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Alguns têm perguntado, com certa dose de angústia: quem se importa que seja Kuczynski ou Keiko Fujimori, presidente do Peru? É bom responder essa indagação sem desdenhá-la, e buscar um sentido positivo na analise política.
Gustavo Espinoza M.*
Na disputa de 5 de junho, PPK obteve 8 milhões 589 mil 529 votos; enquanto a candidata derrotada acumulou 8 milhões 547 mil 845 votos. A soma de ambos somou 17 milhões, 137 mil 373 votantes. Essa cifra mostra o número de peruanos que sim se importam por quem governa o país.
E tem mais. Alguém estranho ao drama nacional poderia não dar importância alguma, mostrar-se indiferente diante de tudo. Porém, aos estudantes assassinados em La Cantuta e a seus familiares, sim importa. Também às vítimas do Barrios Altos e seus sofridos parentes; os que caíram em El Santa ou no Callao; em Lima ou em Chimbote. Às mulheres esterilizadas contra sua vontade, também importa. Aos estudantes encarcerados e torturados, aos centenas de milhares de trabalhadores despedidos, aos camponeses privados do acesso à terra; a todos eles também importa.
Não se pode ser tão insensível e assegurar que tudo é igual e sempre é mesma coisa. A vida nos ensinou o equivocado dessa posição. Houve, nos anos 1930, os que na Alemanha acreditaram que a Republica de Weimar era igual ao Partido de Hitler no poder. A história lhes deu razão? Milhões pagaram com suas vidas, em todo o mundo, por tamanha miopia.
É claro que Pedro Pablo Kuczynski não foi eleito pelo que se questiona de seu programa nem por seus antecedentes. Todos, inclusive os que o apoiam, reconhecem que foi uma soma de fatores o que permitiu que conquistasse a vitória, derrotando o reduto fujimorista. Hoje todos deveriam considerar essas coisas com sentido crítico e autocrítico.
Com 73 congressistas fujimoristas, o Parlamento será um cenário francamente hostil a PPK, porém não o atacará por sua disposição de obedecer ao FMI e negociar nossos recursos. Por isso o apoiarão sem renunciar ao objetivo principal: assegurar que o governo fracasse. Será a maneira para poder dizer às pessoas: “Viram? Porque votam nele? Si tivessem elegido a Keiko, estaria melhor”.
Tratarão de derrota-lo, debilita-lo e desprestigiá-lo ao máximo. Algo assim como fizeram com Ollanta. O restolho dos seguidores de Allan García da Apra e o fujimorismo bateram nele com tudo. Diziam: “inepto, traidor, incapaz, improvisador”. Ao novo presidente repetirão: “como é um velho, é incapaz de governar”.
Se a esquerda parte da base de que PPK é neoliberal e portanto deve situar-se como força de oposição, estará fazendo o jogo a esse propósito. Os grandes meios de comunicação, desesperados, já torcem para que seja assim. Desse modo, PPK ficará isolado, acossado pela máfia e abandonado pelo povo, será presa fácil da voracidade de seus adversários. Vai ser devorado, como as mariposas pelos sapos.
A tarefa para o povo, no contexto de hoje, não é debilitar o governo de PPK, mas sim enfrentar os verdadeiros inimigos do país. E deve fazer com clareza e com firmeza. Para isso teve ter consciência de suas responsabilidade, e capacidade para as encarar.
A Frente Ampla e seus aliados terão sem dúvida duas grande áreas em que se fixarão diferenças entre o que desejam e o que o novo governo pensa fazer. Na economia, principalmente.
Haverá certamente notáveis divergências com relação ao TTP, aos tratados de livre comércio, à posição com relação aos organismos financeiros internacionais, aos investimentos estrangeiros, os contratos para exploração dos recursos o papel do Estado, os salários e as pensões, e outros temas de inegável importância. E cada um deles, e outros mais, o governo terá uma opção e o movimento popular outra.
Uma segunda área de divergência está vinculada à política exterior, sobretudo no cenário continental: MERCOSUL, UNASUL, CELAC, Aliança do Pacífico e a ALBA. Nessa matéria PPK opta pelo império, e o povo, pela unidade continental, a independência dos países, a soberania dos Estados e o processo emancipador de América Latina.
Sempre se soube que PPK é contra a Venezuela, e seguramente também contra Cuba. Porém, cautelosamente, por razões geopolíticas, atuará contra Evo Morales, Rafael Correa e o movimento progressista centro-americano. E tratará de estreitar vínculos com a direita chilena, o regime de Macri, as autoridades corruptas lideradas pelo “novo mandatário” brasileiro, e os bandidos que conformam a oposição venezuelana.
Também nesse terreno haverá base suficiente para divergências constantes. Ha que ter consciência disso.
Não obstante, o povo não votou por PPK só por anti-fujimorismo. O fez também por estar consciente do perigo que implicava dar uma certidão de nascimento para um Norco-Estado. E esse perigo não desapareceu por arte de um prestidigitador com a votação nas últimas eleições.
A estrutura mafiosa que sustenta o narcotráfico subsiste e está intacta. É preciso vencê-la. É preciso vencer também todo o aparato montado no país desde 1990 e que foi em seu momento alimentado por Allan García. Esse aparato se nutre de juízes corruptos, de promotores a seu serviço, de procuradores dispostos sempre a servir interesses ocultos.
Em matéria de direitos humanos temos numerosas demandas pendentes. A reparação às vítimas, a revisão de sentenças leoninas ditadas pelo ódio e a barbárie, a derrota dos jagunços, enfim da delinquência artificialmente utilizada para desestabilizar a sociedade, a eliminação dos esquadrões da morte, que operam com impunidade e selvageria e muitos outros temas.
No plano da política social também há bandeiras que se devem agitar com maior confiança do que se estivéssemos sob a férula do fujimorismo: os direitos trabalhistas dos trabalhadores, a negociação coletiva, o respeito à legislação do trabalho, a saúde e as aposentadorias, o apoio aos professores, o apoio às universidades públicas.
Será preciso enfrentar em todos os flancos a artilharia assentada pela grande imprensa. Desde o início ela esteve com Keiko. Por isso dissemos, em seu momento, que El Komercio, se converteu em Komercio com K de Keiko. E não sem razão. Só nos últimos dias o decano da imprensa se deu conta do ridículo que estava fazendo como porta-voz da máfia, e então recuou.
Não obstante, hoje volta ao mesmo: “é preciso forjar a unidade, concertar, construir acordos para somar forças”. Em outras palavras, procura embelezar a máfia para torna-la mais potável e com isso atravessar um espinho na garganta de PPK.
O tema dá pra muito mais, porém, abordaremos com o transcorrer dos fatos. A estes não é necessário exames de laboratório. Há que acompanha-los na luta cotidiana do povo compartilhando suas ações e suas esperanças.
*Colaborador de Diálogos do Sul, de Lima, Peru