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Peru Livre: Defendemos nova Constituição para acabar com privatizações da era Fujimori

“A questão chave é enterrar a herança, feita sob o Consenso de Washington, de dilapidação do Estado e destruição de direitos sociais e trabalhistas”
Leonardo Wexell Severo
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Diante do embate com a direita fascista, o membro do comando nacional do Partido Peru Livre — do presidente Pedro Castillo — e secretário de Organização em Lima, Yuri Castro defende, em entrevista à Diálogos do Sul, a relevância da campanha de coleta de assinaturas pelo referendo por uma nova Constituição para a consolidação de um projeto nacional de desenvolvimento. 

Confira a entrevista:

O presidente Pedro Castillo assumiu o governo e já convocou esta campanha por uma coleta de assinaturas para a mudança da Constituição. Qual o significado desta ação?

Yuri Castro: Segundo a legislação eleitoral, necessitamos coletar dois milhões e meio de assinaturas, o que corresponde a 10% do eleitorado peruano, que é de 25 milhões, para a realização de um referendo constitucional. Com a clareza de seu significado para a consolidação de um projeto nacional de desenvolvimento, que nos livre das amarras neoliberais, estamos nos mobilizando para coletar cinco milhões de assinaturas, para que não haja um pingo de dúvida.

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Qual a consciência da sociedade para superar esta herança de Fujimori?

O Movimento pela Nova Constituição não é recente, já é muito antigo no Peru, e vem desde a época da ditadura. O próprio ex-presidente Valentín Paniagua, que liderou o governo de transição depois da renúncia de Alberto Fujimori em 2000, tentou retornar à Constituição de 1979, porém não contou com o respaldo necessário para isso. 

Isso foi algo que não se conseguiu exatamente pela falta de apoio político e popular. Paniagua não tinha bancada naquela época e a reação popular era muito pequena. Objetivamente não pôde. E a partir daí todos os demais presidentes fizeram tentativas, mas “han chupado”, como dizemos aqui no Peru, retrocederam no confrontamento com o fujimorismo e as forças de direita que lutavam para manter o status quo.

“A questão chave é enterrar a herança, feita sob o Consenso de Washington, de dilapidação do Estado e destruição de direitos sociais e trabalhistas”

Reprodução
Yuri Castro é secretário de Organização do Partido Peru Livre

Na sua avaliação, quais as questões chaves que necessitam ser enfrentadas para que o país avance?

A Constituição de 1993 foi feita sob o Consenso de Washington, que defende com unhas e dentes as privatizações e a venda dos nossos recursos. Este é o principal problema, junto com outros de índole social e trabalhista, em que não se reconhece praticamente nenhum direito.

Uma das questões chaves é precisamente a dos recursos naturais. A recuperação do gás de Camisea e de outras riquezas estratégicas é fundamental, com a sociedade influindo. O que estamos discutindo é o resgate para a nação de recursos que foram privatizados. Este é um tema que vem esquentando muito o ambiente.

Há outros absurdos, como a permissão dos chamados “contratos de lei”, que estabelecem que tratados com uma empresa não possam ser revisados, a não ser que seja feito por uma arbitragem internacional, não por uma corte peruana. Nos Estados Unidos, quando se tem uma contravérsia com uma empresa estadunidense ela é resolvida numa corte local.  Aqui se tens uma controvérsia com qualquer empresa se resolve nos tribunais dos EUA. Uma falta de vergonha total.

Diante disso, temos uma batalha campal pela coleta de assinaturas, que está envolvendo o conjunto da população, com uma intensa participação dos trabalhadores e do movimento sindical.

Com a mídia hegemônica, controlada pelos neoliberais, em aberta campanha pela manutenção dos privilégios da oligarquia e dos cartéis transnacionais… Como combater as mentiras e fazer a informação chegar à sociedade?

Paralelamente à luta pela nacionalização dos recursos, estamos lutando pela democratização dos meios de comunicação. Porque é a imensa concentração na mídia hegemônica que nos leva a que tenhamos dificuldades para fazer chegar a nossa palavra até o conjunto da sociedade. Por isso estamos criando uma rede de informação alternativa, contando com sites e televisões a cabo para conseguir furar o bloqueio.

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Retornando ao problema do gás de Camisea, poderia explicar sinteticamente a gravidade do problema.

O que ocorre com o gás de Camisea é que nos compram a 0,5 centavos de dólar o metro cúbico, enquanto nos vendem a 4,5 dólares: nove vezes mais. Outro exemplo é que em Camisea, a cidade onde está localizado o gás, os moradores compram o gás de GLP a quase 15 dólares o galão. É inadmissível que os donos do gás tenham que pagar essa fortuna por galões, enquanto poderiam ser abastecidos por tubos. São eles os donos dos recursos.

“Nos compram o gás de Camisea a 0,5 centavos de dólar o metro cúbico, enquanto nos vendem a 4,5 dólares: nove vezes mais”

E como a população vê esta questão do gás?

Uma das campanhas de Ollanta Humala (presidente de 2011 a 2016) foi pelo gás barato. Estamos falando de dez anos atrás. Imagina o quanto a população está irritada com este tema do gás. Porque temos o recurso e o vendemos a um valor baixíssimo, 0,5 centavos de dólar o metro cúbico, porém pagamos a um preço internacional alto. Uma negociata que beneficia a transnacionais como a Repsol (hispano-estadunidense) e a Hunt Oil (estadunidense). [Camisea produz 92% da produção de gás natural do Peru e seu gás permite a geração de mais de 40% da energia elétrica consumida em todo o país].

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A Constituição desde já aponta para a necessidade do fortalecimento da educação e da saúde pública, para a redistribuição da terra, para que o Estado se veja impulsionando o desenvolvimento. E de onde virão os recursos para alavancar esta verdadeira reconstrução nacional?

Com a retomada das nossas riquezas, com a renegociação dos contratos lesivos aos cofres públicos. No Peru se vendeu a ideia de que a privatização traz melhor qualidade, de que a empresa privada é mais eficiente que a estatal. Desta forma, até a água chegaram a privatizar em um programa piloto em Tumbes. A empresa fracassou e tiveram que rescindir o contrato, pois não cumpria com as metas. 

Isso de que tudo o que faz a empresa privada é melhor demonstrou ser uma completa falácia. Aliás, vocês no Brasil têm várias estatais eficientes e rentáveis, como a Petrobrás.

Tivemos recentemente no México o encontro da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), que apontou em direção a um maior fortalecimento da integração entre os nossos países, para fazer frente ao império. E agora?

Acredito que o movimento progressista na América Latina está em franco crescimento, após um debate que tivemos, mas é preciso ficar atentos pois a direita está jogando suas próprias cartas.

Acabam de vir até o Peru parlamentares do grupo de Vox, da Espanha, representantes da extrema-direita, fascista, que diferente da gente contam com todos os recursos do mundo para fazer o seu trabalho.

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As grandes potências continuam nos tratando como o seu quintal, pois somos quem lhes abastece de recursos — como o gás peruano —, praticamente subsidiando as indústrias da América do Norte. 

Neste sentido, nossa unidade, consciência e mobilização é ainda mais importante para a vitória da corrente progressista latino-americana.

Leonardo Wexell Severo, é colaborador da Diálogos do Sul


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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