdo, nessa tarefa, “cada qual com sua fé”; mas todos unidos no mesmo propósito: afirmar a independência e a soberania de nossos Estados, para construir sociedades compatíveis com a dignidade e a justiça.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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