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Peru às vésperas da proclamação Pedro Castillo como Presidente da República

Na OEA, fizeram um papelão; no Congresso viram suas expectativas serem reduzidas; no Júri Nacional de Eleições perderam todas as apelações
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul
Lima

Tradução:

Embora o Júri Nacional de Eleições tenha posposto sua decisão até quase 15 de julho, se pode dizer que está ao virar a esquina a proclamação da proclamação do professor Pedro Castillo Terrones como Presidente da República para o período 2021-2026.

Os trâmites que faltam não mudarão o rumo das coisas, de tal modo que bem se poderia dizer em latim formal: Consumatum Est.

Saiba +

Ataque ao neoliberalismo, nova Constituição e nova reforma agrária: entenda como Pedro Castillo venceu as eleições no Peru

Os últimos estertores produzidos pela coalizão direitista só fizeram que fosse mais penosa sua queda. Ela poderia ter perdido com a dignidade da derrota, essa à qual aludiu Jorge Luis Borges; mas cega pelo pânico e pelo ódio, optou por clamar aos céus em busca de vingança e, parafraseando Marx, finalmente só atinou a usar a religião como o ópio do povo. 

Em última instância, até o céu lhe negou a aceitação de seus recursos e a hierarquia eclesiástica a aconselhou paternalmente a não usar os sentimentos religiosos das pessoas como ferramenta de ordem política partidária ou caudilhista, como ela tentou.   

Dissemos antes que a pólvora que pretendíamos usar estava molhada e não renderia os frutos desejados. 

Na OEA, fizeram um papelão; no Congresso viram suas expectativas serem reduzidas; no Júri Nacional de Eleições perderam todas as apelações

Portal Vermelho
Não só os peruanos o sabem – 66% – que Pedro Castillo foi eleito Presidente, mas sim toda a Comunidade Internacional o admite.

Papelão na OEA

Na OEA, todos juntos fizeram simplesmente um papelão; no Congresso viram suas expectativas serem reduzidas a meros 20 votos que não lhe alcançaram para censurar ninguém; no Júri Nacional de Eleições perderam todas as apelações; e no Palácio de Governo deixaram uma carta que provavelmente lhes será respondida pelo próximo governo, depois de 28 de julho. Em resumo, foram o ridículo do bairro.

Claro, ainda não jogaram todas as cartas. Ainda fluem as palavras do Sócrates do nosso tempo que, desde o Oval Quiñonez, peripatético como seu antecessor, apostrofou recentemente aos fardados exigindo que se levantem em armas para impedir “a vitória do terrorismo”.

Sobre o tema

Eleições no Peru: o jogo de Keiko Fujimori para tentar impedir a posse de Pedro Castillo

Alfredo Barnechea — o torpe de 2016 — não tem currículo nem prosápia para pregar democracia nem patriotismo. Todos sabem que foi o mais folgado dos membros da Célula Parlamentar Aprista durante o primeiro governo de Garcia. E que, como andorinha ingrata, voou quando viu que esse governo afundava sem remédio.

Depois, foi de várias cores até a morte de Garcia, quando quis reeditar seus velhos ouropéis e ganhar a postulação presidencial por seu partido, que nem sequer chegou a se inscrever. 

Hoje bate desesperadamente à porta dos quartéis com a ilusão de encontrar quem o escute. Se isso não acontecer, vai maldizer os fardados de hoje assegurando que são “velasquistas”.

Barnechea, como alguns outros, deveria ser denunciado por um delito muito bem tipificado: incitação à rebelião.

Militares da Reserva

Esse delito não tem que ver com o documento que subscreveram alguns militares da reserva e que poderia ser considerado uma simples “opinião”, mas com o fato de que os que o firmaram resolveram se dirigir ao Comando Conjunto das Forças Armadas pedindo que os atendam, ou seja, as incitaram à rebelião. É difícil entender isso? 

Para os homens de farda, os “da reserva” não são nada. Um sargento na ativa tem mais poder de fogo que todos esses generais juntos. 

Porém, além disso, os generais de hoje parecem mais sensatos do que os que foram vítimas do processo de fascistização das Forças Armadas que se operou no Peru nos “anos da violência”. 

Àqueles que se somaram aos jogos sediciosos da Máfia naqueles tempos, finalmente se deram muito mal. Acumularam fortunas que nunca puderam usar. E depois só conheceram dissabores. 

Hoje estão na prisão, velhos e doentes. E ninguém se ocupa de assisti-los. Aos fujimoristas de hoje não lhes importa a situação de Hermoza Ríos, Rivero Lazo, Ibárcena ou Elesván Bello. Tendo imenso poder nas mãos, nem sequer tiveram a iniciativa de fazer-lhes mais humana a prisão. 

Igualmente acontecerá amanhã aos que pensem somar-se hoje a uma aventura sediciosa que não tem futuro. Basta ver o destino de Pinochet, cuja fortuna foi confiscada pelos Tribunais de Chile, depois de poucos anos da morte do tirano. E o ominoso fim de Jorge Rafael Videla, morto em uma prisão bonaerense, convertido em um trapo. 

Alguns creem hoje ser “Almirantes”. Poderíamos denunciá-los por usar um cargo que lhes está vedado. O único Almirante, foi Grau. Depois deles, todos os demais são Vice-almirantes. Estão abaixo do Cavaleiro dos Mares. Há que recordá-lo sempre. 

A sorte está lançada

Poderíamos dizer, então, que a sorte está lançada e as cartas definidas. Não só os peruanos o sabem – 66% – que Pedro Castillo foi eleito Presidente, mas sim toda a Comunidade Internacional o admite.

Quem é

Quem é Pedro Castillo, novo presidente do Peru que venceu fascismo de Keiko Fujimori

Com a filha do ex-ditador Alberto Fujimori como adversária, o socialista travou uma dura disputa que foi decidida voto a voto

Com 99.795% das urnas apuradas, já é possível afirmar que Pedro Castillo, professor e sindicalista de 51 anos que se lançou à presidência com o partido Peru Livre, conseguiu conquistar o apoio popular das classes mais baixas do Peru e dos redutos mais interiorizados. Com Keiko Fujimori, filha do ex-ditador Alberto Fujimori, como adversária, o socialista travou uma dura disputa que foi decidida voto a voto – mais uma vez. 

Assumidamente de esquerda, o candidato do partido marxista-leninista-mariateguista Peru Livre ganhou o primeiro turno de forma surpreendente, principalmente com o respaldo do interior. Em uma eleição hiperfragmentada, ele alcançou mais de 18% dos votos e ocupou a dianteira na apuração. Logo atrás, surgiu Keiko, da Força Popular.

Se foi azarão no primeiro turno, no segundo ele mostrou que seu apoio popular é real e continuou na liderança das pesquisas mesmo após a união em torno de Keiko formada por grupos midiáticos e pelas elites políticas liberais, incluindo o escritor Mário Vargas Llosa. Na apuração, aos 94.847 %, Castillo ocupa a dianteira com 50,165% dos votos contra 49,835% de Keiko. A margem, apertada, é superior a das eleições de 2016, quando Pedro Paulo Kucinski, o PPK, venceu a filha do ex-ditador por apenas 0,24 ponto percentual.

Quem é Castillo?

Professor na província de Cajamarca, Castillo ganhou projeção nacional quando liderou a greve nacional de docentes de 2017, que paralisou as aulas por três semanas exigindo melhores condições para profissionais de educação. Não é à toa que seu slogan eleitoral é “Palavra de Mestre” e seu símbolo é um lápis gigante.

Terceiro de nove irmãos, desde cedo conheceu a desigualdade no país andino. Começou seus estudos na Escola Rural N° 10465 e depois foi para uma unidade educacional localizada a duas horas de distância, que percorria a pé. Na juventude, trabalhou pela proteção de seu povo. Castillo foi parte dos grupos “ronderos” nos anos 70, que protegiam os campesinos e agricultores sem assistência do Estado no interior do país. Os ronderos também atuaram para resguardar os povos diante da escalada de violência promovida pelo Sendero Luminoso e pelas Forças Armadas nos anos 80-2000.

Racismo

Sua atuação no interior e seu linguajar popular foram alvo de xenofobia, racismo e classimo durante as eleições, conforme apontou à Fórum a historiadora Alejandra Bernedo, pesquisadora da Universidade Nacional de San Marcos e editora do portal Politeama.pe. Para Bernedo, isso pode ser um desafio até em um eventual governo. “É inegável o racismo que terá de enfrentar caso seja eleito. Ao longo da campanha eleitoral, vimos isso contra ele e seus seguidores nas redes sociais. Ele fala com sotaque regional e certos elementos de uma variante do quíchua. Tudo isso está relacionado ao desconhecimento, ao atraso, aos discursos racistas e classistas”, afirmou. Twitter / Pedro Castillo

O candidato do Peru Livre conseguiu conquistar o apoio popular das classes mais baixas do Peru e dos redutos mais interiorizados.

Fujimorismo

Essa postura preconceituosa não é algo muito difícil de esperar do fujimorismo. Durante seu regime, o ex-ditador Alberto Fujimori trabalhou com uma verdadeira limpeza étnica no país, com esterilizações forçadas a mulheres indígenas e campesinas. Cerca de 200 mil foram vítimas dessa violência, que ainda não foi julgada. Herdeira familiar e política do ex-mandatário, Keiko Fujimori minimiza isso e alega que trata-se apenas de políticas de controle de natalidade. Keiko também nega que houve tortura no período.

Além da violência de Estado, o governo repressivo foi marcado pela adesão ao neoliberalismo e a implementação de uma nova Constituição, que ainda não foi revista. Entre as principais propostas de Castillo está, justamente, a de convocar uma Assembleia Constituinte com o objetivo de enterrar o legado fujimorista – situação que lembra a mobilização no Chile contra a herança de Augusto Pinochet.

Nova Constituição

O programa do Peru Livre prevê o abandono do neoliberalismo e a construção de uma “Economia Popular com Mercados”, com um forte papel do Estado, além da estatização de reservas. Anjhela Priale, administradora que foi candidata pelo Peru Livre nesse pleito, disse à Fórum que “a orientação básica e elementar sobre a nova Constituição é recuperar a soberania sobre nosso país e nossos recursos naturais”. “Não administramos nossos recursos e não temos opção para renegociar os contratos das concessões ou criar estatais. Além disso, essa Constituição foi elaborada pela ditadura Fujimori”, aponta.

Mulheres e minorias

Revolucionário na economia, mas conservador nos costumes, o candidato tem posições controversas sobre direitos das mulheres e minorias. Contrário ao matrimônio igualitário e à educação com perspectiva de gênero, Castillo é criticado por movimento sociais progressistas por essa postura. Ao contrário de Keiko Fujimori, ele afirma que não está fechado ao avanço desse debate.

Principal representante dessas pautas, a antropóloga feminista Verónika Mendoza, 6ª colocada nas eleições, está ao lado de Castillo no segundo turno. Mendoza afirma que há um caminho para o diálogo nesses temas. Essa foi a principal cobrança dela quando saiu o resultado do primeiro turno e gerou um pacto de 10 pontos em que o professor se compromete a aprofundar a democracia e a respeitar as minorias, os povos originários e os direitos humanos.

Sendero Luminoso

Caso se confirme a vitória de Castillo, abre-se ainda um novo caminho para a esquerda peruana, que tem sido vítima do “fantasma” do Sendero Luminoso. O candidato foi vítima do chamado “terruqueo”, quando se atribui o alinhamento ao terrorismo a alguém de esquerda, mas isso parece não ter surtido grandes efeitos.

“A associação de qualquer personagem minimamente progressista ao terrorismo é uma constante no Peru, eles têm até nome para isso: terruqueo. Mesmo o presidente Sagasti, um liberal, já foi ‘terruqueado’. O massacre atribuído ao Sendero Luminoso na semana passada abriu espaço para as manifestação de sábado contra o terrorismo, mas parece que a repercussão foi residual. Além disso, acusações muito esdrúxulas contra Castillo não pararam desde que ele se mostrou um candidato viável, então não aparece como novidade para muita gente mais. Talvez o ‘terruqueo’ tenha se desgastado”, avalia o sociólogo Raul Nunes, do Núcleo de Estudos de Teoria Social e América Latina (NETSAL) do IESP-UERJ.

Gustavo Espinoza M., Colaborador da Diálogos do Sul desde Lima

As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul


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Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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