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Peru: a terra com 7 milênios de história em constante luta por independência e soberania

A tarefa básica consiste em mostrar sentido de Pátria e fazer-nos dignos de sua história, sobretudo agora, quando temos um país ensanguentado e dividido
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul
Lima

Tradução:

Quando Marco Martos sentiu a necessidade de expor seu sentido de pátria, acudiu à beleza literária e nos disse: “Não é este teu país/porque conhece seus limites/ nem pelo idioma comum/ nem pelo nome de seus mortos/ Este é teu país/ porque se tivessem que fazê-lo/ o escolherias de novo/ para construir aqui/ todos os teus sonhos”.

Este recurso lhe ajudou a contrastar duas concepções que, na verdade, respondem a um mesmo sentimento: o sentido do que constitui a pátria, e o que se integra a partir do sonho dos peruanos orientados pelos mais altos ideais.

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O Peru é um dos países mais antigos do mundo. Quando nos anos 50 estudávamos a “história”, os textos nos conduziam às culturas milenares. O antigo Egito, a Mesopotâmia, a pequena Fenícia. Eram populações que habitavam o planeta três ou quatro mil anos antes da nossa era e assomavam como as civilizações mais primitivas

Podemos, os peruanos de hoje, falar de culturas nacionais alimentadas há quase sete milênios e nutridas de valores que foram se acumulando na experiência do que chamamos “populações originárias”, e não são outra coisa que a vida, que alumbra as expectativas de nossos povos.

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Dessas experiências é que nasce a pluralidade da cultura, a diversidade de línguas aborígenes, os costumes ancestrais, os mitos e lendas; mas também as grandes criações peruanas desde Choquequirao, do Santuário de Ampay e da Fortaleza de Keulap, até Machu Picchu.

A tarefa básica consiste em mostrar sentido de Pátria e fazer-nos dignos de sua história, sobretudo agora, quando temos um país ensanguentado e dividido

Foto: @JuanZapata108 via @WaykaPeru/Twitter
Com Independência e pela Soberania poderemos recuperar nossa vigência, e forjar a sociedade do futuro

Forjar culturas

É essa história que pode forjar culturas; Nazca ou Paracas; Moche ou Chavín; Tiahuanaco ou Chimú; para citar só algumas expressões de riqueza, que precederam o grande Império dos Incas. E foi este o que estendeu o caudal de nossa cultura a diversos rincões da América em um sonho interrompido pela conquista e a colonização. 

Mariátegui recordou que a destruição da estrutura Inca não permitiu forjar uma cultura nova, mas sim abriu passo a uma conquista violenta que ensombreceu a vida nacional.

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Assim, deu sustento a expressões heroicas de nossa história: a rebelião de Manco Inca, a resistência de Juan Santos Atahualpa, a epopeia de Tupac Amaru e Micaela Bastidas, as lutas de Francisco de Zela, Crespo e Castillo, Aguilar e Ubalde, ao sacrifício de Mariano Melgar, e a imolação de José Olaya, passos de uma mesma vontade: liberar o país do jugo estrangeiro para afirmar o verdadeiro sentido de uma Pátria Nossa.

“Nação em processo de formação”

A essa opção se somaram as mensagens daqueles que forjaram com sentido criador esta “Nação em processo de formação”. Desde María Alvarado, Mercedes Cabello, Clorinda Matto; até Miguel Grau, Francisco Bolognesi, Alfonso Ugarte, Ramón Castilla, Daniel Carrión e González Prada.

As lutas de nossos povos em distintas etapas complementaram a mensagem e afirmaram o papel de uma classe social – os trabalhadores – e um movimento sempre vivo: o campesinato, que vibrou pela dignidade e pela justiça afirmando o pensamento de homens grandes como César Vallejo, José Carlos Mariátegui ou José María Arguedas.

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No Peru, nunca se produziu a fusão de duas culturas, orientada a forjar uma terceira. Houve um processo de destruição de nossa cultura, no afã de fazer desaparecer o que os conquistadores julgaram como “uma raça inferior”. Hoje, a vida se encarregou de desmentir tal engano. E isso ocorreu também no extenso solo americano, igualmente invadido por novos conquistadores, também cegados pelo ouro.

Recuperação de imagem

Frente a isso, os povos vêm recuperando sua imagem desde uma ótica nova. As bandeiras que levam recolhem duas grandes expressões da dignidade: a luta pela Independência e pela Soberania.

Com elas poderemos recuperar nossa vigência, e forjar a sociedade do futuro. Nós a chamaremos de Sociedade Socialista, porque na base de nossa história está a vida comunitária e social de nossos povos; e porque as somará baseada nos mais altos e genuínos valores da comunidade humana. E porque se alimentará das batalhas que se travam em todo o continente contra o domínio opressor do Império, que busca perpetuar a discriminação e a barbárie.

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Papel decisivo

Homens netos da América, como Emiliano Zapata ou Augusto C. Sandino, desempenharam no passado um papel decisivo nesta tarefa. Hoje, o empenho continua. Isso explica a luta de nossos povos que além de fronteiras formais recolhem a semente do passado e seguem um novo caminho. Isso é Cuba, desde Hathuey até nossos dias; Venezuela ou Chile; Bolívia, Equador; o Brasil de Tiradentes, ou o México desde Moctezuma até o nosso tempo. A ele, aportamos hoje.

Para nós, a tarefa básica consiste em recuperar as riquezas básicas, reconstruir a economia nacional em benefício das grandes maiorias, integrar o país com um claro sentido libertador e democrático, respeitar a interculturalidade, incorporar as ações essenciais aos povos discriminados e marginalizados; em suma, mostrar sentido de Pátria e fazer-nos dignos de sua história. Sobretudo agora, quando temos um país ensanguentado e dividido.

Só assim concretizaremos o anseio do poeta, e construímos aqui todos os sonhos: construir a Pátria Nossa. 

Gustavo Espinoza M. | Colaborador da Diálogos do Sul em Lima, Peru.
Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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